2º mandamento para um bom governo
Criarás um verdadeiro Estado de Direito
“Todas as regras que se aplicam em igualdade de condições”.
a todos, incluindo a aqueles que governam, são as que
tornam improvável que se adote alguma regra opressiva”.
F. A. Hayek
O Estado de Direito (e não apenas o princípio da legalidade) é o contexto que torna viável a cooperação social pacífica e livre. Não se pode pensar em Estado Democrático, de acordo com o Prof. José Eduardo Faria , sem que se idealize um conjunto de instituições mais ou menos duradouras que criem as condições de defesa das liberdades. É por isso que o Estado de Direito é definido como o estado onde as leis pairam soberanas sobre os interesses individuais.
Dois são os padrões essenciais que configuram o Estado de Direito: o princípio da legalidade e o princípio da legitimidade jurídica. Alguns juristas, entre os quais o Prof. Ney Prado, consideram ainda um terceiro princípio, o da licitude. Portanto, além de atenderem ao princípio da legalidade e de serem legítimas, as normas precisam também ser lícitas. No presente artigo serão examinados apenas os dois primeiros princípios.
1) O princípio da legalidade é o aspecto formal do Estado de Direito. Diz respeito ao conjunto hierarquizado de normas jurídicas que organiza politicamente a vida em sociedade. A lei maior, a Constituição, traça os parâmetros do sistema jurídico-político. É através da existência de um conjunto de leis gerais que é possível o exercício do poder sem transformá-lo num mero instrumento pessoal dos que o exercem. Toda vez que o poder, na utilização de sua expressão incontrastável que é a força, utiliza-se desta, no sentido de mudar a ordem jurídica, estabelece-se um caso típico de ruptura com o Estado de Direito, penetrando a referida sociedade, mercê do arbítrio, em formas não democráticas de exercício do poder, tais como o autoritarismo, o totalitarismo etc.
Outro ponto de grande relevância na definição do princípio da legalidade refere-se à necessidade da independência do Judiciário. Não é mera ficção política a idéia da harmonia e independência dos poderes. De nada adianta existir um Executivo eficiente, um Legislativo em funcionamento pleno, se o Judiciário, o poder que teria as condições de resolver as querelas e pendências da dinâmica da vida em sociedade, está material ou politicamente subordinado a interesses outros que não o ideal de justiça.
2) O princípio de legitimidade é o aspecto substantivo do Estado de Direito. Ao contrário do que afirmam certos positivistas jurídicos, a legitimidade de uma norma não decorre da legalidade da mesma. Existem normas que não são legítimas. Assim sendo, não basta à lei, que ela seja formalmente perfeita, impessoal, oriunda de autoridade competente e inserida no ordenamento jurídico-político para que ela seja, por isso legítima. É exatamente por isso que a legitimidade constitui-se no aspecto substantivo do Estado de Direito, ao passo que a legalidade constitui-se em seu aspecto adjetivo.
A questão da legitimidade jurídica, por sua vez, compreende dois aspectos essenciais:
a) Legitimidade consensual: é legítima uma ordem jurídico-política que é reconhecida pela sociedade, e aceita independentemente do uso da força (coação). Isto não quer dizer que o uso da força, que garante a eficácia das normas, seja totalmente abandonado. O problema está na utilização sistemática da força. Assim, é ilegítima uma ordem jurídico-política que necessita, para sua manutenção, de demonstrações constantes de força.
b) Legitimidade ética: Alguns autores reconhecem apenas a legitimidade no plano consensual. Para estes, só não é legitima a ordem jurídica que não é aceita pela sociedade. Não se questionam estes, sobre a pré-existência de valores fundamentais do ser humano, colocados anteriormente à ordem jurídica posta pela sociedade. Outros, porém, reconhecem valores anteriores à própria ordem jurídica (jus naturalistas), valores éticos, cuja ordem jurídica deve respeitar integralmente para ser legitimada.
Feitas essas considerações de caráter mais teórico, ao observar o dia-a-dia das diferentes sociedades, é necessário prestar atenção a duas características fundamentais identificadoras do Estado de Direito: as leis são gerais e abstratas, e ninguém está acima da Lei. Dito de outra forma, todos somos iguais perante a Lei.
O Estado garante os direitos à vida, à liberdade e à propriedade, administrando as forças de segurança e implementando justiça. Todos os cidadãos precisam ter a certeza de que os atos indevidos serão julgados e condenados e de que os direitos individuais serão respeitados. Não haverá crescimento econômico até que não se acabe com a insegurança, a criminalidade e a tomada da justiça pelas próprias mãos. Em seu mais recente livro, o ex-ministro Maílson da Nóbrega enfatiza esse aspecto afirmando: “Como administrador da Justiça, o Estado é a instituição com a função de manter o equilíbrio entre as partes desiguais que constituem o corpo social”.
Então, qualquer novo governo deve considerar, entre suas principais prioridades, o fortalecimento do sistema de justiça, a prontidão e a certeza na resolução dos processos judiciais, a eficiência da Polícia e, acima de tudo, a congruência e a generalidade da legislação.
Obviamente, o que temos observado no Brasil nos últimos meses, é a antítese de tudo isso. Como bem observa o Prof. Ubiratan Iório em seu artigo desta semana do Jornal do Brasil, contestando a (des)informação corrente em nossos meios de comunicação de que estaria chegando ao fim a era do liberalismo – ou, ainda mais impróprio, do neoliberalismo – na América Latina, a ausência de um verdadeiro Estado de Direito é um dos elementos mais veementes que provam que o que temos no Brasil e em diversos outros países latino-americanos está muito distante daquilo que é preconizado pelo liberalismo. Encerro, reproduzindo um trecho do referido artigo do Prof. Iório, no qual ele faz um comentário específico sobre o tema aqui abordado:
De importância equivalente à economia de mercado, [é essencial para o liberalismo] um verdadeiro Estado de Direito, sem privilégios, sem politização do Judiciário e calcado em normas de justa conduta simples, gerais, prospectivas e iguais para todos; ora até um jabuti sabe que existe um mar de privilégios, que a Justiça vem se politizando de forma crescente, que nossa constituição “cidadã” já nasceu anacrônica e que um caseiro não é tratado da mesma maneira que um presidente do Sebrae ou um ex-presidente da Câmara e colegas de traquinagens com “recursos não contabilizados”, absolvidos vergonhosamente por seus pares.
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