Globalização IV
Internacionalização das empresas brasileiras
“Cada vez que o Brasil tira a cabeça fora d’água
e mostra que é competitivo, vem bomba.”
Marcus Vinícius Pratini de Moraes
Com este artigo encerro o breve ciclo que teve por tema a questão da globalização. E o foco deste artigo reflete bem mais um aspecto da globalização: a crescente interdependência que envolve o relacionamento econômico e financeiro das empresas que operam no mercado atual, cada vez mais seletivo e marcado pelo elevado grau de competitividade.
Ao iniciar esta série de artigos sobre a globalização afirmei que a internacionalização das empresas nacionais constitui-se no terceiro grande desafio que a economia brasileira é obrigada a enfrentar num curto espaço de tempo, antecedido, na última década do século XX, pelo duplo desafio de, num plano mais abrangente, a exemplo de todos os outros países, fazer a transição rumo a uma economia globalizada, e, num plano mais localizado, a transição da instabilidade para a estabilidade.
Analisando o desempenho do Brasil no que se refere aos dois primeiros desafios, parece-me razoável afirmar que o País conseguiu resultados positivos em ambos. Apesar das dificuldades e dos contratempos enfrentados, a economia brasileira passou por um processo de abertura e encontra-se hoje em condição muito distinta daquela observada até o fim da década de 80, quando apresentava claros sinais de uma autêntica autarquia, repleta de reservas de mercado e variadas formas de limitação da concorrência. Também no segundo desafio, o resultado mostra-se amplamente positivo. Se, em termos de crescimento médio o País esteve longe dos padrões históricos observados de 1870 a 1980 (que o colocam como um dos países de melhor desempenho em todo o mundo, segundo estudo do Prof. Angus Maddison), em termos de conquista da estabilidade conseguimos avançar consideravelmente, deixando para trás uma dura experiência de convivência com índices inflacionários alarmantes, que, em alguns anos, chegaram aos quatro dígitos.
No terceiro desafio, o de internacionalizar as nossas empresas, encontramo-nos ainda num estágio relativamente incipiente, ainda que algumas das empresas brasileiras que foram pioneiras nesse processo, como a Vale do Rio Doce, já tenham mais de três décadas de experiência no exterior. Porém, apesar de ainda nos encontrarmos numa fase incipiente, os primeiros indicadores são promissores, oferecendo-nos perspectivas muito favoráveis de repetirmos, nesse terceiro desafio, o mesmo bom desempenho verificado nos dois primeiros.
Como o tema é extenso e o espaço é curto, vou me limitar a algumas considerações que reputo mais relevantes a respeito do processo de internacionalização das empresas brasileiras.
A primeira consideração é de caráter histórico. Como bem observa o embaixador Rubens Ricupero,
…o fenômeno da internacionalização é recente, tendo seu início após o fim da Segunda Guerra Mundial. No entanto, o fenômeno ganhou fôlego, tornando-se mais disseminado, nas duas últimas décadas, quando se intensificou o chamado processo de globalização. No caso do Brasil este fenômeno é ainda mais recente, tendo se ampliado apenas depois da conquista da estabilidade, com a implementação do Plano Real. E o que vem ocorrendo é algo semelhante ao que se observou por ocasião da internacionalização das empresas européias, ou seja, iniciam adquirindo empresas nos Estados Unidos para, na seqüência, entrar em outros mercados. É o caso típico do segmento de suco de laranja. Antes de conquistar mercados em diversas partes do mundo, as empresas brasileiras de maior porte adquiriram empresas na Flórida, como é o caso da Cutrale, por exemplo.
A segunda consideração diz respeito à própria terminologia a ser empregada. Recorro, uma vez mais, à experiência do embaixador Ricupero que afirma:
Embora o termo multinacionais tenha se consagrado, a ONU tem optado há anos pela expansão das empresas transacionais, o que é muito mais lógico, uma vez que a expressão multinacional conduz à falsa idéia de que são empresas de diversos países. Na verdade, são empresas que possuem filiais em muitos países, mas que têm nacionalidade própria: o fato de operar em diversos países não faz da Nestlé uma empresa menos suíça, nem da GM ou da GE menos americanas.
A terceira consideração refere-se ao próprio significado do processo de internacionalização de uma empresa. Ao contrário do que muitos podem imaginar, esse processo não se resume simplesmente a uma empresa passar a exportar ou a ampliar o volume das suas exportações. Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha afirma que “internacionalizar-se não significa necessariamente instalar uma fábrica no exterior. É ter, pelo menos, uma base fora do País, uma posição no mercado internacional. Internacionalizar-se pressupõe o estabelecimento de, pelo menos, uma representação lá fora”.
Feitas essas considerações fundamentais, com que base me arrisco a dizer que as perspectivas são favoráveis e os primeiros resultados promissores?
Faço tais afirmações com base numa série de indicadores que mostram claramente que as empresas brasileiras vêm ampliando sua atuação nos últimos anos e conquistando espaços importantes no cenário econômico internacional. Dados da UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) indicam que os investimentos das empresas brasileiras no exterior, em 2004, bateram recorde. O fluxo de investimento direto estrangeiro no Brasil (IED) no ano passado pode ter se aproximado de US$ 10 bilhões, sendo a maior parte destes recursos destinada à América Latina, ao Caribe e aos Estados Unidos. E, como bem observa complementarmente Sherban Leonardo Cretoiu, da Fundação Dom Cabral, “houve mudança de foco do investidor brasileiro em relação aos seus investimentos no exterior. Parece haver migração de recursos antes destinados a portfólios financeiros para investimentos diretos”.
Algumas coisas podem ser já ditas com total certeza. A primeira é que a internacionalização das nossas empresas é não apenas necessária, como também inevitável. Todos os que se têm debruçado sobre o tema, dos embaixadores Ricupero e Barbosa aos especialistas Cretoiu e Lacerda, reconhecem que se trata de uma questão de sobrevivência. “Quem não fizer isso, vai acabar se expondo”, afirma Ricupero; “As empresas que não colocarem um pé lá fora enfrentarão tanta competição no mercado doméstico que dificilmente sobreviverão. Certamente serão adquiridas”, completa Barbosa.
A segunda é que o processo teve início e é irreversível. O número de empresas brasileiras com atuação no exterior tende a crescer aceleradamente, apesar das enormes dificuldades e obstáculos a serem enfrentados no percurso. Antônio Corrêa de Lacerda, ex-presidente da SOBEET (Sociedade Brasileira de Estudos das Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica), destaca, entre os fatores impeditivos ou geradores de obstáculos a um maior grau de internacionalização das nossas empresas: a) pouca ênfase dos cursos de economia e de administração à possibilidade de internacionalização; b) baixo valor agregado dos principais produtos exportados pelo Brasil; e c) falta ainda uma maior consolidação das marcas das empresas brasileiras no exterior.
A terceira é que o processo de internacionalização das nossas empresas apresenta múltiplas facetas e, segundo Ricupero, “o grande desafio ora enfrentado pelo Brasil é o de internacionalizar – com êxito – o setor de serviços, pelo que representa em termos de agregação de valor, de incorporação de inteligência ou, para usar uma expressão que está em voga, de tecnologia embarcada”.
A quarta é que os resultados já alcançados por algumas das nossas empresas que se lançaram pioneiramente nesse processo foram tão bons que acabaram despertando o interesse de outras nessa mesma direção. São os casos, por exemplo, da Vale do Rio Doce, da Gerdau, da Odebrecht e da Embraer. E, para que não fique a falsa impressão de que só empresas gigantes têm chances de obter sucesso lá fora, vale registrar o extraordinário êxito da Churrascaria Fogo de Chão, que possui hoje quatro casas no Brasil e cinco nos Estados Unidos, onde obtém cerca de aproximadamente 80% de seu faturamento, segundo depoimento de Arri Coser, um dos sócios da empresa, em recente palestra ministrada aos alunos de Relações Internacionais da FAAP.
A última certeza é de que, apesar dos bons resultados iniciais, ainda há muito a aprender, uma vez que na comparação com as grandes corporações internacionais, nossas empresas são ainda muito pequenas e muitas das práticas há muito consagradas lá fora não são sequer cogitadas no Brasil. Exemplo disso é a total ausência de estrangeiros na diretoria executiva e no conselho de administração das nossas empresas, prática comum nas gigantes do cenário empresarial internacional.
Encerro este artigo mencionando um projeto que vem sendo desenvolvido em parceria pela Fundação Dom Cabral, pela UNCTAD e pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, intitulado Global Players, no sentido de orientar, a partir dos ensinamentos obtidos com empresas pioneiras participantes do projeto, outras organizações que pretendem se internacionalizar. Os princípios básicos dessa comunidade de aprendizagem são:
- Compartilhamento das informações e práticas entre os parceiros. Conhecimentos e informações para fora do grupo somente com anuência expressa da(s) empresa(s) envolvida(s).
- Aplicação do conhecimento à situação concreta vivida pela empresa como indicador-chave de sucesso. (Não é um curso)
- Aprende-se tanto com os erros quanto com os acertos.
- Não há fórmula universal de sucesso em internacionalização.
- Atitude de abertura com relação ao novo e diferente.
- Equilíbrio entre as necessidades específicas de cada empresa e o “timing” do grupo.
Vivemos, como se pode observar, num novo tempo. Diferente daquele em que só nos lembrávamos das empresas multinacionais (ou transnacionais) para reclamar da exploração a que estávamos submetidos ao comer um Big Mac ou vestir uma roupa da Benetton. Será que levará muito tempo para que essa mesma impressão seja sentida por habitantes de outras paragens diante da irresistível escalada das marcas de produtos e serviços brasileiros?
Referências e indicações bibliográficas
GOUVÊA, Raul e SOUZA SANTOS, Tharcisio Bierrenbach de. Uma estratégia de internacionalização: as multinacionais brasileiras. Revista de Economia & Relações Internacionais. São Paulo: Fundação Armando Alvares Penteado, volume 3, número 5, julho de 2004, pp. 75 – 94.
LACERDA, Antônio Corrêa de. O impacto da globalização na economia brasileira. São Paulo: Contexto, 1998.
___________________. Desnacionalização: mitos, riscos e desafios. São Paulo: Contexto, 2000.
MADDISON, Angus. Desempenho da economia mundial desde 1870, em GALL, Norman et al. Nova era da economia mundial. São Paulo: Pioneira/Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, 1989.
SEMANA DE RI analisa a internacionalização das empresas brasileiras. Qualimetria. São Paulo: Fundação Armando Alvares Penteado, Nº 165, maio de 2005, pp. 34 – 42.
SAUVANT, Karl P. New sources of FDI: the BRICs. Outward FDI from Brazil, Russia, India and China. Texto preparado para o Seminário “Global Players from Emerging Markets: Brazil”, organizado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, pela UNCTAD e pela Fundação Dom Cabral e realizado em São Paulo, no dia 30 de maio de 2005.
Referências e indicações webgráficas
http://www.fdc.org.br/pt/parcerias_empresariais/dinamica.asp?CodParceria=6&CodMenu=187.
http://www.aduaneiras.com.br/integracao/default.asp?noticia_id=199&edicao_id=55&edicao_numero=11.
FRANCO, Gustavo. Investimento direto estrangeiro (IDE) no Brasil: passivo externo ou ativo estratégico? Disponível em http://www.econ.puc-rio.br/gfranco/Sobeet-IDEno_Brasil.htm.
Investimento brasileiro no exterior é recorde – Pesquisa da UNCTAD mostra internacionalização de algumas empresas, mas volume ainda é relativamente baixo. Disponível em http://www.promoinveste.com.br/Members/aokubo/noticias/unctad-09-12-2004/view.
MOREIRA, Beth. Internacionalização garante vantagens para siderúrgicas brasileiras. Disponível em http://www.aesetorial.com.br/ext/cadernos/mineracao/tendencias16.htm.
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