2009: Balanço e perspectivas

 

Saldo positivo… apesar de tudo

 

“Surfando em uma onda de otimismo após sobreviver de pé

 à crise financeira internacional, o Brasil ainda  tem muito

para avançar no desenvolvimento de suas instituições.”

Luiz Leonardo Fração

 

Final de 2009. Mais um ano está terminando e é normal fazermos uma retrospectiva do que aconteceu ao longo do ano, assim como traçarmos um cenário com as perspectivas para o ano que está para começar. Como tenho absoluta convicção de que economia não é futurologia, vou me estender muito mais na análise do que aconteceu do que nas previsões para 2010.

O artigo está estruturado em três partes: na primeira, apresentarei um resumo do desempenho do País em alguns dos mais relevantes estudos internacionais; no segundo, farei alguns comentários sobre o andamento da nossa economia; e, no terceiro, apresentarei rápidas pinceladas sobre o que pode acontecer em 2010.

Nosso desempenho nos estudos internacionais

Diversos organismos internacionais divulgam relatórios anuais com as conclusões de suas pesquisas sobre diferentes aspectos da vida em sociedade, comparando o desempenho dos países em quesitos como economia, política, corrupção etc. São tantos relatórios que muitas vezes nos confundimos com eles, o que me motivou, anos atrás, a escrever um artigo com o título de A dança dos números[1].

Abordarei aqui a participação do Brasil em seis desses relatórios:

1. Ranking Mundial da Competitividade

Divulgado pelo World Economic Forum (WEF), compara a competitividade de 133 países, levando em conta doze indicadores que, por sua vez, se subdividem em outras tantas variáveis, fazendo com que o resultado reflita tanto aspectos econômicos como políticos e sociais dos países considerados na amostra.

No estudo do WEF, o Brasil, que já havia subido oito posições em 2008 em comparação com 2007, subiu mais oito posições no ranking deste ano, atingindo a 56ª posição e ficando abaixo apenas do Chile entre os países da América do Sul. O Chile, mesmo caindo duas posições em relação ao ano anterior, é o primeiro país da América do Sul (e Latina), ocupando a 30ª posição.

2. Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)

Divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU), através do Relatório do Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), compara a qualidade de vida de 182 países, a partir de três indicadores: vida longa e saudável (medida pela esperança de vida ao nascer), acesso ao conhecimento (medido pelos níveis de alfabetização e escolaridade), e nível de renda digno (captado pelo PIB per capita associado à paridade do poder de compra em dólares americanos).

No ranking de 2009 – cujos dados se referem a 2007 – o Brasil ficou na 75ª posição, caindo cinco posições em relação ao relatório de 2008, quando ocupou a 70ª posição. Apesar dessa queda na classificação, o País apresentou uma melhora na sua pontuação, indo de 0,807 em 2008 para 0,813 em 2009. A escala do IDH varia de 0 a 1 e os países que apresentam pontuação entre 0,800 e 0.899 são considerados países de alto desenvolvimento humano, situação, portanto, em que o Brasil conseguiu se manter.

3. Ambiente de negócios

Divulgado pelo Banco Mundial, o relatório Doing Business compara o ambiente de negócios em 183 países, tomando por base as condições prevalecentes na cidade mais importante de cada um dos países envolvidos na amostra. De acordo com os dados do relatório Doing Business 2010, que cobre o período compreendido entre junho de 2008 e maio de 2009, o Brasil caiu duas posições em relação ao relatório do ano passado, indo da 127ª para a 129ª posição.

O estudo do Banco Mundial considera dez indicadores: abertura de empresas, obtenção de alvará de construção, contratação de funcionários, registro de propriedades, obtenção de crédito, proteção a investidores, pagamento de impostos, comércio internacional, cumprimento de contratos, fechamento de empresas.

Desses indicadores, os que mais complicam a vida das empresas que querem fazer negócios no Brasil são o número de procedimentos para abrir (e fechar) uma empresa, o número de procedimentos para registrar uma propriedade, o número de horas gastas para pagar impostos e o tempo necessário para conseguir um alvará de construção.

4. Percepção da corrupção

Divulgado pela Organização Não Governamental (ONG) Transparência Internacional, o estudo compara a percepção da corrupção em 180 países, numa escala que vai de 0 (nenhuma corrupção) a 10 (plena corrupção).

No relatório de 2009, o Brasil aparece na 75ª posição, empatado com Colômbia, Peru e Suriname, subindo cinco posições em relação ao relatório do ano passado, em que se encontrava na 80ª posição.

Apesar da melhora, com o índice de 3,7, o Brasil permanece entre os países considerados de alta percepção de corrupção, estando apenas quatro posições à frente de Burkina Faso, China, Suazilândia e Trinidad e Tobago, países citados frequentemente como exemplos de elevado nível de corrupção.

5. Liberdade econômica

Divulgado pela Heritage Foundation, respeitado think tank criado em 1973 e situado em Washington, capital dos Estados Unidos, o Índice de Liberdade Econômica considera dez indicadores em seu estudo: liberdade empresarial, liberdade de comércio, liberdade fiscal, tamanho do governo, liberdade monetária, liberdade de investimento, direitos de propriedade, nível da corrupção e liberdade trabalhista.

Embora tenha apresentado pequena melhora em seu índice, que subiu de 56,2 em 2008 para 56,7 em 2009, o Brasil caiu da 101ª para a 105ª posição entre 183 países, merecendo a qualificação de “Mostly Unfree” (Predominantemente não Livre).

6. Índice de Qualidade Institucional

Criado há apenas três anos pela ONG inglesa International Policy Network (IPN), o índice de Qualidade Institucional reúne oito indicadores de estudos produzidos por outros organismos internacionais: voz e prestação (Banco Mundial), estado de direito (Banco Mundial), liberdade de imprensa (Freedom House), percepção de corrupção (Transparência Internacional), ambiente de negócios (Banco Mundial), competitividade (World Economic Forum), liberdade econômica no mundo (Fraser Institute) e liberdade econômica (Heritage Foundation).

O autor do índice é Martín Krause, diretor do Centro de Investigaciones de Instituciones y Mercados de Argentina (CIMA) e professor da Escuela Superior de Economía y Administración de Empresas (ESEADE).

Ao participar do lançamento do relatório, no Brasil, Martín Krause explicou: “Décadas atrás, quando o Prêmio Nobel de Economia, Milton Friedman, foi consultado sobre o que os países deviam fazer para melhorar seus planos de desenvolvimento econômico, ele disse três coisas: ‘privatizar,privatizar,privatizar’. Anos depois, muitos países latino-americanos fizeram exatamente isso, seguindo com cautela as recomendações dadas pelo Consenso de Washington. No entanto, os resultados foram desalentadores. Os processos de privatização forma marcados pela corrupção, o clientelismo, a pouca transparência e a permanência de mercados cativos. Em face dessa realidade, algum tempo depois, Friedman afirmou que o mais importante para os países em desenvolvimento são ‘as instituições, as instituições, as instituições’.”

“Por instituições”, continua Martín Krause, “denominamos as normas que nos permitem coordenar as ações dos indivíduos na sociedade, as que nos outorgam previsibilidade em relação às ações dos outros. Um país que forneça regras claras e previsíveis contará com uma vantagem enorme na hora de estabelecer um clima favorável para o funcionamento de uma economia de mercado e melhorar a qualidade de vida dos seus habitantes. Além disso, o processo de globalização que estamos atravessando submete os países à concorrência e eles concorrem oferecendo ‘marcos institucionais’ para atrair os recursos cuja mobilidade tem acelerado a globalização.”

Publicado pela primeira vez em português em 2009, o relatório mostra o Brasil na 98º posição, sete abaixo da verificada no relatório de 2008, quando apareceu na 91ª posição.

Comentando o resultado, o jornalista Adelson Elias Vasconcellos foi bastante incisivo:

Uma vez mais, o Brasil dá provas de, entre o discurso e a propaganda oficiais, e a realidade que vivemos, vai enorme diferença. Há poucos dias, ficamos sabendo que nosso índice de Desenvolvimento Humano é um dos piores do mundo. Estamos na 75° do ranking. Agora, acaba de ser divulgado outro índice que nos situa nas últimas posições, e que, somado ao nosso IDH, põe por terra toda a mistificação de um governo em que a mentira se tornou um método de ação rotineira.

[…] Infelizmente, esta notícia, que deveria servir de base de análise para muitos colunistas e analistas políticos, fica relegada a pequenos destaques na imprensa genuflexa ao poder do Estado. Como já se disse aqui muitas vezes, tanto o Brasil quanto a maioria dos países latinos, que adoram flertar com as esquerdas, não fazem por merecer a liberdade de que ainda gozam.

É de esperar, ao menos, que não tenhamos que chegar ao fundo do poço da escuridão do autoritarismo doentio, para aprendermos a lição que insistimos em ignorar.

Alguns indicadores internos

Embora os dados definitivos só venham a ser conhecidos nos primeiros meses do ano que vem, alguns indicadores recém divulgados merecem ser destacados.

Divulgado no dia 10 de dezembro, o PIB do terceiro trimestre, de 1,3%, ficou muito aquém da expectativa das autoridades do governo, que não esconderam a decepção diante do resultado. A divulgação desse dado comprovou ainda que, longe da marolinha anunciada pelo presidente Lula, a crise internacional provocou a recessão mais intensa no Brasil em 28 anos, de acordo com estudo do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace) da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Diante desses números, não é de se estranhar a forma como foi comemorada pelas mesmas autoridades a divulgação da taxa de desemprego apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Registrando a média de 7,4% em novembro nas seis principais regiões metropolitanas do País, a taxa se constitui na mais baixa para o mês na série histórica iniciada em 2002, além de ser a menor do ano.

Para Cimar Azeredo, gerente da pesquisa mensal do emprego, o resultado permite pelo menos duas conclusões: 1ª) indica uma estabilidade em relação ao índice de outubro (7,5%); e 2ª) apesar de ainda existirem reflexos da crise no mercado de trabalho, observa-se uma tendência de aumento da ocupação e queda na desocupação.

O feito, no entanto, merecedor de grande regozijo foi a obtenção do grau de investimento (investment grade) concedido pela terceira das grandes agências internacionais de avaliação de risco, a Moody’s. As outras duas, Standard & Poor e Fitch, já haviam concedido o grau de investimento ao Brasil em 2008. Estar nessa condição significa que o Brasil é considerado um destino recomendado para investidores de todo o mundo, situação completamente diferente daquela em que o País se encontrava até a conquista da estabilidade obtida após a implementação do Plano Real, quando se achava entre os destinos menos recomendados para investimentos.

Corroborando essa percepção, o Brasil foi apontado praticamente por unanimidade como um dos países que se mostraram mais bem preparados para enfrentar a crise internacional, sendo também um dos primeiros a saírem dela.

O que esperar de 2010?

Mesmo sem admitir que o economista seja dotado de alguma bola de cristal e que possa fazer previsões precisas, não há dúvida de que ele tem entre suas atribuições a construção de cenários.

Nesse sentido, e considerando, primeiro, que os rankings citados na primeira parte deste artigo são baseados em dados de anos anteriores, e, segundo, que o resultado de 2009 já está definido, nada havendo a ser feito que possa alterar o desempenho do País, o que importa mesmo é saber o que esperar de 2010. Afinal, como afirma Charles Kattering, meu interesse está no futuro… porque é lá que passarei o restante da minha vida”.

As previsões de quase todos os analistas apontam para um crescimento da economia brasileira entre 5% e 6% em 2010, o que implicaria na retomada do ritmo de crescimento conseguido em 2008 e interrompido em 2009 graças aos efeitos da crise internacional.

A perspectiva é, sem dúvida, muito favorável. E seria ainda melhor se o Brasil fizesse a “lição de casa”, melhorando uma série de aspectos responsáveis pelo nosso desempenho medíocre na maior parte dos estudos citados na primeira parte do artigo. E, principalmente, se em vez de aumentar tanto as despesas de custeio, nosso governo destinasse mais recursos aos investimentos, condição sine qua non para que o País ingresse numa fase de crescimento sustentável, algo mais do que necessário diante dos desafios que temos pela frente, como a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016.

 

Referências e indicações bibliográficas

FARID, Jacqueline. Desemprego cai a 7,4%, o menor do ano. O Estado de S. Paulo, 19 de dezembro de 2009, p. B 6.

MACHADO, Luiz Alberto. A dança dos números. São Paulo: Instituto Liberal, Série Idéias Liberais, Ano 5, Nº 87, 1998.

Referências e indicações webgráficas

BRASIL é campeão em tempo gasto para pagar impostos, diz Banco Mundial. Disponível em http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,MUL754491-9356,00-AMBIENTE+DE+NEGOCIOS+NO+PAIS+E+RUIM+DIZ+BANCO+MUNDIAL.html.

DOING Business: Measuring business regulations.Disponível em http://www.doingbusiness.org/EconomyRankings/.

FRAÇÃO, Luiz Leonardo. Brasil é apenas 98º na avaliação de instituições. Disponível em http://www.iee.com.br/noticias/.

FRASER Institute. Economic Freedom of the World Annual Report.Disponível em http://www.freetheworld.com/release.html.

FREEDOM House. Freedom of the Press 2009 Global Rankings. Disponível em http://www.freedomhouse.org/template.cfm?page=495&year=2009.

INSTITUTO LIBERDADE. Lançamento do Índice de Qualidade Institucional 2009. Disponível em http://www.il-rs.org.br/site/info/det_parceiro.php?recordID=33.

INSTITUTO Millenium. Índice de Qualidade Institucional 2009. Disponível em http://www.imil.org.br/blog/indice-de-qualidade-institucional-2009/.

MACHADO, Luiz Alberto. O Brasil na gangorra – O sobe e desce nos rankings internacionais. Disponível em http://www.lucianopires.com.br/idealbb/view.asp?topicID=12071.

SARAIVA, Alessandra. FGV: crise provoca recessão mais intensa em 28 anos. Disponível em http://aeinvestimentos.limao.com.br/economia/eco39391.shtm.

THE Global Competitiveness Index 2009. Disponível em http://www.doingbusiness.org/EconomyRankings/.

THE Global Competitiveness Report 2009 -2010. Disponível em http://www.weforum.org/en/initiatives/gcp/Global%20Competitiveness%20Report/index.htm

VASCONCELLOS, Adelson Elias. Brasil ocupa a 98º posição no Índice de Qualidade Institucional. Disponível em http://comentandoanoticia.blogspot.com/2009/11/brasil-ocupa-98-posicao-no-indice-de.html.

 

[1] Embora incluído nas referências apresentadas ao final do artigo, consegui-lo atualmente é tarefa quase impossível graças ao encerramento das atividades do Instituto Liberal em São Paulo. Nesse sentido, se algum internauta tiver interesse no referido artigo, basta solicitar e terei imenso prazer em fornecê-lo por e-mail.