O tempo e a economia II

 

Economia não é futurologia: cuidado com as previsões

 

“O que prevemos raramente ocorre; o que”.

menos esperamos geralmente acontece.”

Benjamin Disraeli

 

 

Final de ano. É tempo de reuniões de confraternização de todo tipo: dos amigos do trabalho, do clube, da patota do bairro, da entidade de classe e por aí vai. Multiplicam-se os happy hours e os amigos secretos. Também é tempo de dar e receber presentes, de shoppings lotados, de correria para as compras de última hora. O futebol entra em recesso e o noticiário esportivo concentra-se no esforço dos clubes por novas contratações. Craques consagrados, jovens promessas e até cabeças de bagre (por que não?) trocam de camisa, alguns conseguindo a tão sonhada independência financeira.

É hora também de previsões. Muitas previsões. Todos os veículos da mídia são inundados de previsões: sobre o próximo presidente da República; sobre o destino dos deputados que irão a julgamento por envolvimento nos escândalos dos bingos, dos correios e do valerioduto; sobre as possibilidades da seleção brasileira na Copa da Alemanha. E muitas, mas muitas mesmo, sobre as perspectivas da economia: quanto o País vai crescer? qual será a inflação? o dólar vai se recuperar ou o real é que permanecerá valorizado? qual será o comportamento das nossas exportações? os impostos prosseguirão na sua interminável trajetória ascendente?

Não faltam previsões dessa natureza. Em decorrência disso, é evidente que alguns economistas são muito assediados pela imprensa nesse período, com uma freqüência bem maior do que já o são, costumeiramente, para fazer tais tipos de previsão.

O fenômeno, a rigor, não ocorre só no Brasil. O trecho que se segue, do brilhante Prof. John Kenneth Galbraith, reflete bem a preocupação com que ele via a proliferação dessa prática nos Estados Unidos ao longo da década de 1980:

Todos haverão de concordar que a economia, da maneira como é praticada, preocupa-se obsessivamente com o futuro. A cada mês nos Estados Unidos, homens e mulheres reputadamente cultos e inteligentes espalham-se pela nação para apresentarem suas opiniões sobre as perspectivas econômicas, e também sobre o panorama político e social. Milhares lhes darão ouvidos. Os administradores e suas empresas pagarão caro pelo privilégio de conhecerem estas visões e, se forem sábios, tratarão os conhecimentos assim adquiridos com inteligente descrença. A qualificação mais comum dos prognosticadores econômicos não é o saber, mas sim o não saberem que nada sabem. Seu maior trunfo é que todas as previsões, certas ou erradas, são logo esquecidas. Há por demais delas e, se o lapso de tempo for suficiente, não só a memória do que foi dito terá desaparecido, como também um número apreciável daqueles que fizeram ou ouviram tais prognósticos. Como observou Keynes, “A longo prazo estaremos todos mortos”.

Como bem observa Galbraith, parcela considerável dessas previsões não acerta o alvo. Aliás, algumas passam bem longe dele. O que não deveria ser motivo de espanto. Afinal, a economia, ao contrário de outras áreas do conhecimento, não se alinha entre as chamadas ciências exatas. Por mais que a teoria econômica tenha avançado, notadamente no que se refere ao uso de modelos econométricos cada vez mais complexos – o que se torna possível em razão da utilização  de computadores mais e mais potentes – não se deve jamais esquecer que a economia é o estudo das tomadas de decisão do ser humano na sua incessante tentativa de compatibilizar recursos finitos com necessidades ilimitadas.

Portanto, imaginar a economia como uma ciência exata, capaz de fazer previsões com precisão absoluta é e continuará sendo uma utopia. O aperfeiçoamento nesse ramo da teoria econômica foi extraordinário nos últimos 20 ou 30 anos. Robert Lucas, ganhador do Prêmio Nobel em 1995, revolucionou a macroeconomia com a adoção da hipótese das expectativas racionais. Isso, no entanto, não significou o desaparecimento da possibilidade de erro nas previsões. Permitiu, sim, a redução da margem de erro. E, mais do que isso, permitiu que o tipo de erro cometido nas previsões mudasse de sistemáticos, com tendência de serem crescentes à medida que os prazos fossem maiores, passassem a ser aleatórios, com chance de contínuas revisões, o que permite que apresentem resultados bem mais próximos da realidade.

Diante disso, é bom ficar atento às múltiplas previsões que estarão aparecendo nessa época natalina. Não dê as costas a elas, mas mantenha sempre um pé atrás.

Faz parte da natureza humana tentar prever o futuro, antecipar-se a ele e, se possível, tirar vantagem disso. Quem já não sonhou com a possibilidade de adivinhar na véspera os números que serão sorteados na Sena acumulada? Ou com as barbadas que vingarão nos páreos do próximo fim de semana no Jockey Club? Ou com os números em que a bolinha da roleta vai caprichosamente estacionar nos cassinos de Lãs Vegas ou no charmoso Principado de Mônaco? Ou ainda na mais oficial das práticas marginais do Brasil, a “fezinha” no jogo do bicho.

Por isso, é natural que os agentes econômicos – sejam pessoas físicas, sejam pessoas jurídicas – queiram saber com antecedência o que vai acontecer com a economia para se antecipar aos concorrentes e, assim, obter alguma vantagem competitiva, algo mais do que desejável no disputadíssimo mundo globalizado.

Cuidado, porém, caros internautas, com o que vão encontrar por aí. A exemplo do que ocorre em qualquer campo, há entre os economistas um enorme contingente de gente séria e responsável, mas também oportunistas e picaretas que se propõem a oferecer coisas que a teoria econômica é incapaz de fazer, como, por exemplo, afirmar com 100% de certeza qual será a inflação do Brasil no ano seguinte chegando ao requinte de apontar o resultado até o segundo dígito depois da vírgula…

Eduardo Giannetti da Fonseca, num artigo intitulado Por que a economia não é a física? foi muito feliz para explicar esse limite da economia. O que não deve ser visto como um demérito. Nem ser entendido como se a teoria não viesse evoluindo. Da mesma forma do que ocorre com a meteorologia, as previsões vêm evoluindo bastante, e o grau de acerto tem crescido significativamente. Daí a dizer que é possível fazer previsão com precisão absoluta vai uma distância enorme.

A falta de consciência desse limite por parte de alguns maus economistas foi, sem dúvida, um dos fatores que contribuíram para que a imagem da profissão tivesse sofrido um forte abalo, muito bem retratado numa matéria da revista Exame cuja chamada de capa era Por que os economistas erram tanto?, estampada sobre a figura de um cego que necessitava de um cão guia para se orientar.

Felizmente, parece que o pior já passou e a profissão voltou a recuperar parte do seu prestígio. Ótimos profissionais são requisitados para traçar cenários, que servirão de base para as tomadas de decisão de empresários e altos executivos, e o fazem de forma sensata e responsável, dentro dos limites de uma ciência que é, acima de tudo, uma ciência humana e social, e na qual é inevitável algum grau de subjetividade. Isso, porém, já seria assunto para outro(s) artigo(s).

 

 

Referências e indicações bibliográficas

ARAÚJO, Aloísio P. Revolução na teoria. Gazeta Mercantil, 11 e 12/10/95. Reproduzido em Robert Lucas: O Prêmio Nobel que todos aguardavam. São Paulo: Instituto Liberal, Série Idéias Liberais, Ano III, Nº 38, 1995.

DELFIM NETTO, Antonio. Lucas, o Nobel. Folha de S. Paulo, 18/10/95 Reproduzido em Robert Lucas: O Prêmio Nobel que todos aguardavam. São Paulo: Instituto Liberal, Série Idéias Liberais, Ano III, Nº 38, 1995.

GALBRAITH, John Kenneth. Pensamento econômico em perspectiva: uma história crítica. São Paulo: Pioneira, 1989.

GIANNETTI DA FONSECA, Eduardo. Por que a economia não é a física? Folha de S. Paulo, 06/11/94. Reproduzido em As partes & o todo. São Paulo: Siciliano, 1995, pp. 132 – 134.

______________ O desejo de colher o que os outros plantaram. Folha de S. Paulo, 07/11/93. Reproduzido em As partes & o todo. São Paulo: Siciliano, 1995, pp. 30 – 32.

KALETSKY, Anatole. Agora, o mundo precisa é de economistas. Publicado no The Times e reproduzido por O Estado de S. Paulo, 30/03/2002, p. B6.

LAHÓZ, André. Por que eles erram tanto? Exame, Edição 659, Ano 31, N° 8, 8/abril/98, pp. 104 – 111.

AS EXPECTATIVAS e a realidade. Publicado porThe Economiste reproduzido pelaGazeta Mercantil.

 

Referências e indicações webgráficas

MACHADO, Luiz Alberto. Altos e baixos nos 50 anos da profissão de economista no Brasil. Trabalho apresentado no IV Encontro de Economistas de Língua Portuguesa. Disponível em http://raceadmv3.nuca.ie.ufrj.br/buscarace/Docs/machado7.doc.

DIPLOMA de economia torna-se objeto de cobiça para estudantes ao redor do mundo.Matéria publicada pelo Wall Street Journal, repercutida pelo O Estado de S. Paulo, na edição de 05.04.2005, e pelo jornal O Economista, publicação do Conselho Regional de Economia, 2ª Região, nº 192, julho de 2005. Disponível em http://www.coreconsp.org.br/jornal/jornal192.pdf.