Globalização I

 

Globalização: um tema que gera explosivas emoções

 

 “Como toda competição, a globalização envolve riscos de acidentes,

em particular os de adaptação a uma competição mais acirrada,

para a qual muitos ainda não estarão preparados e sofrerão

desajustes debitados à conta de benefícios  superiores a custos.”

Roberto Macedo

 

Conforme prometido na semana passada, passo a abordar, a partir deste artigo, o tema da globalização. Pela sua extensão, pelas paixões que desperta e pela polêmica que a cerca, a globalização será objeto de quatro artigos. O de hoje apenas introduz o tema e chama a atenção para o elevado grau de discussão – muitas vezes acalorada – que costuma despertar. O segundo apresentará os pontos de vista de importantes intelectuais brasileiros e estrangeiros. O terceiro destacará os fatores que tiveram sua importância aumentada com a globalização, bem como aqueles que tiveram sua importância reduzida. E o quarto examinará um assunto de grande importância nos dias de hoje e que se constitui talvez no terceiro grande desafio que a economia brasileira é obrigada a enfrentar num curto espaço de tempo, a questão da internacionalização da empresa brasileira.

Por que terceiro grande desafio?

Porque a economia brasileira viveu, na última década do século XX, um duplo desafio: num plano mais abrangente, a exemplo de todos os outros países, viveu a transição rumo a uma economia globalizada; num plano mais localizado, a transição da instabilidade para a estabilidade. Apesar de todos os problemas ainda existentes na economia brasileira, não se pode negar que a estabilidade foi uma conquista memorável. Considerando-se que o cenário dos anos 80 e início dos 90 combinava, em doses variáveis, estagnação, inflação crônica e elevada, e crise das dívidas – interna e externa –, dificilmente poderíamos imaginar uma transição tão rápida para a estabilidade. Tal fato torna-se ainda mais relevante se lembrarmos que a segunda metade da década de 80 foi marcada por uma sucessão de planos de estabilização mal sucedidos, o que deixou como herança uma sociedade frustrada e desiludida.

Há sempre aqueles que perguntam se o custo social do ajuste necessário a essa transição não foi muito alto. A única coisa que me cabe dizer nessa hora é: qual teria sido o custo do não ajuste? Como bem observou Milton Friedman, expoente da Escola Monetarista de Chicago, ao se referir à economia: “Não existe almoço grátis”.

Antes que alguém me condene apressadamente, é bom dizer que eu tenho plena consciência de que a estabilidade não pode ser vista como objetivo último de uma política econômica. Este, sem dúvida, deve ser a melhora das condições de vida da população, o que supõe, inevitavelmente, certa dose de crescimento econômico. No entanto, é bom frisar que a estabilidade é um pré-requisito essencial para que esse objetivo seja alcançado, principalmente na era da globalização.

Poucos temas mereceram tanto destaque nestes últimos quinze anos quanto o da globalização. Poucos foram, também, tão polêmicos e geraram tanta controvérsia. Há, entre os mais respeitados intelectuais de todo o mundo, inúmeros que vêem o fenômeno da globalização a partir de um prisma positivo; mas há também, em igual quantidade ou até maior, os que o vêem de forma bastante crítica. Sem contar que há, ainda, os que contestam a sua própria existência.

Embora o tema não seja novo e tenha já sido objeto de ampla análise nas mais variadas fontes, não gostaria de perder a oportunidade para fazer algumas considerações a respeito deste estranho estigma da globalização (válida também para o liberalismo – ou, como alguns preferem, neoliberalismo), qual seja, o de atrair para si a responsabilidade por tudo que não dá certo ou que seja impopular.

Este aspecto, aliás, foi abordado há alguns anos atrás com precisão por Norman Gall, diretor do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, na abertura de uma conferência internacional promovida pelo referido Instituto. Intitulada “Globalização e Neoliberalismo”, e realizada no dia 2 de setembro de 1997, a conferência – que reuniu nomes de grande expressão tanto do Brasil como do exterior – teve por objetivo “propiciar um aprofundamento sistemático e pertinente sobre esses dois temas tão controversos”.

Norman Gall iniciou a conferência com a provocadora frase acerca do nebuloso debate político sobre globalização e neoliberalismo:

 “Estes termos, apesar de freqüentemente mal definidos, têm sido entendidos como palavrões que sugerem uma pretendida conspiração mundial em favor dos interesses do capital internacional, destruindo empregos, riqueza e direitos adquiridos em diversos países, inclusive o Brasil.”

Na seqüência, alertou para o fato de que

 “[…] líderes das mais diferentes formações e classes e outros tantos importantes formadores de opinião na sociedade têm feito da globalização e do neoliberalismo a resposta para todos os males. Por outro lado, como no mundo das ciências sociais a chamada ‘guerra das idéias’ tem defensores de ambos os lados, não faltam vozes que apresentam a globalização como algo inexorável e que não permite escolha, e aceitam como verdade insofismável que o sistema de preços tem o efeito alocativo mais eficiente, independente da realidade social e histórica de cada lugar ou de cada país.”

Em seu comentário final, bastante sarcástico, Norman Gall disse que para algumas pessoas palavrões piores do que “globalização” ou “neoliberalismo”, só se forem “globalização neoliberal” ou “neoliberalismo globalizante”.

Polêmica à parte, coloco-me ao lado dos que acreditam que o fenômeno é real e irreversível e, nesse sentido, nada como procurar compreendê-lo em toda a sua extensão para, a partir daí, tentar aproveitar ao máximo as oportunidades que ele apresenta ou, na pior das hipóteses, minimizar os prejuízos que ele possa vir a acarretar.

É com esse objetivo que inicio hoje esta série de artigos sobre a globalização, esperando despertar o interesse e, quem sabe, oferecer novos subsídios para a discussão deste controvertido tema aos internautas que têm o hábito de freqüentar esta seção.

Referências e indicações bibliográficas

BHAGWATI, Jagdish N. Em defesa da globalização. Rio de Janeiro: Campus, 2004.

GALL, Norman et al. Nova era da economia mundial. São Paulo: Pioneira/Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, 1989.

MACEDO, Roberto.“Globrasilização”: a globalização que convém ao Brasil. Revista de Economia & Relações Internacionais. São Paulo: FAAP, volume 1, número 1, julho de 2002, pp. 47-63

MACHADO, Luiz Alberto. As mil e uma culpas do neoliberalismo. Revista de Economia & Relações Internacionais. São Paulo: FAAP, volume 3, número 5, julho de 2004, pp. 95 – 110.

PFEFFERMANN, Guy.Globalization: economists versus normal people. Revista de Economia & Relações Internacionais. São Paulo: FAAP, volume 1, número 1, julho de 2002, pp. 65 -76.

RICUPERO, Rubens. O Brasil e o dilema da globalização. São Paulo: Editora SENAC, 2001.

RODRIGUES, Gilberto e BRIGAGÃO, Clóvis. Globalização a olho nu. São Paulo: Moderna, 2004.

SOROS, George. Globalização. Rio de Janeiro: Campus, 2002.

STIGLITZ, Joseph E. A globalização e seus malefícios. São Paulo: Futura, 2003.