Grandes Economistas

 

Amartya Sen e a nova concepção de desenvolvimento 

 amartya-sen

“Eu diria que a natureza da economia moderna foi

substancialmente empobrecida pelo distanciamento

crescente entre economia e ética. “

Amartya Sen

 

Amartya Sem nasceu em Santiniketan, estado de Bengali, na Índia, no dia 3 de novembro de 1933. Considerado um dos mais influentes economistas da atualidade, sendo contemplado com o Prêmio Nobel de Economia em 1998.

 

Breves pinceladas biográficas

Oriundo de uma família hindu, Amartya Kunar Sen formou-se em Economia no ano de 1953 pelo Presidency College de Calcutá. Prosseguiu seus estudos na Inglaterra, obtendo seu Ph.D. pelo Trinity College, em Cambridge, no ano de 1959. Foi professor de Economia na Jadavpur University, em Calcutá de 1956 a 1958 e fellow no Trinity College, em Cambridge, de 1957 a 1963. Posteriormente, foi professor titular na Delhi School of Economics de 1963 a 1967, na London School of Economics, de 1971 a 1977, em Oxford, de 1977 a 1988, e, finalmente, em Harvard.

Desde 1998 é Master (Reitor) do Trinity College, de Cambridge, tendo recebido nesse mesmo ano o Prêmio Nobel de Economia por seus trabalhos teóricos na área social e por ter contribuído para uma nova compreensão dos conceitos sobre miséria, fome, pobreza e bem-estar social em regiões pobres nos quais a principal atividade ainda é a agricultura.

Na vida associativa, Sen foi presidente da Econometric Society (1984), da  International Economic Association (1986 – 1988), da Indian Economic Association (1989), e da American Economic Association (1994). Desde 1988, é também vice-presidente honorário da Royal Economic Society.

Amartya Sen é um dos fundadores do WIDER, Instituto Mundial de Pesquisa em Economia do Desenvolvimento (Universidade da ONU).

Detentor de uma série de prêmios e condecorações, Sen  é membro do conselho editorial de diversas publicações, entre as quais: Economics and Philosophy, Ethics, Feminist Economics, Gender and Development, Indian Economic and Social History Review, Indian Journal of Quantitative Economics, Journal of Peasant Studies, Pakistan Development Review, Pakistan Journal of Applied Economics, Philosophy and Public Affairs, Social Choice and Welfare, Common Knowledge, Critic & Review, Theory and Decision, Business and the Contemporary World.

 

Intensa produção bibliográfica

  • Choice of techniques: an aspect of the theory of planned development. Oxford: Basil Blackwell, 1960.
  • Growth economics (Org.). Harmondsworth: Penguin Books, 1960.
  • The impossibility of a paretian liberal. Journal of Political Economy, vol. 78, 1970, pp. 152 – 157.
  • Collective choice and social welfare. San Francisco: Holden Day, 1970.
  • Guidelines for project evaluation (with P. Dasgupta and S. A. Marglin). New York: United Nations, 1972.
  • On economic inequality. Oxford: Clarendon Press, 1973.
  • Employment, technology and development. Oxford: Clarendon Press, 1975.
  • Levels of poverty. Washington: World Bank, 1980.
  • Poverty and famines: an essay on entitlement and deprivation. Oxford: Clarendon Press, 1981.
  • Choice, welfare and measurement. Oxford: Basil Blackwell, 1982.
  • Resources, values and development. Oxford: Basil Balckwell, 1984.
  • Commodities and capabilities. Amsterdam: North-Holland, 1985.
  • On ethics and economics. Oxford: Basil Blackwell, 1987.[1]
  • The standard of living. London: Cambridge University Press, 1987.
  • Hunger and public action (with Jean Drèze). Oxford: Clarendon Press, 1989.
  • La liberté individuelle: une responsabilité sociale.Esprit, mars-avril, 1991, pp. 5 – 25.
  • Development as freedom. New York, NY: Alfred A. Knopf, 1999.[2]
 [1] Já traduzido para o português: Sobre Ética e Economia.
[2] Já traduzido para o português: Desenvolvimento como liberdade.

Principais contribuições

A exemplo do que afirmei em meu artigo sobre Alfred Marshall, considero extremamente difícil reduzir a extraordinária contribuição de Amartya Sen num texto com as características destes textos publicados nas Iscas Intelectuais. Nesse sentido, o que procurarei fazer a seguir é uma síntese das duas contribuições de Amartya Sen que considero mais relevantes para a evolução da teoria econômica e da história do pensamento econômico. Ao fazer tal opção, faço questão de deixar claro que não deixo de reconhecer a relevância de outras de suas contribuições, entre as quais: 1) a ênfase no uso dos métodos quantitativos na análise econômica, traduzida num rigoroso instrumental formal-matemático; e 2) a revisão crítica dos pressupostos comportamentais da teoria econômica em diversas de suas ramificações, mas em especial no campo da chamada economia do bem-estar.

a. Relação entre ética e economia

Apesar do pleno domínio dos métodos quantitativos, a ponto de ter chegado à presidência da Econometric Society, Amartya Sen situa-se, no cenário internacional dos grandes economistas, entre aqueles que se notabilizaram por suas preocupações humanistas, destacando-se, nesse particular, a preocupação com a relação entre a ética e a economia.

Essa preocupação apresenta-se de forma mais evidente em seu primeiro livro publicado no Brasil, Sobre ética e economia, descrito no release da editora Companhia das Letras à época de seu lançamento como uma síntese impressionante, estruturada pela seguinte idéia:

Se há acordo de que o valor fundamental que orienta a economia normativa e a ética – e as práticas delas derivadas – é a realização dos interesses racionais das pessoas (quer dizer, o bem humano), o mesmo não acontece a respeito de um suposto “núcleo” da “racionalidade” e do modo mais razoável de comparar tais interesses visando ordená-los segundo prioridades de realização.

Considerando os terríveis problemas que o mundo de uma forma geral – e o Brasil em particular – vêm enfrentando nos campos da moral e da ética, pode parecer que essa discussão é recente. Ledo engano. Como bem observado no mesmo release:

Essas indagações guiam a teoria ética mais sistematicamente desde Aristóteles, e a econômica, nos seus fundamentos, especialmente desde Adam Smith. Mas elas se perderam na economia quando o bem deixou de incluir uma pluralidade de aspectos valiosos da vida humana (satisfações, direitos, liberdades, oportunidades reais etc.), e foi interpretado unicamente como bem-estar. E com a redução do bem-estar à medida homogênea de utilidades, a origem “ética” da economia desapareceu.

Aliás, o grande John Kenneth Galbraith, destacou essa estreita relação em seu livro Pensamento econômico em perspectiva: uma história crítica. Nele, reproduz a seguinte citação do historiador Alexander Gray, professor de Economia Política por muitos anos na Universidade de Edimburgo:

A Economia [na Grécia antiga] não era apenas serva e criada da Ética (como talvez sempre devesse ser); ela foi esmagada e obliterada por sua irmã mais próspera e mais mimada. E os escavadores posteriores, em busca das origens da teoria econômica, só conseguem desenterrar fragmentos desconexos e relíquias disformes.

Isto posto, não posso deixar de registrar minha dupla satisfação em ver um autor da relevância de Amartya Sen resgatar a visão humanista da economia e recolocar na agenda da discussão, em condição de absoluta prioridade, a relação entre ética e economia, alinhando-se a nomes importantes como E. F. Schumacher, Rubens Ricupero e Eduardo Giannetti da Fonseca – apenas para citar alguns – que têm insistido em diversas oportunidades para o caráter essencial dessa relação. Giannetti, diga-se de passagem, fez menção a esse aspecto em seu comentário na “orelha” do livro Sobre ética e economia:

As questões econômicas não são apenas questões de praticidade e eficiência, mas também de moralidade e justiça. As questões éticas não são apenas de valor e intenções generosas, mas também de lógica fria e exeqüibilidade. Se a economia desligada da ética é cega, a ética desligada da economia é vazia. O surpreendente não é que a teoria econômica e a reflexão ética voltem a caminhar juntas, mas que tenham permanecido divorciadas e incomunicáveis entre si por tanto tempo.

b. Nova visão de desenvolvimento

A segunda grande contribuição de Amartya Sen que gostaria de destacar diz respeito à sua abordagem dos fenômenos do desenvolvimento e do crescimento econômico, cuja diferença ele faz questão de destacar.

Sem desconsiderar a importância do crescimento econômico, precisamos enxergar muito além dele. […] Os fins e os meios do desenvolvimento requerem análise e exame minuciosos para uma compreensão mais plena do processo de desenvolvimento; é sem dúvida inadequado adotar como nosso objetivo básico apenas a maximização da renda ou da riqueza, que é, como observou Aristóteles, “meramente útil e em proveito de alguma outra coisa”. Pela mesma razão, o crescimento econômico não pode sensatamente ser considerado um fim em si mesmo. O desenvolvimento tem de estar relacionado sobretudo com a melhora da vida que levamos e das liberdades que desfrutamos. Expandir as liberdades que temos razão para valorizar não só torna nossa vida mais rica e mais desimpedida, mas também permite que sejamos seres sociais mais completos, pondo em prática nossas volições, interagindo com o mundo em que vivemos e influenciando esse mundo.

Se, no que se refere especificamente, à maior abrangência do fenômeno do desenvolvimento em comparação ao do crescimento econômico, Sen não chega a ser propriamente original, uma vez que diversos economistas contemporâneos, entre os quais  tiveram a mesma posição, ao enfatizar a importância da liberdade como componente fundamental do desenvolvimento, ele foi bastante original. Em boa parte do livro Desenvolvimento como liberdade, Sen dedica-se à explicação desse aspecto, magnificamente ilustrado na afirmação “ter mais liberdade melhora o potencial das pessoas para cuidar de si mesmas e para influenciar o mundo, questões centrais para o processo de desenvolvimento.”

A influência de Amartya Sen nesse campo não se limitou ao plano teórico, uma vez que juntamente com Mahbub ul Hak, ele foi o criador, em 1989, do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), um indicador que passou a ser aceito no mundo todo como a principal referência para definir o grau de desenvolvimento de um país. Tal indicador, mais amplo – e por isso mesmo – mais fiel do que os até então utilizados, considera três  variáveis para efeito de cálculo: o nível de renda, a educação (captada através da taxa de alfabetização e da taxa de matrícula nos três níveis de ensino), e a saúde (captada pela esperança de vida).

Observação final

O renomado professor Anthony Atkinson, da London School of Economics, fez a seguinte afirmação na The New York Review of Books:

Amartya Sen ocupa uma posição única entre os economistas modernos. É um notável teórico da economia, uma autoridade mundial em escolha coletiva e economia do bem-estar. Figura eminente na economia do desenvolvimento, com um trabalho inovador sobre a avaliação da eficácia de investimentos em países pobres […]. Ao mesmo tempo, tem uma visão ampla da disciplina e muito tem feito para alargar a perspectiva dos economistas. Fez importantes contribuições à filosofia moral, estando tão à vontade ao escrever para o Journal of Philosophy quanto para o Economic Journal […]. O economista que busca conduzir a economia além de suas fronteiras convencionais pode muito bem se ver sem o apoio de seus colegas. Não é o caso de Sen, profeta que se distingue em sua própria disciplina.

Embora, evidentemente, sem a pretensão de ter o mesmo peso e a mesma influência de Atkinson, complemento sua colocação com a seguinte observação: não é qualquer economista, que consegue ter a importância de suas idéias e contribuições teóricas reconhecidas ainda em vida, como comprovam os inúmeros prêmios e condecorações post mortem ou in memoriam conferidos ao longo da história. Também nesse sentido, Amartya Sen constitui-se numa exceção, uma vez que conseguiu ser respeitado mundialmente sendo oriundo de um país não desenvolvido, atingiu os mais altos cargos dentro da carreira acadêmica, recebeu o Nobel, talvez a mais cobiçada  láurea concedida a um cientista e, se não bastasse, teve uma de suas contribuições teóricas, o IDH, transformada num indicador utilizado generalizadamente, numa prova concreta da aplicabilidade de suas idéias. Creio que isso é mais do que suficiente para justificar a inclusão de seu nome entre os Grandes Economistas.

                                                   

 

 

Referências e indicações bibliográficas

BEAUD, Michel e DOSTALER, Gilles. La pensée economique depuis Keynes. Paris: Éditions du Seuil, 1993.

GALBRAITH, John Kenneth. O pensamento econômico em perspectiva: uma história crítica. Tradução de Carlos Afonso Malferrari. São Paulo: Pioneira/Editora da Universidade de São Paulo, 1989.

GIANNETTI DA FONSECA, Eduardo. Vícios privados, benefícios públicos?: a ética na riqueza das nações. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

KLAMER, Arjo. A conversation with Amartya Sen. Journal of Economic Perspectives, vol. 3, n° 1, 1989, pp. 135 – 150.

SANDRONI, Paulo. Dicionário de economia do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2005.

SEN, Amartya. Sobre ética e economia. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

______________ Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

Referências e indicações webgráficas

http://cepa.newschool.edu/het/.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Amartya_Sen.

KERSTENETZKI, Celia Lessa. Desigualdade e pobreza: Lições de Sen. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol.15 n.42  São Paulo Feb. 2000. Disponível emhttp://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-69092000000100008&script=sci_arttext.

MACHADO, Luiz Alberto. Entendendo a economia – Desenvolvimento X Crescimento econômico. Disponível em www.lucianopires.com.br/idealbb/view.asp?topicID=3629