3º mandamento para um bom governo

Terás uma moeda sã

 

“Se o público compreendesse o quanto lhe custa, em termos de inflação e instabilidade periódicas, a conveniência de ter de lidar apenas com um tipo de dinheiro nas suas transações cotidianas e a comodidade de não ter que, ocasionalmente, analisar as vantagens de usar um dinheiro de tipo diferente daquele que lhe é familiar, provavelmente acharia este custo exorbitante. E, no entanto, essa conveniência é muito menos importante do que a possibilidade de usar um dinheiro confiável, que não perturbe periodicamente a tranqüilidade do fluxo econômico – possibilidade de que o público foi privado pelo monopólio governamental. Mas as pessoas jamais tiveram a possibilidade de descobrir essa vantagem. Os governos sempre tiveram, em todos os tempos, um grande interesse em persuadir o público de que o direito de emitir dinheiro lhes pertence com exclusividade.”

Friedrich A. Hayek

 

A existência de uma moeda estável é um desejo antigo da maior parte dos países. Com a globalização, ela tornou-se ainda mais importante. Afinal, como afirma o Prof. Eduardo Giannetti, num texto inclusive já reproduzido por mim nesta mesma coluna, este aspecto se insere entre aqueles que ganharam importância com a globalização. Refrescando a memória, que fatores, de acordo com Giannetti, ganham importância com a globalização?

1) A estabilidade e a previsibilidade macroeconômicas: num mundo em que as relações econômicas são estabelecidas, muitas vezes, entre blocos de países, quem é que vai querer ter como parceiro um país que não consegue manter a estabilidade de sua moeda e onde não há condição de se fazer qualquer tipo de previsão a não ser de curtíssimo prazo?

2) O investimento em capital humano: entendido não apenas no seu componente cognitivo, necessário para interagir com as novas tecnologias, mas também no que diz respeito à ética e à confiabilidade interpessoal.

3) Agilidade e flexibilidade empresarial: no mundo globalizado e altamente competitivo, acesso à informação deixou de ser handicap, uma vez que ela encontra-se disponibilizada para todos. Sendo assim, o que se torna essencial é saber como processar as informações e, com base nisso, tomar as decisões no momento adequado, se possível antecipando-se aos concorrentes.

De acordo com a visão liberal, para ter uma moeda sã basta eliminar a lei do curso legal, para que os habitantes não tenham vedado contratar em outra moeda. O real deveria competir entre as moedas do mundo. Os cidadãos poderiam escolher em que moeda receber seu salário, ter suas poupanças, comprar e vender. Isto criará uma pressão para que o Banco Central cuide do valor do real.

A lei do curso legal, também chamada, não de forma perfeitamente apropriada, de lei do curso forçado (tradução literal do espanhol curso forzoso), é assim definida por Paulo Sandroni:

Atributo do papel-moeda (e das moedas metálicas que não sejam de metais preciosos) que faz dele um meio irrecusável de pagamento. O papel-moeda oficial é atualmente de curso forçado, o mesmo não acontecendo com o cheque ou a nota promissória. Nos antigos sistemas monetários baseados no padrão-ouro, em épocas de grave crise econômico-financeira, de convulsões sociais ou de guerras, os governos decretavam o curso forçado do seu papel-moeda ou das notas bancárias, tornando obrigatória a sua aceitação e ao mesmo tempo desobrigando os bancos emissores, ou o Tesouro Nacional, de convertê-los em ouro amoedado, ou em moedas metálicas, suspendendo dessa forma a conversibilidade. Este atributo do papel-moeda tem origem em determinação governamental, obrigando a aceitação desse tipo de moeda desprovida de lastro metálico (ouro ou prata).

Só a eliminação da lei do curso legal permitirá diminuir o impacto que as políticas monetárias erradas têm sobre o livre funcionamento do mercado.

Donald Stewart Jr., fundador do Instituto Liberal no Brasil e membro da Mont Pelerin Society, a entidade criada em 1947 por Friedrich Hayek e que congrega pensadores liberais de todo o mundo, assinala com propriedade que a vigência da lei do curso legal foi particularmente prejudicial aos brasileiros durante o longo período em que fomos obrigados a conviver com elevadas taxas de inflação. Num ensaio publicado em 1999, observou:

Mas, certamente, em nenhum outro caso os inconvenientes da presença de coerção nas trocas voluntárias foram mais desastrosos e mais duradouros do que os ocorridos no grande período da inflação brasileira. A inflação brasileira, com seus enormes malefícios sobre os mais necessitados, só pôde ter tido a dimensão e a extensão catastrófica que teve porque o Estado brasileiro nos obrigou, coercitivamente, a usar as suas diversas moedas de curso legal – seja o cruzeiro, o cruzado ou o real. Tivesse-nos sido possível recorrer a outras moedas nas nossas transações particulares e a moeda podre de curso legal teria ficado restrita ao uso do Estado e, como tal, teria tido vida curta, encurtando correspondentemente os danos causados aos cidadãos que foram forçados a usá-la por tanto tempo.

Um regime que nos permita escolher livremente a moeda a ser usada nas nossas transações é, sem dúvida, o que maiores benefícios traria a todos, sobretudo por evitar que, por falta de alternativa, tivéssemos que sofrer as conseqüências de um Estado irresponsável. Se um país é capaz de gerar uma moeda de curso legal decente e estável, a questão da livre competição entre moedas perde muito de sua relevância. Um país como a Suíça, ou a Alemanha, ou os Estados Unidos, onde é livre a circulação de capitais e em que há uma tradição de zelar pela consistência de sua moeda pode, sem grandes conseqüências, adotar uma moeda de curso legal; mas se suas autoridades políticas vierem a cometer os desatinos que as nossas cometeram, aqui como lá será muito melhor abolir a moeda de curso legal e permitir a livre competição entre moedas.

Nem todos, porém, pensam dessa forma. Economistas de outras correntes de pensamento, também favoráveis à manutenção da estabilidade da moeda, não pregam a necessidade da eliminação do curso legal, defendendo outras medidas para a obtenção do mesmo objetivo. Mas reconhecem, assim como os primeiros, a importância da preservação da estabilidade monetária. Sabem que, ao contrário do que tem sido afirmado com certa insistência, é perfeitamente possível conciliar crescimento econômico e estabilidade monetária, o que, aliás, pode ser observado em diversos países do mundo.

O problema, a meu juízo, é que há um número considerável de economistas, de diferentes tendências, que têm apregoado insistentemente que para o Brasil voltar a crescer num ritmo mais acelerado é necessário “soltar” um pouco a inflação.

Definitivamente, não me alinho a eles. Primeiro porque é muito difícil saber até quanto é recomendável deixar correr solta a inflação até que ela venha pôr em risco a estabilidade macroeconômica a tão duras penas conquistada. E depois porque, se a inflação fugir novamente ao controle, sabe-se lá o que precisará ser feito para domá-la novamente. Afinal, como já escrevi noutro artigo, a economia está longe de ser uma ciência exata e de admitir fórmulas prontas para problemas assemelhados. A história não se repete e está repleta de exemplos de tentativas frustradas de resolver um mesmo problema – como a inflação – por meio de medidas que deram certo noutro contexto, em outro tempo e lugar.

Por essa razão, não me coloco ao lado daqueles que vivem criticando os condutores da política econômica, deste governo ou do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, por sua obsessão em manter a inflação sob rígido controle. Posso até discordar – e de fato discordo – de algumas estratégias utilizadas para a manutenção da estabilidade da moeda, mas não tenho memória curta e lembro perfeitamente do horror que era viver num país caracterizado pela existência de uma inflação crônica e elevada, geradora de distorções terríveis e que marginalizava milhões de brasileiros que não tinham acesso aos mecanismos de indexação que, pelo menos, atenuavam as perdas dos que recorriam aos variadíssimos produtos do mercado financeiro surgidos nessa época.

Para quem não sabe, a inflação acumulada de janeiro de 1980 a junho de 1985 foi de 8.071.420.072.698%, a maior já registrada por um país em tempos de paz.

Assustou-se caro internauta? Pois é. Foi isso mesmo. E muitos dos que viveram nesse período vivem criticando a persistência com que se tem buscado a manutenção da estabilidade monetária. Costumam alegar que o custo social do ajuste e da manutenção da estabilidade tem sido muito alto.

A única coisa que tenho para responder a eles é: qual seria o custo do não ajuste???