Glauber Rocha

Cinema, estética e revolução

Cinema

Embora goste de cinema, jamais fui um cinéfilo.

Para dizer a verdade, houve um período da minha vida em que ministrei aulas de Criatividade na Faculdade de Comunicação da FAAP. Na primeira e inesquecível turma, de Cinema, as aulas eram às sextas-feiras das 11h10 às 12h50. Quando fui informado do horário, pensei comigo: “Nem Jesus Cristo consegue prender a atenção dos alunos nesse horário… Ainda mais com uma disciplina que muitos nem acham que seja ‘coisa séria’”.

Ledo engano. A turma era interessadíssima e costumava ir muito além do que eu exigia. Provavelmente porque os alunos eram muito mais criativos do que o próprio professor.

Dado o bom resultado e a ótima avaliação por parte dos alunos, o diretor da Faculdade, Prof. Rubens Fernandes, pediu-me para ficar com duas turmas de Publicidade e Propaganda, cujas aulas eram em sequência nas manhãs de segunda-feira. Devo ter permanecido com essa carga horária por uns dois semestres, até que tive que solicitar minha substituição por duas razões: meu filho tinha entrado naquele curso e eu não tinha intenção de ser seu professor e – o mais importante – eu havia sido convidado para assumir a Diretoria da Faculdade de Economia.

Naqueles dois semestres em que ministrei aulas nas manhãs de segunda-feira, eu passava quase toda semana por um enorme constrangimento. Na sala dos professores, as conversas giravam em torno dos filmes que os colegas, praticamente sem exceção, tinham assistido no fim de semana. Alguns chegavam a assistir a três ou quatro, iniciando a maratona já na sexta-feira anterior. Fanático por esporte, eu provavelmente tinha assistido ou saberia dizer o resultado das principais partidas de futebol, de tênis, vôlei e basquete, sem contar os dos eventuais grandes prêmios das principais categorias do automobilismo.

Quanta divergência de interesses!

Para também não deixar a impressão de que sou um completo desinteressado por cinema, é bom destacar que um dos cursos de extensão mais bem sucedidos que tive oportunidade de ministrar tinha por título O cinema e a redemocratização do Brasil e da América do Sul, cuja síntese pode ser vista no artigo com o mesmo título publicado na revista FACOM.

Vários dos filmes exibidos durante esse curso, aliás, já haviam sido utilizados em minhas aulas de História Econômica, Formação Econômica do Brasil e Realidade Brasileira, disciplinas que lecionei em diferentes momentos nos cursos de Economia e de Relações Internacionais. Alinho-me aos professores que acreditam que a projeção de filmes e documentários, quando bem feita, pode se constituir numa extraordinária ferramenta de aprendizagem.

Além de contribuírem para o fortalecimento de contextos ou conceitos da disciplina em si, esse recurso normalmente apresenta uma série de outros fatores positivos, entre os quais o maior dinamismo das aulas, a possibilidade de explorar diferentes estilos de aprendizagem, o estímulo à transversalidade, dada a possibilidade de estabelecimento de conexões com conteúdos de diversas áreas do conhecimento e até uma melhora da relação entre aluno e professor, uma vez que é muito frequente que os próprios alunos passem a fazer sugestões de novos filmes que poderiam ser utilizados.

Fiz essa longa digressão para justificar a leitura do recém-lançado Glauber Rocha: cinema, estética e revolução, do colega Humberto Pereira da Silva.

Como não cinéfilo e frequentador ocasional de cinema, jamais me interessei muito pelos filmes de Glauber Rocha, ainda que tenha sido testemunha de sua importância para o cinema brasileiro e, por que não, mundial.

O livro, no entanto, me prendeu a atenção de tal forma que não vejo a hora de assistir, senão a todos, pelo menos aos filmes considerados mais importantes do cineasta, como Barravento, Deus e o Diabo na Terra do Sol, Terra em Transe e O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro.

O texto é muito bem redigido e, com isso, o autor consegue entremear fatos da biografia do cineasta com a trajetória do desenvolvimento do cinema nacional, com evidente destaque para o Cinema Novo, sem jamais perder de vista a preocupação de uma rica contextualização histórica, visto que o Brasil passou por momentos de enorme turbulência política ao longo do período da produção cinematográfica de Glauber Rocha. Esta turbulência, decorrente das acentuadas mudanças na vida política brasileira, teve influência marcante na vida e na obra do cineasta, que também se caracterizam por diversas mudanças, muitas das quais geradoras de controvérsias e contradições.

A sólida formação do autor, que é doutor em Filosofia da Educação pela USP, bem como seu enorme interesse pelo cinema, já que é crítico de cinema e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), explicam em boa parte como consegue chegar a resultado tão expressivo. A clareza de suas colocações deriva também de sua vasta experiência no magistério, como professor de Filosofia, Ética e Metodologia Científica na FAAP.

Tudo isso, aliado ao rigor da pesquisa no levantamento de dados e à sua visão do cinema como algo que transcende o plano estético para ser um ato político, constitui razão mais do que suficiente para que eu recomende a leitura de Glauber Rocha; cinema, estética e revolução principalmente para a esmagadora maioria das pessoas que não são especialistas nem em cinema, nem em Glauber Rocha. Para os cinéfilos, pode ser que muito do que o livro contém já seja de seu conhecimento.

Referências bibliográficas

CASTILHO, Áurea (coordenadora). Filmes para ver e aprender. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2003.

MACHADO, Luiz Alberto. O cinema e a redemocratização do Brasil e da América do Sul. FACOM – Revista da Faculdade de Comunicação e Marketing da FAAP, nº 26, 1º semestre de 2013, pp. 44-57.

SILVA, Humberto Pereira da. Glauber Rocha: cinema, estética e revolução. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.

Referências cinematográficas

Barravento 

Direção: Glauber Rocha

Gênero: Drama

Produzido em 1961, foi lançado na França em 1969

Música: Canjiquinha

Roteiro: Glauber Rocha, Luiz Paulino dos Santos, Jose Teles

Elenco: Antonio Pitanga, Luiza Maranhão, Lucy de Carvalho, Aldo Teixeira e Lidio Silva

Duração: 80 minutos

Deus e o Diabo na Terra do Sol

Direção: Glauber Rocha

Gênero: Drama

Data de lançamento: 10 de julho de 1964 (Brasil)

Produção: Luiz Augusto Barbosa para a Copacabana Filmes

Música: Glauber Rocha, Sérgio Ricardo, Heitor Villa-Lobos

Roteiro: Glauber Rocha, Walter Lima Júnior, Paulo Gil Soares

Elenco: Yoná Magalhães, Othon Bastos, Geraldo Del Rey, Maurício do Valle e Lidio Silva

Duração: 125 minutos

Terra em Transe

Direção: Glauber Rocha

Roteiro: Glauber Rocha

Data de lançamento: 2 de maio de 1967 (Brasil)

Música: Sérgio Ricardo

Figurino: Paulo Gil Soares, Clóvis Bornay, Guilherme Guimarães

Elenco: Paulo Autran, Jardel Filho, Glauce Rocha, José Lewgoy e Hugo Carvana

Duração: 115 minutos

O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro

Direção: Glauber Rocha

Gênero: Aventura e western

Data de lançamento: 14 de junho de 1969 (Brasil)

Música: Marlos Nobre

Produção: Mapa Filmes

Elenco: Maurício do Valle, Othon Bastos, Odete Lara, Hugo Carvana e Jofre Soares

Duração: 95 minutos