Globalização III

 

A gangorra da globalização

 

“Em outras épocas fatores como abundância de recursos naturais, capital

ou a mão-de-obra barata eram mais importantes.Mas hoje em dia

o que realmente faz a diferença entre o sucesso e o fracasso é a capacidade

de competição baseada na tecnologia, na ciência, no conhecimento.”

Rubens Ricupero

 

O título do artigo desta semana deve-se à acentuada oscilação da importância de alguns fatores que acontece em decorrência do processo de globalização, com a subida da importância de alguns e a descida da importância de outros, lembrando o movimento de uma gangorra.

Efetivamente, toda vez que nos defrontamos com uma mudança de grande porte – uma verdadeira mudança de paradigma, de acordo com Thomas Kuhn – ocorrem alterações sensíveis em diversos aspectos da conjuntura. Nessa mudança, alguns fatores ganham importância, ao mesmo tempo em que outros têm sua importância reduzida. Com a globalização, as coisas não foram diferentes, a não ser, talvez, pelo acelerado ritmo das mudanças, como bem observa o Prof. Eduardo Giannetti:

A hipérbole é inimiga da precisão. Mas é difícil resistir a uma sensação de assombro e vertigem diante da velocidade com que o mundo vem se transformando de alguns anos para cá. Não é a primeira vez, é verdade, que isso acontece. Já na Primeira Revolução Industrial, por exemplo, era lugar comum afirmar-se ‘que na era das ferrovias e da máquina a vapor, a década substitui ao século’. A diferença é que agora estamos trocando anos por hora, meses por minutos e dias por segundos.

Que fatores, de acordo com Giannetti, ganham importância com a globalização?

1) A estabilidade e a previsibilidade macroeconômicas: num mundo em que as relações econômicas são estabelecidas, muitas vezes, entre blocos de países, quem é que vai querer ter como parceiro um país que não consegue manter a estabilidade de sua moeda e onde não há condição de se fazer qualquer tipo de previsão a não ser de curtíssimo prazo?

2) O investimento em capital humano: entendido não apenas no seu componente cognitivo, necessário para interagir com as novas tecnologias, mas também no que diz respeito à ética e à confiabilidade interpessoal. Num mundo em que os acontecimentos são divulgados praticamente em tempo real, qualquer deslize mais grave condena seu autor a uma desconfiança generalizada. Exemplo nesse sentido pôde ser observado com o ex-presidente Fernando Collor de Mello, cuja imagem encontra-se irremediavelmente associada aos desmandos e à corrupção que envolveram seu impeachment. Quem, aliás, utilizou-se deste fato para demonstrar que com a globalização e a imediata divulgação das notícias em escala mundial a questão ética passaria a ser vista noutra dimensão, com sua importância sendo bastante valorizada, foi John Naisbitt, no best seller Paradoxo Global. E, embora ainda estejamos muito em cima do fato, o cipoal de denúncias de corrupção que assola o País atualmente poderá deixar como herança vários outros exemplos desse tipo.

3) Agilidade e flexibilidade empresarial: no mundo globalizado e altamente competitivo, acesso à informação deixou de ser handicap, uma vez que ela encontra-se disponibilizada para todos. Sendo assim, o que se torna essencial é saber como processar as informações e, com base nisso, tomar as decisões no momento adequado, se possível antecipando-se aos concorrentes. Portanto, a inovação é uma ambição de todos os atores desse novo cenário e, para obtê-la, cresce cada vez mais a importância da criatividade, definida por Charles “Chic” Thompson como “a capacidade de olhar para a mesma coisa que todos os outros, mas ver algo de diferente nela”.

E que fatores perdem importância com a globalização?

1) A mão-de-obra barata e a abundância dos recursos naturais como fatores de competitividade e atração de investimento direto estrangeiro: pelo menos dois aspectos merecem consideração especial a este respeito. O primeiro é que a teoria econômica tradicional, como observa o Prof. Antonio Corrêa de Lacerda, “sugeria que custos e produtividade comparativos de mão-de-obra, matéria-prima, energia e transportes determinavam as taxas de câmbio. A globalização fez com que, cada vez mais, taxas de câmbio determinassem de que modo se compara o custo da mão-de-obra de um país em relação a outro”. O segundo é o que foi identificado por Peter Drucker como “substituição do trabalho manual pela ciência e pelo capital”:

Quando Henry Ford introduziu a linha de montagem, em 1909, ele reduziu em aproximadamente 80%, em dois ou três anos, o número de horas/homem exigidas para produzir um automóvel – muito mais do que qualquer um espera que resulte até mesmo da mais completa robotização. Não há dúvida, porém, de que estamos diante de uma aceleração nova e drástica na substituição de trabalhadores manuais por máquinas – isto é, pelos produtos da ciência.

Com todos esses avanços, tem sido cada vez mais fácil produzir artificialmente, sem perda de qualidade e com preços significativamente mais baixos, substitutos para matérias-primas que, até algum tempo atrás, constituíam-se nos principais itens da pauta de exportações de uma série de países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento.

2) A auto-suficiência econômica como objetivo nacional e a integração vertical como estratégia empresarial: considerando, de um lado, o tempo e a distância deixando praticamente de se constituírem em obstáculos às transações internacionais, e, de outro, o elevado custo em P&D para se produzir em condições mínimas de qualidade e preço artigos cada vez mais sofisticados, torna-se verdadeiramente incompreensível imaginar um país que estabeleça como objetivo nacional a auto-suficiência econômica. A par disso, as mudanças apontadas no item anterior trouxeram, entre outras conseqüências, um nível muito mais alto de automação e integração entre as atividades de concepção, produção, gerenciamento e comercialização de produtos e serviços, exigindo, inevitavelmente, novas estratégias empresariais.

3) A noção de Estado Nacional soberano e o ativismo macroeconômico keynesiano: a formação de blocos econômicos exige que se repense o papel desempenhado pelos Estados Nacionais. Além disso, é preciso ressaltar que as transformações de ordem tecnológica e organizacional identificadas no item anterior interferiram significativamente nos padrões de competitividade em nível internacional. A propagação dessas novas bases tecnológicas só se viabilizou, porém, graças ao processo de desregulamentação e da progressiva redução das barreiras ao comércio internacional. Diante disso, questiona-se cada vez mais a capacidade dos Estados Nacionais de adotarem políticas compensatórias de forma eficiente.

Tais políticas compensatórias tiveram seu auge nas décadas de 60 e 70, quando a influência das idéias do economista britânico John Maynard Keynes foi tão ampla que se tornou comum o emprego da expressão “grande consenso keynesiano”. A caracterização, ascensão e declínio das políticas econômicas de inspiração keynesiana, porém, ficarão para outro artigo…

Para concluir, gostaria de assinalar que nesse novo cenário, no qual o papel do Estado ainda vem sendo amplamente discutido, uma coisa parece certa: haja o que houver, a sociedade não voltará jamais a aceitar um Estado inchado, ineficiente e perdulário como aquele que prevaleceu até que as mudanças tivessem ocorrido. Em seu lugar, haverá necessidade de um tipo de Estado de proporções muito mais reduzidas, com estruturas flexíveis e aptas a dar respostas aos anseios da sociedade, além de elevados padrões de eficiência. Em suma, um Estado capaz de garantir a provisão dos bens e serviços indispensáveis ao desenvolvimento da sociedade, sem ser, necessariamente, o provedor exclusivo desses bens e serviços, como bem observam Osborne & Gaebler no excelente livro Reinventando o Governo. Importante frisar que essa observação é válida para os três níveis de governo: federal, estadual e municipal.

 

 

Referências e indicações bibliográficas

DRUCKER, Peter F. As mudanças na economia mundial. In Política Externa, vol. 1, nº 3, dez.jan.fev. 92-93.

GIANNETTI DA FONSECA, Eduardo. Globalização, transição econômica e infra-estrutura no Brasil. Texto preparado para o Seminário “Competitividade na infra-estrutura para o Século XXI”, promovido pelo Instituto de Engenharia, São Paulo, realizado em 24/09/96.

HUTTON, Will e GIDDENS, Anthony. Global capitalism. New York, NY: New Press, 2001.

KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1982.

LACERDA, Antônio Corrêa de. O impacto da globalização na economia brasileira. São Paulo: Contexto, 1998.

NAISBITT, John. Paradoxo global: quanto maior a economia mundial, mais poderosos são os seus protagonistas menores: nações, empresas e indivíduos. Rio de Janeiro: Campus, 1994.

OSBORNE, David e GAEBLER, Ted. Reinventando o Governo. Brasília: MH Comunicação, 5ª edição, 1995.

THOMPSON, Charles “Chic”. Grande idéia! São Paulo: Saraiva, 1993.

 

Referências e indicações webgráficas

LUCCI, Elian Alabi. A educação no contexto da globalização. Disponível em http://www.hottopos.com/mirandum/globali.htm.

RICUPERO, Rubens. Uma economia onde o conhecimento é arma estratégica. Disponível em http://www.folhadirigida.com.br/professor/Cad02/EntRubensRicupero.html.

SILVA, Valdenildo Pedro da. A inovação em tempos de globalização: uma aproximação. Disponível em http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-170-33.htm.