Criatividade VII
Libere sua criança interior e explore seu potencial criativo[1]
“A verdadeira maturidade é atingir a
seriedade de uma criança brincando.”
Soren Kierkegard
Não raras vezes, em entrevistas concedidas ou palestras e cursos ministrados sobre criatividade e/ou solução criativa de problemas, perguntam-me o que fazer para desenvolver o potencial criativo.
Embora seja possível encontrar um sem número de respostas a essa pergunta, confesso que, no meu íntimo, considero a resposta a essa pergunta bastante simples e ela pode ser resumida em “libere a criança que existe dentro de você”.
Por que essa convicção?
Porque é na nossa mais tenra infância que, utilizando uma combinação de espontaneidade, ingenuidade e curiosidade, descobrimos e aprendemos muitas coisas, sendo que algumas delas nos acompanharão por toda a vida, ajudando-nos a resolver problemas e superar desafios.
Lamentavelmente, esse trio – espontaneidade, ingenuidade e curiosidade – vai perdendo força à medida que nós vamos crescendo e passamos a receber uma série de limites e restrições que nos são impostos, primeiro, em casa e na escola, e, mais tarde, nos demais ambientes que costumamos freqüentar.
Bob Pike, um dos mais fantásticos especialistas em aprendizagem acelerada que tive oportunidade de conhecer em eventos de que participei promovidos pela International Alliance for Learning costuma abrir suas apresentações com as “leis de Pike”. Delas (cinco no total), duas aplicam-se como uma luva ao tema deste artigo. A primeira é que “adultos são crianças com corpos grandes”, o que significa que o cérebro do adulto está sujeito, em grande parte, aos mesmos estímulos dos cérebros das crianças. Por que então não deixar que esses cérebros “viajem”, exatamente como “viajam” os cérebros das crianças? A segunda lei de Pike diz que “a aprendizagem é diretamente proporcional à quantidade de alegria e divertimento que você sente”. Se o jardim de infância foi o último momento de que você se recorda de ter ido para a escola satisfeito e entusiasmado, alguma coisa deve estar errada no sistema formal de ensino, uma vez que a maior parte das pessoas vai à escola emburrada e chateada, encarando-a como uma obrigação e um pesado fardo a carregar, num clima completamente diferente daquele clima de magia do jardim de infância, marcado pelas brincadeiras, pelos jogos, pelas salas coloridas e cheias de desenhos, e também pelo esforço das professoras em estimular a criatividade, a curiosidade e a sociabilidade.
Pois bem. As restrições e limites a que me referi aparecem muitas vezes traduzidos na palavra “não”, que de acordo com estudos bastante respeitáveis, é a palavra que ouvimos com mais freqüência numa determinada fase de nossa vida. Essa sucessão de “nãos” é indicada por Floriano Serra, um executivo do setor farmacêutico que foi pioneiro, entre nós brasileiros, a enveredar pelos caminhos da criatividade, como um dos motivos pelos quais a maior parte das pessoas tem enorme dificuldade para explorar seu potencial criativo. Em seu livro E por que não?, ele afirma que existem seis “pês” bloqueadores, responsáveis pelo aparecimento de nossos valores, crenças, preconceitos, paradigmas e percepções, que, por sua vez, funcionam como verdadeiros filtros, a partir dos quais enxergamos o mundo. A palavra que ele utiliza para se referir ao efeito bloqueador dos freqüentes “nãos” é proibições e os outros cinco “pês” bloqueadores são pais, professores, patrões, preguiça e perfeição, entendida esta última como a busca obsessiva da perfeição, que se transforma em obstáculo para inúmeras pessoas que não fazem quase nada por acharem que sempre falta alguma coisa. Trata-se do famoso “em busca do ótimo, não se faz o bom”.
Seguramente você é capaz de adicionar outros “pês” bloqueadores a essa lista, não é mesmo?
Os filtros apontados por Floriano Serra fazem com que pensemos sempre da mesma forma, naquilo que Frank Prince denomina de “pensar dentro da caixa”, ou seja, de forma sempre igual, numa rotina que não contribui em nada para a criatividade, o empreendedorismo e a inovação.
Há uma pergunta, que costumo fazer aos participantes de meus cursos e seminários que os deixa, quase que invariavelmente, numa situação constrangedora, dada a dificuldade que encontram para respondê-la. É ela: “Quando foi a última vez que você fez uma coisa pela primeira vez?”
Resgatar a criança interior será fundamental para romper com esse círculo vicioso que caracteriza o dia-a-dia de muitos de nós, ajudando-nos a “pensar fora da caixa” e, em conseqüência, a termos mais estímulos para criarmos, empreendermos e inovarmos.
Como fazê-lo?
Que tal começar por um inventário de coisas que fazíamos com enorme alegria e entusiasmo e que deixamos de fazer por conta dos nossos “pês” bloqueadores e de tantos outros bloqueios que fomos adquirindo – pelas mais diferentes razões – ao longo de nossas vidas? Ao fazer esse inventário, certamente você reverá cenas inesquecíveis da sua infância como descer a ladeira no carrinho de rolimã, escorregar na grama ou no morro a mil por hora na chapa improvisada de madeira compensada, pular na água fazendo um tchibum sem igual ou pegar jacaré numa onda perfeita. Sabe o que há de comum nessas cenas? Como diz Liane Alves, são “versões da mesma coisa: inocência e frescor, brincadeira e leveza, corpo e emoção, curiosidade e criatividade, senso de aventura e liberdade”.
Não parece fantástico?
Está feito o convite!
[1] Este artigo, com pequenas adaptações, foi publicado originalmente na revista eletrônica Mundo InNova, com o título de Libere a criança que existe dentro de você.
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