Diferentes tipos de capital

 

“O mais valioso de todos os capitais é aquele investido em seres humanos.”

 

 

 

 

 

 

 

 

Alfred Marshall

 

Logo na primeira aula do curso de ciências econômicas aprendi que a economia é a ciência que estuda a combinação dos recursos escassos de forma a satisfazer, da melhor forma possível, as ilimitadas necessidades humanas[1]. Aprendi, então, que os recursos, fatores ou meios de produção dividem-se em humanos (ou trabalho), naturais (ou terra) e capital. Este, por sua vez, divide-se em capital físico, incluindo instalações, máquinas, equipamentos, e capital financeiro, englobando os diversos ativos monetários e financeiros.

Bem mais tarde, conheci uma definição que me agrada bastante. É do economista francês Léon Walras, um dos principais expoentes da revolução marginalista na segunda metade do século XIX. Para ele,

[Capital é] toda espécie de riqueza social que não é inteiramente consumida, ou é consumida apenas lentamente; todo bem útil limitado em quantidade, que sobrevive ao primeiro uso; em suma, que pode ser usado mais de uma vez; uma casa, uma peça de mobiliário.

Com o tempo, conheci a expressão capital humano, que, segundo Eduardo Giannetti,

representa o grau de capacitação da comunidade para o trabalho qualificado, a inovação científica, a liderança e a organização a nível empresarial privado e na vida pública. Ele é constituído não somente pelo investimento das famílias e da sociedade como um todo na capacidade produtiva das pessoas, mas também por elementos de natureza ética como, por exemplo, a capacidade dos indivíduos de perceber e agir consistentemente com base em interesses comuns, ou ainda de respeitar na prática regras gerais de conduta – as “regras do jogo” – das quais todos os participantes se beneficiam, embora para isso precisem restringir alguns de seus interesses pessoais – ou de grupo – mais imediatos.

Embora tal ideia remonte a Alfred Marshall no fim do século XIX, ganhou força com dois economistas laureados com o Nobel, Theodore Schultz e Gary Becker[2]. No Brasil, além de Eduardo Giannetti, Ricardo Paes de Barros e Marcelo Neri são dois de seus principais divulgadores.

                                                    

 

 

 

 

 

 

Theodore Schultz                                                                                                                                               Gary Becker

Mais algum tempo, conheci a expressão capital social, definido como o conjunto de conexões de uma rede social, que por meio de confiança e reciprocidade pode aumentar a produtividade de indivíduos e organizações públicas e privadas. Embora o conceito remonte ao sociólogo Pierre Bourdieu, quem consagrou a ideia foi Robert Putnam, professor da Universidade de Harvard e autor de uma obra que se tornou referência, Making democracy work.[3]

     

 

            

 

 

 

 

                          

Pierre Bourdieu                                                                                                                                      Robert Putnam

Por fim, conheci a expressão capital político. Tendo também Pierre Bourdieu como um de seus idealizadores, significa o leque de apoios que o político que participa e vence processos eleitorais consegue arregimentar e que lhe dá respaldo – tanto parlamentar como da opinião pública – para implantar suas propostas.

No Brasil, vimos diferentes experiências sobre capital político. Fernando Henrique Cardoso e Lula se elegeram com votação expressiva e governaram com elevado capital político. Dilma Roussef reelegeu-se com baixíssimo capital político em razão da vitória eleitoral muito apertada. Esse frágil capital político favoreceu o rápido desgaste que culminou no seu impeachment. Michel Temer, por sua vez, assumiu o cargo sem ter sido pessoalmente votado, mas contando com o apoio de parcela expressiva da população. Seu capital político esvaiu-se em pouco tempo graças à necessidade de substituir ministros nos primeiros dias após ter tomado posse. O vazamento da conversa com Joesley Batista logo em seguida encerrou precocemente sua gestão.

Fazendo uma analogia, pode-se dizer que elevado capital político é uma espécie de sinal verde para o governante avançar com seus projetos, ao passo que baixo capital político equivale ao sinal vermelho.

Vemos, agora, a situação de Jair Bolsonaro. Eleito com margem considerável de votos, inicia seu governo com amplo capital político e, sabiamente, tem procurado utilizar esse capital encaminhando ao Congresso desde logo o conjunto de reformas tidas como essenciais. Preocupa-me, porém, o acúmulo de questiúnculas, como a que envolveu a demissão do ministro Gustavo Bebiano, que vai minando esse capital político.

Se problemas dessa natureza continuarem ocorrendo, o sinal verde logo dará lugar ao sinal amarelo.

 

 

Referências bibliográficas e webgráficas

BECKER, Gary. Human Capital: a theoretical and empirical analysis, with special reference to education. New York: Columbia University Press, 1964.

BOURDIEU, P. The forms of capital. In RICHARDSON, J. (ed.). Handbook of theory and research for the sociology of education. New York: Greenwood Press, 1986.

GIANNETTI DA FONSECA, Eduardo. A ideia do capital: sua evolução e sua presença hoje. In GALL, Norman et al. Nova era da economia mundial. São Paulo: Pioneira/Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, 1989, pp. 37 -52.

MARSHALL, Alfred. Princípios de economia: tratado introdutório. Tradução revista de Rômulo de Almeida e Ottolmy Strauch. Introdução de Ottolmy Strauch. São Paulo: Abril Cultural, 1982. (Os Economistas)

MIGUEL, Luís Felipe. Capital político e carreira eleitoral: algumas variáveis na eleição para o congresso brasileiro. Revista de Sociologia e Política. Curitiba, nº 20, junho de 2003. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0104-44782003000100010.

PUTNAM, Robert D. Making Democracy Work: civic traditions in modern Italy. Princeton University Press, 1992, apud Braudel Papers no 10, 1995.

_______________ Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1997.

RAMOS, José Maria Rodriguez. Lionel Robbins: Contribuição para a Metodologia da Economia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. 1993.

REIS, Bruno Pinheiro W. Capital social e confiança: questões de teoria e método. Revista de Sociologia e Política. Curitiba, nº 21, novembro de 2003. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0104-44782003000200004.

SCHULTZ, Theodore W. O valor econômico da educação. Tradução de P. S. Werneck, revisão técnica de Calógeras A. Pajuaba, 2 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.

___________________. Investindo no povo. Tradução de Élcio Gomes de Cerqueira. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987.

_______________ O Capital Humano: Investimentos em Educação e Pesquisa. Tradução de Marco Aurélio de Moura Matos. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.

WALRAS, Léon. Compêndio dos elementos de economia política pura. Apresentação de Dionísio Dias Carneiro Netto. Tradução de João Guilherme Vargas Netto. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Economistas)

 

 

[1] Esta é uma das diversas definições de economia. Outra, muito citada, é a do economista inglês Lionel Robbins, para quem “economia é a ciência que estuda o comportamento humano como um relacionamento entre fins e meios escassos que têm usos alternativos”.
[2] Mais recentemente, James Heckman foi também laureado com o Prêmio Nobel de Economia por suas pesquisas a respeito do retorno econômico da educação.
[3] Contábil ou financeiramente, Capital Social é o valor que os sócios ou acionistas estabelecem para sua empresa no momento da abertura. Trata-se, portanto, da quantia bruta que é investida, o montante necessário para iniciar as atividades de uma nova empresa, considerando o tempo em que ela ainda não vai gerar lucro suficiente para se sustentar.