Contribuições da Escola Austríaca

 

“Substituir decisões individuais por decisões coletivas, como é o objetivo de todas as doutrinas coletivistas e socialistas, significaria necessariamente uma redução enorme de informações, ideias e oportunidades que poderiam ser usadas mais eficientemente em nossos esforços para melhorar a vida da população mundial.”

Friedrich Hayek

 

Na segunda metade do século XIX, em razão da crescente influência das ideias de Karl Marx, ocorria uma rápida penetração das ideias socialistas, em especial entre os intelectuais e nos meios acadêmicos.

Isso estimulou uma reação imediata, com o aparecimento quase simultâneo de trabalhos que apresentavam considerável grau de convergência, levados a cabo por pessoas diferentes, em lugares diferentes, e que trabalhavam independentemente umas das outras. Entre elas, destacam-se William Stanley Jevons, na Inglaterra, Léon Walras, na Suíça e Carl Menger, na Áustria. Nascia, nas pessoas desses três grandes nomes, o que se tornou conhecido como Revolução (ou Escola) Marginalista, com três ramificações: Escola de Cambridge, Escola de Lausanne e Escola Austríaca, respectivamente.

As três ramificações se contrapunham a diversos aspectos das ideias socialistas, em particular a duas delas: a defesa da forte intervenção governamental na economia e a teoria do valor-trabalho.

Para os marginalistas, quanto menor a intervenção governamental, melhor. Quanto à teoria do valor, defendiam que, independentemente das horas de trabalho aplicadas à produção de um determinado produto, seu valor dependia de um fator subjetivo, qual seja a disposição do consumidor de obter aquele produto. Havendo interesse por ele, a pessoa se disporia a utilizar seus recursos – sempre escassos – para obtê-lo. Caso contrário, não gastaria um único centavo em sua aquisição. Surgiu assim, em oposição à teoria do valor-trabalho, a teoria do valor-utilidade.

Depois de Carl Menger, a Escola Austríaca teve uma série de sucessores que se notabilizaram por suas contribuições para a teoria econômica. À segunda geração, por exemplo, pertenceram Friedrich von Wieser e Eugen von Böhm-Bawerk.

Foram seguidos por Ludwig von Mises, cuja obra magna, Ação Humana, se constitui numa das maiores referências para entender como os indivíduos agem para tomar decisões econômicas num contexto marcado pela liberdade individual e reduzida intervenção governamental.

Friedrich Hayek, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 1974, analisou a interdependência dos fenômenos econômicos, políticos, sociais e institucionais. Entre suas principais obras, destacam-se O caminho da servidão, de 1944, em que adverte para o perigo dos regimes então na moda − socialismo, comunismo, nazismo, fascismo e keynesianismo − conduzirem ao fim da liberdade individual, A Constituição da Liberdade, de 1960 (traduzido no Brasil como Os fundamentos da liberdade) e Direito, Legislação e Liberdade, em 3 volumes, publicados em 1973, 1976 e 1979.

Mais recentemente, Israel Kirzner enfatizou a importância do empreendedorismo, defendendo uma visão diferente da consagrada por Joseph Schumpeter, que, embora tenha nascido numa localidade que pertencia ao Império Austro-Húngaro e tenha sido ministro das Finanças da Áustria, jamais pertenceu à Escola Austríaca.

No Brasil, Henry Maksoud foi de grande importância na divulgação do pensamento da Escola Austríaca, quer publicando livros pela Editora Visão, quer discutindo suas ideias nas páginas da revista Visão, quer, principalmente, patrocinando a vinda ao Brasil por três vezes, entre 1977 e 1981, de Friedrich Hayek para conferências e participação no programa que ele apresentava na TV Bandeirantes. Graças a Cândido Mendes Prunes, é possível resgatar amplo material publicado à época, inclusive as principais entrevistas a jornais e revistas, no livro Hayek no Brasil.

Outro ardoroso defensor do liberalismo no Brasil, contribuindo também para a divulgação das ideias da Escola Austríaca, foi o economista, embaixador, parlamentar e ex-ministro Roberto Campos. Delfim Netto, que foi deputado federal ao mesmo tempo que Roberto Campos, no livro escrito por Ernesto Lozardo publicado em 2018 em homenagem ao centenário de seu nascimento comemorado no ano anterior, afirma que Roberto Campos era uma figura memorável, que, no final da vida, foi ficando cada vez mais liberal. Um dia na Câmara dos Deputados, onde nos sentávamos próximos, ele me disse: “Delfim, eu me arrependo demais. Eu só devia ter estudado Hayek. O resto foi bobagem”.

Há algumas décadas, o maior representante da Escola Austríaca é o professor Ubiratan Iorio, ex-diretor da Faculdade de Economia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), integrante do conselho superior do Instituto Liberal e autor de uma série de livros, não só sobre a própria escola, mas também de análises conjunturais baseados na metodologia e nos princípios fundamentais da mesma. Entre esses livros, destaco Economia & Liberdade: a Escola Austríaca e a economia brasileira, Ação, tempo e conhecimento, Dos protoaustríacos a Menger e Introdução à Escola Austríaca de Economia em 12 lições.

Além dele, outros nomes que têm se sobressaído na defesa das ideias da Escola Austríaca são: Prof. Fabio Barbieri, da FEA-USP de Ribeirão Preto, autor de A Metodologia do Pensamento Econômico (com Ricardo Feijó), A economia do intervencionismo e História do debate do cálculo econômico socialista; Helio Beltrão, fundador do Instituto Mises Brasil; e Adriano Gianturco, coordenador do curso de Relações Internacionais e professor do Ibmec-MG e autor do livro O empreendedorismo de Israel Kirzner.

Por essas e outras relevantes contribuições, a Escola Austríaca se insere entre as principais escolas do pensamento econômico contemporâneo.

 

Referências e indicações bibliográficas 

BARBIERI, Fabio. A economia do intervencionismo. São Paulo: Instituto von Mises Brasil, 2013.

_______________ História do debate do cálculo econômico socialista. São Paulo: Instituto von Mises Brasil, 2013.

BARBIERI, Fabio; FEIJÓ, Ricardo. A metodologia do pensamento econômico: o modo de fazer ciência dos economistas. São Paulo: Atlas, 2013.

BÖHM-BAWERK, Eugene von. A teoria da exploração do socialismo comunismo. São Paulo: LVM Editora, 2017.

FEIJÓ, Ricardo. Economia e Filosofia na Escola Austríaca: Menger, Mises e Hayek. São Paulo: Nobel, 2000.

GIANTURCO, Adriano. O empreendedorismo de Israel Kirzner. Tradução de Isadora Darwich e Thaiz Batista. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2011.

HAYEK, Friedrich August von. O caminho da servidão. Tradução de Leonel Vallandro. 2. ed. São Paulo: Globo, 1977.

_______________ Os fundamentos da liberdade. Supervisão e introdução de Henry Maksoud. Tradução de Anna Maria Capovilla e José Ítalo Stelle. São Paulo: Editora Visão, 1983.

_______________ Law, Legislation and Liberty: Vol. 1 – Rules and Order. Chicago: The Chicago University Press, 1973.

_______________ Law, Legislation and Liberty: Vol. 2 – The Mirage of Social Justice. Chicago: The Chicago University Press, 1976.

_______________ Law, Legislation and Liberty: Vol. 3 – The Political Order of a Free People. Chicago: The Chicago University Press, 1979.

IORIO, Ubiratan. Economia & Liberdade: a Escola Austríaca e a economia brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. 

_______________ Ação, tempo e conhecimento. A Escola Austríaca de economia. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2011.

_______________ Dos protoaustríacos a Menger: uma breve história das origens da Escola Austríaca de Economia. 2. ed. Revista e ampliada. São Paulo: LVM Editora, 2017.

_______________ Introdução à Escola Austríaca de Economia em 12 lições. Santo André, SP: Armada, 2023.

KIRZNER, Israel. Competição e atividade empresarial. Tradução de Ana Maria Sarda. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2012.

LOZARDO, Ernesto. OK, Roberto. Você venceu! o pensamento econômico de Roberto Campos. Rio de Janeiro: Topbooks, 2018.

MACHADO, Luiz Alberto. Viagem pela economia. São Paulo: Scriptum, 2019.

MENGER, Carl. Princípios de economia política. Introdução de F. A, Hayek; tradução de Luiz João Baraúna. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Economistas).

MISES, Ludwig von. Ação humana: Um tratado de Economia. Tradução de Donald Stewart Jr. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1990.

_______________ As seis lições. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: José Olympio: Instituto Liberal, 1985.

PRUNES, Cândido (org.). Hayek no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 2006.

SCHUMPETER, Joseph A. Teoria do desenvolvimento econômico: uma investigação sobre lucros, capital, crédito, juro e o ciclo econômico. Introdução de Rubens Vaz da Costa. Tradução de Maria Sílvia Possas. São Paulo: Abril Cultural, 1982. (Os Economistas).