Nobel: duplo reconhecimento

 

Combate à pobreza em foco

 

“Estou encantado, verdadeiramente

encantado. Estão a apoiar um sonho

para criar um mundo livre de pobreza.”

Mohammad Yunus

 

“Estou me sentindo cada vez melhor conforme vai

caindo a ficha de que eu ganhei este maravilhoso

prêmio. Havia uma parte de mim que já estava

esperando. Entendi que poderia acontecer, mas

não tinha idéia de quando e se aconteceria.”

Edmund S. Phelps

 

Nada melhor para uma profissão que andava em baixa como a dos economistas, o que se evidencia, entre outras coisas, pela procura cada vez mais baixa das vagas oferecidas por seus diversos cursos nos processos seletivos (antigo vestibular) de todo o Brasil, do que o duplo reconhecimento representado pela concessão do Prêmio Nobel de 2006. Além do de Economia, dado a Edmund Phelps, tradicionalmente concedido a um membro da categoria, o da Paz também foi concedido a um grande expoente da profissão, Mohammad Yunus, economista e banqueiro de Bangladesh, que se tornou mundialmente conhecido com o livro O banqueiro dos pobres, que conta a história do Banco Grameen, instituição também agraciada com o Prêmio, e que revolucionou o sistema de concessão de microcrédito.

Em comum, o fato de Yunus e Phelps terem enfatizado em seus trabalhos e suas pesquisas, o combate à pobreza, ainda que por caminhos completamente diferentes.

Yunus criou, em 1976, num dos países mais pobres do mundo, o Banco Grameen, com o objetivo de dar acesso ao crédito a pessoas pobres, até então alijadas do sistema financeiro. Os valores concedidos nos empréstimos são muito baixos, suficientes apenas para dar início a um pequeno negócio. A taxa de juros cobrada é de 20% ao ano, o que não é pouco, mas em compensação é fácil conseguir o empréstimo, uma vez que o banco não pede hipoteca nem fiador. Uma das peculiaridades é que os empréstimos têm que ser tomados por grupos de quatro pessoas, de tal forma que um eventual mau pagador será pressionado pelos outros três, que não querem perder o crédito. Outra peculiaridade é a ampla preferência por clientes mulheres (mais de 90% dos empréstimos), consideradas mais centradas do que os homens no bem-estar da família.

Com esse sistema revolucionário, Yunus, que é professor de Economia na Universidade Chittagong, região sul de Bangladesh, está conseguindo transformar o círculo vicioso de “baixa renda, baixa poupança, baixo investimento” no círculo virtuoso de “baixa renda, injeção de crédito, investimento, mais renda, mais poupança, mais investimentos, mais renda”. Com esse sistema, Yunus tem conseguido algo que um dos maiores estudiosos do mundo em economia informal, o peruano Hernando de Soto, considera a principal razão pela qual o capitalismo não dá certo fora dos países desenvolvidos: a capacidade de integrar ao sistema econômico o que ele chama de “capital morto”, trazendo para a formalidade um número enorme de agentes econômicos que são impedidos de utilizar suas propriedades como garantia para obtenção de crédito.

Fazendo uma analogia com a parábola bíblica, o sistema de Yunus equivale a dar a vara para quem quiser aprender a pescar, ao contrário dos programas assistencialistas como o bolsa-família, que oferecem o peixe e mantêm milhões de pessoas, permanentemente, na condição de dependentes.

Já o Prof. Edmund Phelps, da Universidade Columbia, em Nova York, cujas contribuições, segundo o comunicado da Academia Real de Ciências da Suécia, “tiveram um impacto decisivo tanto na pesquisa econômica como na política”, teve como principal mérito o de pôr em xeque um postulado fundamental das políticas econômicas de inspiração keynesiana que se tornou célebre nos anos 50 e 60 graças ao prestígio de um modelo estatístico conhecido como curva de Philips. Esse instrumento parte da premissa de que inflação e desemprego são fenômenos excludentes, de tal maneira que seria recomendável o uso de medidas inflacionárias para combater o desemprego ou de políticas recessivas para combater a inflação.

Como diz o texto da Academia, “Phelps desafiou essa visão [da curva de Philips] através de uma análise mais fundamental da determinação de salários e preços, levando em conta problemas de informação na economia. […] Agentes individuais têm conhecimento incompleto sobre as ações uns dos outros e têm de basear suas decisões em expectativas”.

Ao fazer tal observação, Phelps incorporou á sua análise um elemento que revolucionou a macroeconomia e que valeu o Nobel de Economia em 1995 ao Prof. Robert Lucas, da Universidade de Chicago (que será objeto do próximo artigo da série Grandes Economistas nestas Iscas Intelectuais), a hipótese das expectativas racionais. Nesse sentido, Phelps elaborou a hipótese de uma curva de Philips acrescida das expectativas, a partir da qual os índices de inflação dependem tanto das expectativas de desemprego como de inflação. Ou seja, sob essa hipótese a taxa de desemprego de longo prazo não é afetada pela inflação, e sim determinada apenas pelo funcionamento do mercado de trabalho.

Ainda de acordo com a justificativa da Academia, “Phelps mostrou como as possibilidades de política de estabilização no futuro dependem das decisões de hoje: baixa inflação hoje leva a expectativas de baixa inflação também no futuro, facilitando a elaboração de políticas futuras”.

Espero que a concessão do Prêmio Nobel de Economia a Edmund Phelps tenha ampla repercussão no Brasil, onde uma afirmação sem sentido, a de que é preciso liberar um pouco a inflação para que o País volte a ter altas taxas de crescimento, tem sido repetida tantas vezes e por tanta gente, que acaba assumindo ares de verdade absoluta. Phelps demonstrou que a inflação não diminui o desemprego nem impulsiona o crescimento das economias, pondo abaixo a principal justificativa para a tolerância com a inflação e exigindo dos bancos centrais uma ação mais rígida para manter a estabilidade dos preços.

Concluo este artigo com algumas observações precisas da jornalista Chrystiane Silva:

Os trabalhos de Phelps tiraram essa área da economia da idade das trevas e deram início aos esforços de desenvolvimento sustentado pelo aumento da produtividade, e não mais pela tolerância com a inflação. Devemos a Phelps a noção de que o imposto inflacionário é o mais cruel e regressivo de todos, pois tira dos pobres e dá aos ricos. Fora um ou outro país africano, a inflação é um mal que foi erradicado do planeta.

E pensar que tantos, em nosso país, defendem o retorno de “um pouco de inflação” como pré-condição para a retomada do crescimento!!!

Referências e indicações bibliográficas

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SOTO, Hernando de. O mistério do capital. Tradução de Zilda Maldonado. Rio de Janeiro: Record, 2001.

YUNUS, Mohammad. O banqueiro dos pobres: a revolução do microcrédito que ajudou os pobres. São Paulo: Ática, 2000.

Referências e indicações webgráficas

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