Globalização II
Controvérsias conceituais sobre globalização
“Definir a globalização é uma tarefa simples e complicada.
Sempre faltará algo. Fico receoso, diante da variedade de globobagens
que circulam por aí. A globalização parece o enigma da esfinge:
vamos decifrá-la ou ela nos devora (ou já está nos devorando?).”
Dirceu Coutinho
Quanto mais me aprofundo na análise da globalização, mais me convenço tratar-se de um fenômeno predominantemente das comunicações. Embora seus reflexos alterem profundamente as relações econômicas, sua origem encontra-se, a meu juízo, no campo das comunicações. Nesse particular, alinho-me à posição do Prof. Eduardo Giannetti da Fonseca, em oposição à do Prof. Antônio Corrêa de Lacerda, que se utiliza inclusive da expressão globalização econômica:
O fato a ser observado é que o processo de globalização econômica é cada vez mais intenso na economia mundial. Embora, como veremos, não haja ainda uma uniformidade teórica de conceitos, o que, sob alguns aspectos, torna difícil a sua caracterização, é a extraordinária mobilidade e crescente volume dos investimentos diretos estrangeiros que se revela mais visível. Por outro lado, um aspecto a ser ressaltado é da crescente intangibilidade da riqueza, o que dificulta a ação dos Estados Nacionais e das empresas.
Já de acordo com o Prof. Giannetti,
A globalização não é apenas a palavra da moda, mas a síntese das transformações radicais pelas quais vem passando a economia mundial desde o início dos anos 80. Suas dimensões básicas, que estão revolucionando a atividade produtiva e o modo de vida neste fim de milênio, são a aceleração do tempo e a integração do espaço. O paradoxo é que embora façamos as coisas que desejamos em cada vez menos tempo, falte também cada vez mais tempo para fazer aquilo que desejamos. Quanto mais economizamos tempo, mais carecemos dele.
Antes de seguir adiante com a polêmica em questão, gostaria de destacar o binômio citado pelo Prof. Giannetti – aceleração do tempo e integração do espaço – como um dos traços mais marcantes da globalização, no qual me baseio para afirmar tratar-se de um fenômeno predominantemente do campo das comunicações. A propósito, ouso sugerir o excelente livro O Fim das Distâncias, de Frances Cairncross, já traduzido para o nosso idioma. Foi depois de ler esse livro da editora chefe da revista The Economist que adquiri confiança suficiente para defender essa posição que, diga-se de passagem, é responsável por alguns olhares enviesados de certos colegas economistas.
Seguindo com a polêmica, a globalização pode ser entendida como resultante da conjunção de três forças poderosas, de acordo ainda com o Prof. Giannetti:
1. A terceira revolução tecnológica (tecnologias ligadas à busca, processamento, difusão e transmissão de informações; inteligência artificial; engenharia genética);
2. A formação de áreas de livre comércio e blocos econômicos integrados (União Européia, Nafta, Mercosul etc.); e
3. A crescente interligação e interdependência dos mercados físicos e financeiros em escala planetária.
Entre os autores que se referem à questão da globalização como um fato concreto da nossa época, gostaria de destacar François Chesnais, que prefere o termo mundialização a globalização, por entender que corresponde com maior exatidão à essência da expressão inglesa “globalização”, que, nas suas palavras, “traduz a capacidade estratégica de todo grande grupo oligopolista, voltado para a produção manufatureira ou para as principais atividades de serviços, de adotar, por conta própria, um enfoque e conduta “globais””.
Como bem observou o Prof. Lacerda, o termo mundialização (do francês mondialization) não foi adotado apenas por Chesnais, mas pelos franceses de uma forma geral, em lugar de globalização (do inglês globalisation), em função da conhecida resistência cultural existente na França em relação ao uso de anglicismos.
Outros economistas que se referem ao fenômeno da globalização como um fato concreto e irreversível são Roberto Macedo e Jagdish N. Bhagwati, este último, autor de um livro em que faz veemente defesa da globalização. Mas não são só os economistas que se têm debruçado sobre o fenômeno da globalização e seu impacto sobre as formas de pensar e agir. Engenheiros, advogados, administradores, tecnólogos, antropólogos, sociólogos e muitos outros profissionais têm também se preocupado com o fenômeno, cada um procurando examiná-lo a partir de seu campo de atuação. Entre os sociólogos, merece destaque a observação do Prof. Octavio Ianni:
O problema da globalização, em suas implicações empíricas e metodológicas, ou históricas e teóricas, pode ser colocado de modo inovador, propriamente heurístico, se aceitarmos refletir sobre algumas metáforas produzidas precisamente pela reflexão e imaginação desafiadas pela globalização. Na época da globalização, o mundo começou a ser taquigrafado como “aldeia global”, “fábrica global”, “terrapátria”, “nave espacial”, “nova babel” e outras expressões. São metáforas razoavelmente originais, suscitando significados e implicações. Povoam textos filosóficos e artísticos.
Diversos outros autores, de especialidades distintas, têm também se ocupado da questão da globalização, destacando diferentes aspectos ou chamando a atenção para efeitos positivos ou negativos da mesma. Evidentemente, não seria possível citá-los num artigo desta natureza. Mas, como pretendo realçar o caráter polêmico do fenômeno da globalização, gostaria de mencionar alguns críticos que chegam a questionar a sua existência ou, pelo menos, a sua irreversibilidade. Entre os que se alinham àqueles que acreditam que o saldo final da globalização não será muito positivo os mais conhecidos são Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia e ex-vice-presidente do Banco Mundial, e o mega investidor George Soros. Nessa mesma linha, observam Hirst & Thompson:
Os defensores mais ingênuos da rápida e recente “globalização” têm memória curta e tendem a ver a economia internacional em termos pós-1973. Uma perspectiva mais ampla é prudente, não simplesmente pelo que revela sobre a economia mundial pré-1914, mas porque mostra quão volátil, quão sujeita às mudanças conjunturais e quão vulnerável aos efeitos dos conflitos políticos é a economia internacional. Nenhum regime importante durou mais do que 30 a 40 anos, e períodos de abertura e de crescimento consideráveis foram substituídos por períodos de abertura e de crescimento consideráveis foram substituídos por períodos de fechamento e de declínio. Portanto, seria uma ingenuidade projetar as tendências atuais de abertura e de integração, como se fossem inevitáveis ou irreversíveis.
Entre os brasileiros, o Prof. Paulo Nogueira Batista Jr. é quem mais tem questionado o fenômeno da globalização, por considerar limitado o recente processo de internacionalização. A seu juízo, em que pese a rápida expansão das transações econômico-financeiras internacionais, a hegemonia dos mercados continua sendo de ordem interna, que absorve cerca de 80% de tudo o que é produzido no mundo. As economias nacionais também geram 90% dos empregos, e os investimentos realizados ainda são financiados preponderantemente pela poupança interna, responsável por 95% dos financiamentos das inversões.
O Prof. Reinaldo Gonçalves, da UFRJ, também tem uma visão bem crítica da globalização, notadamente de suas conseqüências para países não desenvolvidos, como é o caso do Brasil. O estágio atual da globalização é explicado por ele da seguinte forma:
O modo capitalista de produção entra em uma época propriamente global, e não apenas internacional. Assim, o mercado, as forças produtivas, a nova divisão internacional do trabalho, a reprodução ampliada do capital desenvolvem-se em escala mundial.
Seu ceticismo quanto às possíveis vantagens da globalização para o Brasil fica evidente quando ele afirma que “a causa básica da globalização econômica é a necessidade das economias desenvolvidas de expandir seus mercados”.
Além deles, outro que tem feito comentários muito negativos à globalização (e ao neoliberalismo) é o comentarista político Carlos Chagas. Seus comentários, porém, têm sido tão exagerados que se assemelham àqueles muito comuns no auge da Guerra Fria, segundo os quais os comunistas comiam criancinhas. Num de seus últimos comentários, pela Jovem Pan, disse que o neoliberalismo e a globalização são os responsáveis pela expansão da corrupção verificada recentemente em diversos países do mundo.
Embora admitindo certa validade nas observações de Hirst & Thompson e de Batista Jr., não resta dúvida que a posição deles – de questionar a própria existência do fenômeno da globalização – é amplamente minoritária. Afinal, mesmo aqueles que têm uma visão bastante crítica da globalização, não deixam de reconhecer sua existência. Diante dessa constatação, examinarei, no próximo artigo, os fatores cuja importância aumenta com a globalização, assim como aqueles que têm sua importância reduzida.
Referências e indicações bibliográficas
Batista Jr., Paulo Nogueira. Globalização e administração tributária. Leituras de Economia Política. Campinas: Editora da UNICAMP, (4): 155-77, junho de 1997.
BHAGWATI, Jagdish N. Em defesa da globalização. Rio de Janeiro: Campus, 2004.
Cairncross, Frances. O fim das distâncias: como a revolução nas comunicações transformará nossas vidas. São Paulo: Nobel, 2000.
Chesnais, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996.
COUTINHO, Dirceu M. Globalizantes & Globalizados. São Paulo: Aduaneiras, 2002.
GIANNETTI DA FONSECA, Eduardo. Globalização, transição econômica e infra-estrutura no Brasil. Texto preparado para o Seminário “Competitividade na infra-estrutura para o Século XXI”, promovido pelo Instituto de Engenharia, São Paulo, realizado em 24/09/96.
GONÇALVES, Reinaldo. O nó econômico. Rio de Janeiro: Record, 2003.
HIRST, P. e THOMPSON, G. Globalização em questão. Petrópolis: Vozes, 1998.
LACERDA, Antônio Corrêa de. O impacto da globalização na economia brasileira. São Paulo: Contexto, 1998.
MACEDO, Roberto. “Globrasilização”: a globalização que convém ao Brasil. Revista de Economia & Relações Internacionais. São Paulo: FAAP, volume 1, número 1, julho de 2002, pp. 47-63.
MARTIN, Hans-Peter & SCHUMANN, Harald. A armadilha da globalização. 6ª ed., São Paulo: Globo, 1999.
SOROS, George. Globalização. Rio de Janeiro: Campus, 2002.
STIGLITZ, Joseph E. A globalização e seus malefícios. São Paulo: Futura, 2003.
Referências e indicações webgráficas
ALMEIDA, Paulo Roberto de. A globalização e seus benefícios: um contraponto ao pessimismo. Disponível em http://www.espacoacademico.com.br/037/37pra.htm.
FURTADO, João. Mundialização, reestruturação e competitividade: a emergência de um novo regime econômico e as barreiras às economias periféricas. Disponível em http://globalization.sites.uol.com.br/mundiali.htm.
SALA-I-MARTÍN, Xavier. Totalitarismo globófobo. Disponível em http://www.eumed.net/cursecon/textos/Sala-i-Martin_Totalitarismo.htm
TAMANES, Ramón. A ningún país le viene mal la globalización. Disponível em http://www.eumed.net/cursecon/textos/tamamesentrevista.htm.
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