9º mandamento para um bom governo

 

Descentralizarás a administração pública

 

“Um patronato cujos direitos são limitados

pela lei traz a uma sociedade as vantagens

preciosas da iniciativa e da responsabilidade.”

André Maurois

Romancista e ensaísta

francês (1885 – 1967)

 

O que seria de se esperar do presidente Lula, em seu segundo mandato, tendo em vista a complicadíssima situação das finanças públicas, era que o governo federal concentrasse esforços no cumprimento de algumas poucas e prioritárias funções (segurança, garantia dos direitos, justiça), delegando a entidades locais, públicas ou privadas, a responsabilidade pelo desempenho de outras funções.

Essas funções prioritárias, aliás, são indelegáveis, ou seja, precisam ser executadas, quase sempre com total exclusividade, pelo governo central, a não ser nos casos em que haja uma delegação hierárquica de responsabilidades, cabendo-lhe, porém, nesses casos, a coordenação geral. Se assim não for feito, há o sério risco de se criar uma grande confusão, sem definição clara de atribuições e responsabilidades, o que costuma gerar graves problemas, de difícil solução.

Um processo de descentralização viável implica na transferência não só da responsabilidade, mas também dos recursos financeiros concernentes à provisão desses serviços. Se isso não for feito, ocorrerá o mesmo fenômeno ocorrido no Brasil logo após a promulgação da Constituição de 1988, quando algumas funções, até então da responsabilidade da União, foram transferidas para estados e municípios, sem que houvesse a correspondente transferência de receitas, o que acabou provocando um jogo de empurra entre autoridades de diferentes níveis, com redução da qualidade dos serviços e, como sempre ocorre nesses casos, enorme prejuízo para os cidadãos.

Como metodologia básica para a implementação do processo de descentralização da administração pública, sugere-se a adoção do princípio da subsidiariedade, que é apontado por Jacy Mendonça como um dos fundamentos básicos do liberalismo – no plano administrativo, juntamente com o pluralismo e a democracia, no plano político, e a concorrência e o mercado livre, no plano econômico.

Em recente artigo sobre o assunto publicado no Jornal do Brasil (21/08/06), o Prof. Ubiratan Iório inicia com a seguinte colocação:

Se você tiver um problema com o seu vizinho de porta, o ideal é resolvê-lo sem recorrer ao síndico. Se a questão é no condomínio, o correto é levá-la ao síndico e não à administração regional de seu bairro. Se o problema for do bairro, recorra-se à administração e não à prefeitura. Caso seja da cidade, para que recorrer ao governador, se existe a figura do prefeito, que ganha para isso? Da mesma forma, se as dificuldades são em um estado, deve-se buscar o governador e não o presidente do país. Estas regras básicas, que são respeitadas em todas as sociedades razoavelmente organizadas, compõem o “Princípio da Subsidiariedade”, a pedra angular do federalismo, da limitação do poder do Estado e da liberdade individual.

A razão que justifica a observância do referido princípio não é nova e foi, de certa maneira, consagrada por Hayek, em 1944, quando alertou, no célebre O caminho da servidão,para o risco da perda da liberdade individual decorrente da tendência dominante na época, caracterizada pelo fortalecimento dos diversos “ismos”: keynesianismo, marxismo, socialismo, comunismo, nazismo e fascismo.

Iório vai além e afirma que

É moralmente perigoso retirar-se a autoridade e a responsabilidade inerentes à pessoa humana, para entregá-la a um grupo, porque nada pode ser feito de melhor por uma organização maior e mais complexa do que pode ser conseguido pelas organizações ou indivíduos envolvidos diretamente com os problemas.

Três aspectos fundamentais da própria existência humana servem de pilares para a subsidiariedade, como bem observa Iório:

1°. A dignidade da pessoa humana, decorrente do fato de termos sido criados à imagem e semelhança do Criador e, nesse sentido, remover ou sufocar a responsabilidade e a autoridade individuais equivale a não reconhecer suas habilidades e a sua dignidade.

2º. A complexa questão da limitação do conhecimento, também analisada por Hayek e por outros baluartes da defesa da liberdade individual como Popper e Orwell. Sendo o conhecimento na sociedade incompleto e desigualmente distribuído, a negação do princípio da subsidiariedade, que ocorre quando as soluções dos problemas são transferidas para o Estado ou para organizações hierarquicamente superiores, acarreta, na prática, um verdadeiro mito, a crença na existência de um “olho central” (Big Brother), que pode enxergar todas as coisas, conhecer todas as necessidades e demandas individuais, regular os setores envolvidos a contento e solucioná-los da forma socialmente mais desejável. Como a história demonstrou de forma contundente, as experiências baseadas no planejamento central fracassaram – e haverão de fracassar – exatamente porque esse “olho” não existe e, espero, jamais existirá.

3º. A solidariedade com os pobres e menos favorecidos, simplesmente porque essas pessoas são mais do que meramente a sua própria pobreza, por espelharem a imagem divina e a dignidade disto decorrente, a despeito de suas carências materiais. Os programas governamentais, mesmo que fossem, por hipótese, bem intencionados e bem executados, só são capazes de enxergar as necessidades materiais. Além disso, os engarrafamentos quilométricos provocados pela burocracia, somados à insuficiência de conhecimento total dos problemas, impedem esses programas de atenderem a todas as necessidades das pessoas humanas. Como a pobreza manifesta-se de várias formas, bastante complexas e às vezes muito distantes da mera falta de bens materiais, quem vive mais perto dos necessitados está necessariamente melhor posicionado, em termos de conhecimento, não apenas para ajudar a resolver as necessidades materiais, mas para dar um tratamento mais adequado às demais.

Diante do exposto, é essencial que o novo governo dê continuidade ao programa de privatizações, que tão bons resultados trouxe para o Brasil, como bem demonstra a matéria Sem infra-estrutura o Brasil pára, da jornalista Roberta Paduan, baseada em estudo da consultoria McKinsey, publicada pela revista Exame (27/09/06). Seria um importante passo no sentido não apenas de melhorarmos nossa posição no ranking mundial da competitividade, mas também de romper com um péssimo hábito trazido pelos portugueses, nossos colonizadores, e desde então amplamente cultivado em nosso país: a centralização política, econômica e administrativa.