Grandes Economistas

 

Karl Marx e a contestação do capitalismo

 karl-marx

“A história de todas as sociedades que já existiram

é a história da luta de classes. Homem livre e escravo,

patrício e plebeu, senhor e servo, chefe de corporação e

assalariado; resumindo, opressor e oprimido estiveram

em constante oposição um ao outro, mantiveram sem

interrupção uma luta por vezes aberta – uma luta que

todas as vezes terminou com uma transformação

revolucionária ou com a ruína das classes em disputa.”

Karl Marx e Friedrich Engels – “O Manifesto Comunista”

 

Karl Heinrich Marx nasceu no dia 5 de maio de 1818 em Trier (ou Tréves, segundo os franceses), na região da Renânia, então província da Prússia. A família Marx pertencia à classe média de origem judaica. Seu pai, Hirschel, era advogado e conselheiro de justiça. Sua mãe, Enriqueta Pressburg, apesar de descendente de rabinos, não exerceu sobre o filho a forte doutrinação, habitual nas famílias israelitas, e não teve nenhuma influência intelectual sobre sua formação. Marx casou-se com Jenny von Westphalen, sua amiga de infância, com quem teve seis filhos, dos quais apenas três atingiram a vida adulta. Morreu em Londres, no dia 14 de março de 1883, antes da publicação dos dois últimos volumes de sua grande obra, O Capital, que só foram publicados em 1885 (o segundo) e 1894 (o terceiro), ambos elaborados por Engels, a partir dos manuscritos deixados por Marx.

 

1. Uma vida atribulada e marcada por sucessivas dificuldades

Depois de concluir o curso secundário em sua cidade natal, Marx matriculou-se na Universidade de Bonn, com o objetivo de estudar jurisprudência. Sobre essa fase, assim se pronuncia o Prof. José Arthur Giannotti:

Não foram, porém, tempos de muito estudo e trabalho. O jovem Marx descobriu a vida boêmia do estudante romântico, esbanjou dinheiro (ao menos no entender de seu pai) e escreveu versos apaixonados à sua amiga de infância, Jenny von Westphalen. No verão de 1836, voltando de Bonn, ficou noivo dessa jovem de rara beleza e alta posição social. Esse casamento desigual, segundo o comentário de todos, encontrou a mais obstinada oposição de ambas as famílias, e só pôde realizar-se oito anos mais tarde.

Cito essa passagem o Prof. Giannotti extraída da breve introdução sobre a vida e a obra de Marx contida na coleção Os Pensadores, pois acredito que ela reflete uma faceta importante da personalidade de Marx, revelada ao longo de toda a sua vida: a entrega plena e o envolvimento total com aquilo que acredita. Assim foi na vida pessoal, sendo extremamente amoroso com a mulher e os filhos (ainda que ausente a maior parte do tempo), no exercício da profissão de jornalista, no seu trabalho como escritor e, como não poderia deixar de ser, na defesa das idéias em que acreditava.

Para ilustrar o carinho por sua mulher, reproduzo outro trecho da apresentação do Prof. Giannotti, coma reprodução de uma carta que ele escreveu a Jenny m 1865, de Trier, onde se encontrava por causa da morte de sua mãe:

Todos os dias fui em peregrinação à velha casa dos Westphalen, na rua dos Romanos, que me interessou mais do que todas as antiguidades romanas, porque me lembrou os tempos felizes de minha juventude, quando ela encerrava meu tesouro mais caro. Além disso, todo o dia e por quase toda parte, me pedem notícias daquela que era então a mais bela jovem de Trier e a rainha dos bailes. É diabolicamente agradável para um homem ver que sua mulher continua a viver assim como uma princesa encantada no espírito de toda uma cidade.

Marx não concluiu seu curso em Bonn, mas, para cumprir o desejo de seu pai, que exigia que ele terminasse seus estudos antes do casamento, matriculou-se, em julho de 1836, na Universidade de Berlim. Lá, afastou-se cada vez mais do Direito, interessando-se enormemente pela História e pela Filosofia, área em que a influência intelectual de Hegel era extremamente forte. Hegel havia morrido pouco antes, mas seu pensamento era dominante na Berlim da época e sua filosofia se convertera numa espécie de ideologia oficial. Marx se viu fortemente atraído por esse clima intelectual, embora discordasse frontalmente do idealismo de Hegel, razão pela qual ao incorporar a dialética hegeliana ao modelo teórico que viria a construir mais tarde, adaptou-a ao materialismo histórico. Nesse sentido, na visão da dialética de Hegel, as mudanças ocorrem primeiro no plano das idéias (ou espiritual), estendendo-se depois para o plano material. Na visão de Marx, ao contrário, as transformações se dão primeiro no plano material (ou econômico), estendendo-se depois ao plano ideológico.

Marx permaneceu em Berlim até 1841, participando ativamente das discussões e dos trabalhos dos intelectuais que foram rotulados por alguns historiadores como grupo de Berlim.De volta a Trier, Marx passa por uma fase de indefinição, durante a qual chega a sonhar com uma carreira universitária, doutorando-se pela Universidade de Iena. Logo, porém, abandona a idéia e resolve se dedicar ao jornalismo, já então tendo se mudado para Colônia, que assim como Trier, também fica na Renânia. Iniciava-se assim uma vasta sucessão de viagens e mudanças, nem todas por vontade própria, que seria uma outra característica marcante da vida de Marx. Na condição de jornalista, contribui com algumas publicações (jornais e revistas), quase todas consideradas radicais. No jornal Rheinische Zeitung, onde trabalhou por mais tempo, logo se tornou um sucesso, o que, segundo Galbraith, não é motivo de surpresa, ma vez que “ele era inteligente, talentoso e extremamente dedicado e, de certa forma, representava uma voz de moderação”.

Sob a direção de Marx o Rheinische Zeitung aumentou a circulação e a sua influência se estendeu a outros Estados germânicos, “provocando cada vez mais a atenção dos censores, que todas as noites reviam as provas antes de irem para a impressão”. Sendo assim, não causa surpresa o fato de o jornal ter sido fechado pelo governo em março de 1843.

Marx, então, vencendo a oposição dos pais, casou-se e partiu para a França, onde foi um dos diretores (os outros foram Ruge e Heine) dos Anais-Franco-Alemães. Estes, porém, não foram além do primeiro número, publicado em fevereiro de 1844. Nesse único número dos Anais Franco-Alemães, entretanto, foi publicado um artigo de Friedrich Engels, Esboço de uma Crítica da economia Política, o que acabaria sendo decisivo para o futuro da vida de Marx.

Marx estava a essa altura ainda mais desiludido com as idéias hegelianas, de tal forma que a aproximação com Engels foi mais do que natural. Nas palavras do Prof. Giannotti:

A coincidência de perspectivas e de resultados conduziu Marx e Engels a um trabalho comum. O primeiro desses trabalhos, A Sagrada Família, cujo subtítulo é Crítica de uma Crítica Crítica, analisa as conseqüências políticas do neo-hegelianismo. É uma polêmica feroz contra Bruno Bauer e seus irmãos Edgard e Egbert, os quais, como editores da Gazeta Geral Literária, publicada em Charlottemburgo preconizavam uma política liberal “elitista”, como se diria atualmente. Em lugar do isolamento do Espírito diante das massas, Marx e Engels preconizavam um amplo entrosamento da teoria com os proletários, pois, diziam, nada é mais ridículo do que uma idéia isolada de interesses concretos.

Antes mesmo da publicação do livro, Marx foi expulso da França, em fevereiro de 1845, tendo que se refugiar em Bruxelas, onde redigiu, junto com Engels, a Ideologia Alemã, um balanço de suas próprias consciências filosóficas, no qual levantam uma série de questões com relação ao pensamento de Feuerbach: “Tomar a essência genérica do homem como ponto de partida da história não é aceitar uma concepção muito particular do homem isolado, tal como o vê o pensamento burguês? Essa essência genérica não se resolve no conjunto das relações sociais em que cada pessoa se insere?”. A despeito de seu interesse, a Ideologia Alemã não encontrou editor e ficou abandonada. Mas, segundo o Prof. Giannotti, “o principal objetivo, uma visão mais clara dos problemas levantados, tinha sido alcançado”.

Em Bruxelas, Marx escreveu A Miséria da Filosofia, em 1846/47, um contraponto à Filosofia da Miséria, de Proudhon, publicado pouco antes. Continuou, também, a se dedicar à política, num ambiente, diga-se de passagem, bastante propício, uma vez que diversas convulsões sociais estavam ocorrendo na Europa, a ponto de Galbraith afirmar que 1848 pode ser chamado de “o ano das revoluções”.

Marx havia começado a participar da recém fundada Liga dos Comunistas, que para ele significava a primeira tentativa de superar a contradição entre uma organização internacional e os agrupamentos nacionais em que se aglutinavam os operários. E foi para o segundo congresso da Liga, realizado neste conturbado ano de 1848, que, novamente junto com Engels, Marx escreve o célebre Manifesto Comunista, talvez o mais bem sucedido panfleto político de toda a história. Como bem observa o Prof. Giannotti,

o Manifesto Comunista insiste na necessidade de substituir o programa contra a propriedade privada em geral pelo projeto da apropriação coletiva dos meios de produção, atingindo, pois, pela raiz, tanto o funcionamento do modo de produção capitalista, quanto a fonte da alienação do homem que vive numa sociedade desse tipo.

É do Manifesto Comunista uma das citações mais reproduzidas de todos os tempos:

Os comunistas não procuram ocultar seus pontos de vista ou objetivos. Declaram abertamente que suas metas só podem ser atingidas pela derrocada à força de todas as condições sociais existentes. Deixem que as classes governantes tremam de medo diante de uma revolução comunista. Os proletários não têm nada a perder, a não ser seus grilhões. E têm tudo a ganhar. Trabalhadores de todos os países, uni-vos!

Tamanha atividade, porém, não passou despercebida pelas autoridades. O rei Leopoldo da Bélgica, diante de tal agitação, houve por bem dissolver todo tipo de associação operária e perseguir os exilados que haviam fixado residência no país. Marx e sua mulher, depois de serem duramente tratados, acabaram sendo expulsos. Como isso já era esperado, Marx havia combinado com os emigrados alemães que deveria retornar a Paris para dar continuidade aos planos traçados. A Liga, porém, não resistiu ao próprio crescimento da onda revolucionária a acabou se dissolvendo. Diante disso, Marx foi novamente para Colônia, onde ressuscitou o Rheinische Zeitung, que agora passava a se chamar Neue Rheinische Zeitung. Por meio dele, defendia a aliança do proletariado e dos camponeses com a burguesia, numa soma de esforços visando a liquidação dos restos do Antigo Regime, ainda vigentes na Alemanha. Não foi, no entanto, o que aconteceu. A vitória de seus adversários obrigou Marx a, uma vez mais, buscar o exílio. A esta altura, porém, as condições financeiras da família estavam debilitadíssimas, uma vez que até a herança que ele acabara de receber havia sido gasta na abertura do jornal. Pobre como nunca, depois de uma rápida passada por Paris, cruzou o Canal da Mancha em 24 de agosto de 1849 e fixou-se definitivamente em Londres. Seria a sua última mudança; ficou na capital inglesa o resto de sua vida.

Com a ajuda financeira de Engels e um rendimento proveniente do New York Tribune, Marx procurou recomeçar a vida e retomar seus planos em Londres. Os primeiros anos, entretanto, foram muito difíceis, durante os quais a família de Marx teve que mudar de endereço várias vezes, o que sua esposa Jenny, pelo que se sabe, aceitou com infinita resignação.

Inicialmente, aproveitando a recesso político que se seguiu à extrema agitação do final da década de 1840, Marx escreveu, em 1852, O 18 Brumário de Luís Bonaparte, no qual analisa o golpe de Estado de Napoleão III. Era também uma forma de tentar ganhar algum dinheiro, diante das privações que sua família estava enfrentando. Mas não foi fácil editar O 18 Brumário, o que só acabou ocorrendo em Nova York, quando um emigrado alemão ofereceu suas economias, uns 40 dólares, a um amigo e colaborador de Marx, Weydemeyer, que no Novo Mundo continuava sua propaganda política.

Depois disso, Marx resolveu retomar os trabalhos de Economia e se impôs uma disciplina rígida, chegando todos os dias ao Museu Britânico às 9 horas, para só de lá sair por volta das 19 horas, continuando, não raras vezes, o trabalho madrugada adentro. Depois de anos de muito esforço, concluiu, em 1859, a redação do texto de Para a Crítica da Economia Política. Por conta, porém, de sua difícil situação econômica, o manuscrito teve que esperar alguns dias para ser enviado ao editor, na Alemanha, porque faltava dinheiro para os selos. A respeito dessa situação, numa carta a Engels, Marx fez um interessante comentário:

Seguramente é a primeira vez que alguém escreve sobre o dinheiro com tanta falta dele. A maioria dos autores que escreveram sobre esse tema estava numa magnífica harmonia com o objeto de suas investigações.

O livro, porém, não teve quase nenhuma repercussão. Apesar disso, Marx continuou trabalhando com afinco, naquela que foi provavelmente sua fase mais produtiva e que resultou na publicação do primeiro volume de sua obra magna, O Capital, em 1867 (os outros dois só foram publicados após a sua morte).

Afora seu trabalho como escritor, vale destacar ainda as atividades políticas desenvolvidas por Marx durante sua permanência em Londres. Talvez a mais importante delas tenha sido o tempo precioso empregado por ele nos trabalhos de organização de um projeto no qual ele depositava grande confiança, e que continham as fundações da revolução que ele esperava e que, segundo Galbraith, vez por outra acreditava estar iminente:

O instrumento da revolução seria uma organização que uniria, num propósito comum, a ação dos trabalhadores de todos os países industrializados – os proletários que, como Marx ardentemente afiançava, não tinham pátria. Conhecida hoje como Primeira Internacional Socialista, essa organização nasceu em Londres, numa grande assembléia de trabalhadores realizada no Saint Martin’s Hall, no dia 28 de setembro de 1864. Foi eleito um conselho diretivo, do qual Marx era o secretário geral.

Apesar das nobres intenções, a história revelou que o futuro da Internacional foi muito diferente do que pretendiam seus criadores, o que foi reconhecido pouco tempo depois pelo próprio Marx, numa carta a Bolts em novembro de 1971, quando essa associação já entrava em seu ocaso:

A Internacional foi fundada para substituir as seitas socialistas ou semi-socialistas por uma organização efetiva da classe operária que a levasse à luta. Os estatutos primitivos, assim como a alocução inaugural, mostram-no desde o primeiro instante. Além disso, a Internacional não poderia afirmar-se se a marcha da História já não tivesse despedaçado o regime de seitas.  O desenvolvimento das seitas socialistas e o movimento operário real mantêm uma relação inversa constante. Enquanto tais seitas se justificam, a classe operária não está madura para um movimento autônomo. Tão logo atinja essa maturidade, todas as seitas se tornam reacionárias por essências. No entanto, na história da Internacional repete-se o que a história mostra em toda parte: o que envelheceu procura reconstruir-se e manter-se no próprio interior da forma recém adquirida. E a história da Internacional foi uma luta contínua do Conselho Geral contra essas seitas e tentativas amadorísticas que, no quadro da Internacional, procuravam se afirmar contra o movimento real da classe operária.

Entre essas “seitas reacionárias”, Marx cita os proudhonianos franceses, os lassallianos alemães e a Aliança Democrática Socialista, de Bakunin (1814-1876), de tendência anarquista. A Primeira Internacional, já profundamente enfraquecida pelas disputas intestinas, foi declarada fora da lei por Bismarck e logo a seguir pela Terceira República. Sua sede transferiu-se para a Filadélfia, segundo Galbraith, “um lugar pouco adequado à conscientização da agitação de classes; e aí, alguns anos mais tarde, expirou. Em 1889, como união dos partidos trabalhistas e sindicatos de classe, ela ressurgiu – a Segunda Internacional. Marx não viveu para ver isso acontecer”.

Viveu porém para testemunhar ainda alguns momentos importantes da luta revolucionária à qual dedicou praticamente toda a sua vida, o mais significativo dos quais ficou conhecido como “A Comuna de Paris”, que teve lugar em 1871. Foi, segundo Galbraith, “a primeira revolução que usaria, com seriedade, embora de maneira inexata, a palavra raiz de “comunismo”. E seria a única que Marx presenciaria”.

Marx viveu mais doze anos após a revolta de Paris, ao longo dos quais deu continuidade à sua obra, procurando ser, segundo Galbraith, “o juiz supremo, embora não inconteste, do que era considerado certo e errado no pensamento socialista”. Foi em conseqüência de um desses seus julgamentos que surgiu uma de suas mais eloqüentes frases. Vale a pena reproduzir mais um trecho de Galbraith a esse respeito:

Nos anos que se seguiram à Guerra Franco-Prussiana, a classe trabalhista na Alemanha viu sua força política aumentar rapidamente. Uma vez mais, a conseqüência de uma guerra. Não apenas u mas dois partidos trabalhistas surgiram, e em 1875 eles se reuniram em Gotha, na Alemanha central, para fundir-se e concordar num programa comum. O resultado foi extremamente desagradável para Marx: o programa colidia profundamente com os princípios marxistas, e mais uma vez a reforma substituía a revolução. A sua Crítica do Programa de Gotha afirmava, entre outras coisas, que depois de os trabalhadores terem assumido o poder, a cicatriz dos hábitos e do pensamento capitalistas teria que desaparecer primeiro. Só então viria o grande dia em que a sociedade “inscreveria em suas bandeiras: de cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo suas necessidades!” É possível que estas últimas quatorze palavras tenham arrebatado para as fileiras marxistas mais seguidores do que as centenas de milhares que Marx escreveu em seus três volumes de O Capital.

Seus últimos anos foram bastante desfavoráveis. Além da saúde abalada, em grande parte graças à vida atribulada, às noites mal dormidas, ao fumo e à bebida, Marx viu sua esposa, Jenny, contrair câncer em 1881, vindo a falecer em dezembro daquele ano. Alguns meses mais tarde, ela foi seguida pela filha mais velha e mais querida de Marx. “Profundamente abalado e solitário”, assinala Galbraith, “Marx também parou suas atividades em todo o sentido. A 13 de março de 1883, com Engels, o sempre fiel Engels, à cabeceira de seu leito de morte, ele expirava. Nunca, desde o Profeta, a influência de um homem foi tão pouco diminuída devido à sua morte”.

2. Quadro geral das idéias de Marx

As idéias de Marx apresentam-se constituídas de duas partes fundamentais: uma, envolvendo os aspectos filosófico e sociológico, tem base nas formulações do filósofo alemão Hegel; outra, que engloba os aspectos político e econômico, revela as influências de Engels e do clássico David Ricardo, respectivamente.

Os especialistas em marxismo sugerem que as duas partes não devem ser dissociadas, dado o seu alto grau de complementaridade.

Antes de qualquer coisa, porém, é essencial afirmar que a análise econômica de Marx é uma análise eminentemente histórica. Não uma história qualquer. Mas a história de como os homens se organizaram em sociedade, ao longo dos tempos, para produzir os bens materiais indispensáveis à sua sobrevivência e à própria reprodução da espécie. É a esse tipo de visão que se dá o nome de concepção materialista da história, ou, de forma simplificada, materialismo histórico. De acordo com a concepção materialista da história, as transformações de ordem material determinam todas as transformações de ordem ideológica. Ou seja, as forças produtivas e a maneira de se relacionar capital e trabalho – relações de produção (o que Marx chamou de infraestrutura) é que vão determinar a forma de governo, o regime político, as ciências, as artes, a religião, a ideologia etc. (o que Marx chamou de superestrutura).

Em todas as épocas históricas o método prevalecente de produção e troca e a organização social delas decorrentes formam a base para as superestruturas legais, políticas, culturais e intelectuais.

Como na concepção materialista da história os fatores econômicos da vida social (infraestrutura) determinam os aspectos não econômicos da vida em sociedade (superestrutura), ela acaba sendo conhecida também pelo nome de determinismo econômico.

A dialética (que Marx adotou, inspirado em Hegel, adaptando-a ao materialismo histórico) pressupõe que todo fenômeno social leva dentro de si o germe da própria destruição, o que é evidenciado pela tríade tese – antítese – síntese. Assim sendo, e tomando com referência a sociedade medieval, podemos dizer que o modo de produção que lhe é característico – o feudalismo – seria a tese; a burguesia surgida como conseqüência deste período da história corresponderia à antítese, e o novo modo de produção que apareceu em decorrência – o capitalismo – seria a síntese.

Pode-se afirmar, a partir de uma ótica simplista, que a dialética é ao mesmo tempo uma situação fatalista e otimista. Fatalista, pelo fato de que qualquer sociedade (tese) irá fatalmente se transformar, dentro de uma evolução pré-estabelecida e graças ao surgimento de um germe (antítese), num novo tipo de sociedade (síntese), o qual por sua vez será a tese de um novo estágio superior. Otimista, pelo fato de que estando em constante evolução, os estágios superiores ou sucessivos não representarão jamais um retrocesso.

Já o pilar político-econômico do marxismo divide-se em duas partes: a exploração e a evolução.

A exploração pode ser sintetizada na teoria da mais-valia, definida da seguinte forma no Dicionário de economia do século XXI, do Prof. Paulo Sandroni:

Conceito fundamental da economia política marxista, que consiste no valor do trabalho não pago ao trabalhador, isto é, ma exploração exercida pelos capitalistas sobre seus assalariados. Marx, assim como Adam Smith e David Ricardo, considerava que o valor de toda mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho socialmente necessário para produzi-la. Sendo a força de trabalho uma mercadoria cujo valor [e determinado pelos meios de vida necessários à subsistência do trabalhador (alimentos, roupas, moradia, transporte etc.), se este trabalhar além de um determinado número de horas, estará produzindo não apenas o valor correspondente ao de sua força de trabalho (que lhe é pago pelo capitalista na forma de salário), mas também um valor a mais, um valor excedente sem contrapartida, denominado por Marx de mais-valia. É desta fonte (o trabalho não pago) que são tirados os possíveis lucros dos capitalistas (industriais, comerciantes, agricultores, banqueiros etc), além da renda da terra, dos juros etc. enquanto a taxa de lucro – a rela;ao entre a mais-valia e o capital total (constante + variável) necessário para produzi-la – define a rentabilidade do capital, a taxa de mais-valia e o capital variável (salários) – define o grau de exploração sobre o trabalhador. Mantendo-se inalterados os salários (reais), a taxa de mais-valia tende a elevar-se quando a jornada e/ou a intensidade do trabalho aumenta (aumentando a mais-valia absoluta) ou com o aumento da produtividade nos setores que produzem os artigos de consumo habitual dos trabalhadores (aumentando a mais-valia relativa)

A mais-valia pode ser representada pela fórmula

M = C + V + m

onde:

M = Valor total da mercadoria

C = Capital constante (Valor da maquinaria, matéria-prima etc.)

V = Capital variável (Valor da força de trabalho)

m = Mais-valia

Das duas componentes que formam o valor total da mercadoria, capital constante e capital variável, somente o capital variável produz a mais-valia, que é, genericamente falando, o valor da parcela de trabalho de que o capitalista se apropria.

Marx e Engels acreditavam ter descoberto as leis da história que explicam e determinam o comportamento das sociedades. Nesse sentido, estariam fazendo pela história o mesmo que a teoria da evolução de Charles Darwin fez pela biologia. Estas leis seriam inexoráveis, devendo fatalmente se cumprir graças à existência de um determinismo entre as forças produtivas, as relações de produção, o materialismo histórico e a dialética. A força motora que modificou a sociedade através da história foi e será a luta de classes. Portanto, de acordo com Marx, a história seria uma sucessão de estágios (modos de produção) por que passariam as sociedades, sendo estes estágios determinados pelas relações de produção predominantes e pelo estágio de desenvolvimento correspondente das forças produtivas. A luta de classes seria o fator dinâmico dessa evolução, cujos estágios são:

Estágio Pré-Social

Comunismo Primitivo

Escravidão Formal

Feudalismo

Capitalismo

Socialismo

Comunismo

3. Uma extraordinária influência posterior

Para se ter uma primeira idéia da extraordinária influência alcançada pelas idéias de Marx, basta constatar que a vinte anos atrás (cerca de setenta anos, portanto, após o início da primeira experiência socialista concreta, com a vitória dos bolcheviques na revolução russa de 1917), cerca de três quintos da população mundial vivia, direta ou indiretamente, sob a influência dessas idéias: ou em países socialistas, ou em países não socialistas governados por partidos socialistas ou comunistas. Sem contar as minorias socialistas ou comunistas vivendo em países capitalistas, mais ou menos desenvolvidos. Como bem observa Galbraith, em A era da incerteza:

Se concordarmos que a Bíblia é uma obra coletiva, apenas Maomé rivaliza com Marx no número de professos e devotados seguidores recrutados por um único autor. E a competição não é realmente muito acirrada. Os seguidores de Marx agora superam em muito os filhos do Profeta.

Essa influência, que se iniciou no plano teórico em meados do século XIX, ganhou impulso com a vitória dos bolcheviques em 1917, e, posteriormente, com vitória do comunismo na China, sob a liderança de Mao Tse-Tung, logo depois da 2ª Guerra Mundial.

É bem verdade que, de 1980 e 1990 para cá muita coisa mudou, principalmente após a queda do Muro de Berlim, marco de um momento histórico marcante, quando em diversos países foi possível verificar a tendência de mudança: no plano político em direção à democracia; e, no econômico, em direção à economia de mercado.

A derrocada do socialismo, simbolizada pela queda do Muro de Berlim, não deve seu utilizada para subestimar a extraordinária influência das idéias de Marx, que, a exemplo de outros grandes pensadores, costuma ser julgado e acusado por muitas pessoas que sequer leram suas obras ou conheceram mais a fundo suas idéias. No caso específico de Marx então, com uma agravante: ele é acusado de muitas coisas que jamais propôs e que provavelmente o deixariam profundamente revoltado se fosse obrigado a presenciar, como demonstram duas obras de leitura bastante agradável: Se Marx voltasse, de Adolf Berle, e A última tentação de Marx, de Armando Avena.

 

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