6º mandamento para um bom governo

 

Não te endividarás

“A inflação aleija; mas o balanço de pagamentos mata”.

Mario Henrique Simonsen

 

Teoricamente, à medida que aumenta o investimento de capital social no país, deveria diminuir nossa necessidade de aceitar os empréstimos oferecidos por organismos multinacionais ou por outros países ao governo central. A dívida pública é como um imposto deferido. Cedo ou tarde, os contribuintes terão que saldar a dívida adquirida pelo mandatário de plantão, por isso, deve-se implantar uma política de responsabilidade fiscal.

Os brasileiros foram obrigados a conviver por vários anos – principalmente nas décadas de 1970 e 1980 – com um perverso tripé que combinava, em doses alternadas, estagnação prolongada, inflação crônica e crise das dívidas, ora da interna, ora da externa. Nos anos 70, a taxa média de crescimento ainda foi elevada, em razão, basicamente, dos primeiros quatro ou cinco anos, que marcam o final da fase conhecida como a do “milagre econômico”. Bem diferente, portanto, da década de 80, que se tornou conhecida em toda a América Latina como a “década perdida”.

O Brasil, a exemplo de outros países da região, acostumou-se a crescer sem uma poupança compatível com os elevadíssimos recursos necessários ao financiamento dos investimentos, em especial em infra-estrutura e em bens de capital. Não dispondo dos recursos, o Brasil e vários de seus vizinhos recorreram a duas estratégias: a inflação ou o endividamento (ou uma combinação das duas).

Como em economia “não existe almoço grátis”, mais dia menos dia a conta tem que ser paga. E como a corda acaba arrebentando sempre do lado mais fraco, ela acaba arrebentando em cima de cada um de nós, cidadãos e contribuintes, obrigados a arcar com uma carga tributária que não pára de crescer a muitos anos.

No que se refere à inflação, a situação melhorou muito em razão do êxito do Plano Real enquanto política de estabilização. Também no que se refere à dívida externa, a situação vem melhorando nos últimos anos em razão de uma série de ações iniciadas no governo de Fernando Henrique Cardoso e que tiveram continuidade no governo Lula. Porém, como os gastos de custeio do governo seguem crescendo acima da inflação, continuamos longe de ter a situação resolvida e, pior, toda vez que há necessidade de cortes, estes acabam recaindo sobre os investimentos, o que gera um círculo vicioso que impede que o país retome o crescimento de sua economia em níveis compatíveis com as necessidades de um país com as características da brasileira.

O trecho que se segue, extraído de um brilhante artigo de Ilan Goldfajn, retrata extraordinariamente bem o quadro atual:

A situação econômica atual é de um contraste intrigante. Sobram dólares no país, mas faltam recursos para o governo investir. O governo anuncia um programa de recompra de até 20 bilhões da dívida externa, mas não consegue reduzir sua dívida total (interna e externa).  A contradição resulta de um Brasil que vende mais do que compra do exterior, mas que convive com um governo que gasta como nunca. A conseqüência é um país que melhora seus indicadores externos, mas que tem sido incapaz de germinar um crescimento maior do PIB.

Diante desse cenário, parece não haver outra alternativa ao novo governo que não seja a imposição de limites claros à sua capacidade de endividamento. Deve apresentar contas claras e transparentes aos cidadãos a respeito da dívida pública, evitando a qualquer custo a manutenção dos elevados gastos em custeio.

Recorrendo, uma vez mais, a Ilan Goldfajn, chamo a atenção para o risco da manutenção da atual prática:

Nessa situação, alguém poderia imaginar que estamos caminhando rapidamente para ser um país com indicadores externos cada vez melhores, mas com crescimento do PIB medíocre e dívida interna crescente. Porém, não há forma desse crescimento dos gastos não contaminar as contas externas. O crescimento dos gastos pressionará a demanda agregada, aumentando as importações e eliminando o atual saldo nas contas externas, ou inviabilizará a produção de produtos exportáveis, via juros e carga tributária.

Ademais, o novo governo deverá avaliar cuidadosamente as condições impostas por quem concede o empréstimo, porque algumas das condições requeridas poderão causar sérios prejuízos ao país no futuro.

Se nada disso for feito, poderemos estar caminhando para uma situação que contraria a célebre afirmação – utilizada como epígrafe deste artigo – com que o professor e ex-ministro Mario Henrique Simonsen ilustrava os problemas de balanço de pagamentos que enfrentamos até alguns anos atrás. Na situação atual, o balanço de pagamentos vai muito bem obrigado, mas o crescimento dos gastos do governo certamente vai matar.