Turismo no Brasil: muito aquém do potencial
“A cidade boa para o turista é aquela que é boa também para o cidadão que nela vive”.
Caio Luiz de Carvalho
A Amazônia está na ordem do dia – ou na boca do povo, como preferirem – em razão das polêmicas envolvendo a questão do meio ambiente.
Os holofotes já estiveram mais fortes, é bem verdade, principalmente por conta das questões relacionadas às queimadas, que quase provocaram uma crise diplomática com a França, em decorrência da troca de farpas entre os presidentes Emmanuel Macron e Jair Bolsonaro.
Não é a isso, porém que vou me referir neste artigo. Sem deixar de reconhecer a sua relevância, vou me valer do interesse pela região amazônica para focalizar uma questão diferente – e não menos relevante: o turismo no Brasil.
Segundo a Lonely Planet – maior editora de guias de viagem do mundo – a Amazônia é um dos principais destinos para esse ano. Em sua publicação, eles definem “Natureza em seu estado mais puro”. Viajar para a região norte do País é ter a oportunidade de conhecer toda a riqueza e variedade existentes nos nove estados da Amazônia legal.
No Brasil, o mercado de viagens é responsável por mais de 8% da economia, gerando emprego para cerca de 7 milhões de trabalhadores. Segundo a pesquisa, elaborada pela consultoria britânica Oxford Economics, a contribuição ao Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 3,1% em 2018, totalizando US$ 152,5 bilhões (8,1%). “O Brasil ocupa posições de liderança global na contribuição do Turismo para a economia, sendo aportação do setor para o PIB nacional de 8,1%, gerando 7,5% dos empregos do País”, afirmou a presidente e CEO do WTTC, Gloria Guevara.
De acordo ainda com a Lonely Planet, Manaus, capital do Amazonas, é a porta de entrada para a maior floresta tropical do mundo. Nos últimos anos, turistas do mundo inteiro viraram os olhos no sentido da Amazônia, o que resultou em um crescimento expressivo nos polos turísticos e na economia local.
No primeiro semestre de 2019, os turistas que desembarcaram no Amazonas representaram um aumento de 2,95% no volume de turistas se comparado ao ano de 2018, que no primeiro semestre, recebeu cerca de 335 mil turistas. Os dados são da Empresa Estadual de Turismo do Amazonas (Amazonastur).
Apesar desses dados favoráveis, minha opinião, corroborada pelos números de 2019 recém-divulgados pelo Ministério do Turismo, é de que o Brasil tem um desempenho muito aquém do seu potencial, quer em termos de receitas geradas pelo setor, quer em termos de volume de visitantes estrangeiros.
Como se vê na tabela 1, as receitas encontram-se estacionadas desde 2010, num montante em torno de US$ 6 milhões anuais. Nem mesmo dois eventos esportivos de abrangência mundial, que em outros países costumam elevar a receita turística em função da atração de elevado número de turistas, como a Copa do Mundo (2014) e os Jogos Olímpicos (2016), conseguiram ter impacto relevante no Brasil. Nos dois casos, o aumento da receita em relação aos anos anteriores foi inferior a 6%.
Tabela 1 – Receitas do Turismo (em US$ milhões)
Ano | Receitas |
2010 | 5.261 |
2011 | 6.095 |
2012 | 6.378 |
2013 | 6.474 |
2014 | 6.843 |
2015 | 5.844 |
2016 | 6.024 |
2017 | 5.809 |
2018 | 5.921 |
2019 | 5.913 |
Fonte: Ministério do Turismo
Quando examinamos o tema pelo número de visitantes (tabela 2), constatamos que estamos longe dos destinos mais procurados. Com aproximadamente seis milhões de visitantes por ano, o Brasil está próximo da quadragésima colocação, muito abaixo do México – primeiro país latino-americano da lista – que recebe 41 milhões de turistas anualmente.
Tabela 2 – Maiores destinos (em milhões de turistas)
Lugar | País | Turistas | Variação em relação ao ano anterior |
1 | França | 89 | 3% |
2 | Espanha | 83 | 1% |
3 | EUA | 80 | 4% |
4 | China | 63 | 4% |
5 | Itália | 62 | 7% |
6 | Turquia | 46 | 22% |
7 | México | 41 | 5% |
8 | Alemanha | 39 | 4% |
9 | Tailândia | 38 | 8% |
10 | Reino Unido | 36 | -4% |
Fonte: OMT. International Tourism Highlights, 2019
Observando os números do Relatório da Organização Mundial do Turismo referentes a números de visitantes e receitas geradas, chama a atenção, pela eficiência, o caso da Austrália, que é o 41º país no ranking de volume de chegadas, com 9,2 milhões de turistas, mas é o 7 º no mundo em receitas, com US$ 45 bilhões como se vê na tabela 3.
Tabela 3 – Maiores receitas (em US$ bilhões)
Lugar | País | Receita | Variação |
1 | EUA | 214 | 2% |
2 | Espanha | 74 | 4% |
3 | França | 67 | 6% |
4 | Tailândia | 63 | 5% |
5 | Reino Unido | 52 | 2% |
6 | Itália | 49 | 7% |
7 | Austrália | 45 | 11% |
8 | Alemanha | 43 | 3% |
9 | Japão | 41 | 19% |
10 | China | 40 | 21% |
Fonte: OMT. International Tourism Highlights, 2019
Já quando examinamos pela ótica dos gastos (tabela 4), fica clara a ascensão dos chineses, disparadamente os que mais gastaram com turismo, muito à frente dos norte-americanos que aparecem no segundo lugar.
Tabela 4 – Gastos com turismo (em US$ bilhões)
Lugar | País | Gastos | Variação |
1 | China | 277 | 5% |
2 | EUA | 144 | 7% |
3 | Alemanha | 94 | 1% |
4 | Reino Unido | 76 | 3% |
5 | França | 48 | 11% |
6 | Austrália | 37 | 10% |
7 | Rússia | 35 | 11% |
8 | Canadá | 33 | 4% |
9 | Coreia do Sul | 32 | 1% |
10 | Itália | 30 | 4% |
Fonte: OMT. International Tourism Highlights, 2019
Considerando o tamanho do território, a extensão do seu litoral pontilhado por praias belíssimas, a extraordinária biodiversidade, a riqueza da culinária e as incontáveis atrações locais espalhadas por todo o País, é inconcebível que o Brasil receba menos turistas do que países que não dispõem de atrações comparáveis às nossas.
Sempre haverá justificativas. Passam pela insegurança, pela instabilidade econômica, pela distância que nos separa dos principais países emissores, pela crise da Argentina, país que mais envia turistas ao Brasil, pelas notícias negativas divulgadas no exterior etc., etc., etc.
O fato, porém, é que há muito espaço para crescer nesse setor, desde que seja feito um esforço inteligente, constituído de um conjunto articulado de políticas públicas envolvendo os diferentes níveis da administração, bem como os organismos especializados da iniciativa privada.
Retornando ao foco do início do artigo, em que pese a visão otimista da Lonely Planet, parece-me, numa olhada rápida de quem tem viajado com certa regularidade aos dois principais estados da região amazônica, que passam por situações bem diferentes. De um lado, o Pará revela considerável dinamismo. Sua capital, Belém, registra crescimento da rede hoteleira, inaugurou um moderno centro de convenções e possui uma riquíssima culinária regional, a ponto de ser considerada pela Unesco, desde 2015, Cidade Criativa Gastronômica. No oeste do estado, próxima de Santarém, Alter do Chão firma-se como um destino turístico cada vez mais procurado. E há ainda o caso do Marajó, com enorme potencial, mas ainda inexplorado turisticamente, assim como o nordeste do estado, com belas praias oceânicas, que carecem de mais divulgação e infraestrutura. De outro, o Amazonas evidencia sinais preocupantes. Manaus, a capital, não consegue reproduzir o bom desempenho de seu Polo Industrial (conhecido antigamente como Zona Franca), está com seu mais importante hotel desativado, oferece reduzida variedade de bons restaurantes e atrai um número decrescente de eventos internacionais de grande porte. Fora da capital, o destaque fica por conta das excursões pela floresta e da Festa do Boi de Parintins, exemplo bem-sucedido de manifestação popular de grande impacto econômico regional.
Concluo com as palavras do Prof. Eduardo Costa[1], a quem agradeço pelas observações e contribuições:
O Brasil carece de uma adequada política para o turismo. No caso da Amazônia, o turismo pode vir a se consolidar como um setor econômico dinamizador da economia regional, gerando empregos e renda, com preservação da floresta. O maior desafio do Brasil hoje é a Amazônia e a capacidade de induzir algo inédito, inexistente em qualquer floresta tropical do mundo, desenvolvimento com preservação. E o turismo pode contribuir para isso, ajudando a consolidar base de vida digna para os habitantes da região e ampliando a prestação de serviços da região em escala planetária com preservação da floresta. Mas para isso é preciso a indução desse setor por meio de políticas públicas sistêmicas e integradas. O PRDA (Plano de Desenvolvimento Regional da Amazônia) contempla o desenvolvimento do turismo. Mas é necessária a efetiva implantação do que fora planejado.
Referências webgráficas
PIRES, Jeanine. Década de receitas internacionais dormente. Disponível em https://blog.panrotas.com.br/mktdestinos/2020/01/27/decada-de-receitas-internacionais-dormente/.
UNWTO. International Tourism Highlights. 2019 Edition. Disponível em https://www.e-unwto.org/doi/pdf/10.18111/9789284421152.
[1] Bacharel em Economia pela UFPA, mestre e doutor em Economia pela Unicamp e professor da Faculdade de Economia e do Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública do Núcleo de Altos Estudos da Amazônia (PPGGP/NAEA), ambos da UFPA.
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