A Copa do desempate II

 

Quem ganhou e quem perdeu?

 

“Cada um de nós está tão profundamente

unido à terra do nosso lindo país como o

estão os famosos jacarandás de Pretória e

as mimosas do Veld… Uma nação arco-íris

em paz consigo mesma e com o mundo.”

Nelson Mandela

 

 

  1. O futebol

No primeiro artigo com este título, em que relacionei futebol, democracia e desenvolvimento, chamei a atenção para o fato de que a Copa da África do Sul desempataria a disputa entre países desenvolvidos e não desenvolvidos, até então rigorosamente empatada, com nove títulos para os desenvolvidos (quatro da Itália, três da Alemanha, um da Inglaterra e um da França) e nove para os não desenvolvidos (cinco do Brasil, dois do Uruguai e dois da Argentina).

Com o gol de Iniesta a poucos minutos do final da prorrogação, a Espanha venceu a Holanda, conquistando o título e tornando-se o oitavo país a fazer parte do seleto grupo dos campeões mundiais de futebol. Com a conquista, desempata, pelo menos pelos próximos quatro anos, a disputa a favor dos países desenvolvidos. Vale observar que apesar da participação de países de diversos continentes, todos os países que conseguiram o título até agora pertencem a apenas dois continentes, Europa e América do Sul.

Aliás, a participação dos países sul-americanos foi muito boa até a fase de quartas-de-finais da Copa da África do Sul, já que o continente classificou quatro dos oito países que chegaram até essa fase. Só a partir daí é que as coisas se complicaram, já que só o Uruguai – único dos quatro que cruzou com um país não europeu – seguiu adiante, com a dramática vitória sobre Gana. Brasil, Argentina e Paraguai foram derrotados respectivamente por Holanda, Alemanha e Espanha, o que colocou os europeus em vantagem na possibilidade de chegar ao título, já que tinham três entre os quatro semifinalistas.

O nível técnico da Copa da África do Sul esteve longe de encantar os espectadores mais exigentes, o que, aliás, não chega a ser novidade, pois a mesma coisa já ocorrera na edição anterior, realizada na Alemanha.

Numa análise rigorosa, não tenho medo de afirmar que desde 1982 não surge uma seleção que encante os torcedores. A seleção brasileira de 1982, dirigida por Telê Santana e eliminada pela Itália também antes das semifinais, foi provavelmente a última a arrancar suspiros dos amantes do bom futebol. Como lembrou Falcão, que era integrante daquele time fantástico, num dos jogos que comentou na Copa da África do Sul, logo depois da derrota para a Itália em 1982, Zico comentou com ele: “Não foi apenas o Brasil que perdeu, foi o próprio futebol”.

Incrível o acerto da previsão de Zico. De lá para cá prevaleceu em todo o mundo a ideia de um futebol pragmático, baseado muito mais na força do que na técnica, e na ideia de que antes de pensar em fazer gols o fundamental é evitar levá-los. E haja jogo monótono, disputado quase integralmente no meio do campo, com raríssimas chances de gol de lado a lado. Obviamente, com essa mentalidade prevalecendo, a média de gols vem caindo a cada nova edição da Copa do Mundo.

Em síntese, apesar de alguns bons momentos da Espanha e da Alemanha, e de alguns lampejos de jogadores como Diego Forlán (considerado o craque da Copa), Villa, Iniesta, Xavi, Snajder, Oziel, Mueller e Messi, na minha opinião o futebol saiu perdendo na Copa da África do Sul.

 2.  A África do Sul

A África do Sul, por sua vez, deu um show, conseguindo realizar uma Copa do Mundo que será lembrada pela boa organização, pela calorosa recepção a torcedores e jornalistas de todas as partes do planeta que para lá se deslocaram e pelo clima de paz e tranquilidade que perdurou por todo o transcorrer dos jogos. O país soube também aproveitar a extraordinária visibilidade que um evento dessa magnitude propicia, exibindo ao mundo belíssimos estádios e tornando muito mais conhecidas suas principais cidades, tais como Joanesburgo, Cidade do Cabo, Pretória, Bloemfontein, Durban e Port Elizabeth.

Diante disso, a África do Sul conquistou uma vitória importante no curto prazo, conseguindo atingir um dos objetivos do maior responsável por levar a Copa para o país, o grande líder Nelson Mandela. A Copa do Mundo contribuiu para a superação da conexão entre o nome do país e o apartheid, a terrível política segregacionista que por tantas décadas marcou a vida dos sul-africanos.

Resta saber se a vitória conquistada no curto prazo será mantida à medida que o tempo for passando. Acabada a festa, volta a rotina, e, com ela, os problemas que caracterizam o dia-a-dia de um país que, a exemplo do Brasil, ainda revela uma das mais flagrantes desigualdades sociais em todo o mundo.

Só o tempo será capaz de mostrar se os investimentos feitos para organizar a Copa do Mundo serão absorvidos sem maiores problemas pela população do país e se os belíssimos estádios continuarão sendo úteis ou se se transformarão em verdadeiros elefantes brancos como alguns dos equipamentos construídos para os Jogos Olímpicos de Atenas ou, numa perspectiva mais modesta, para os Jogos Panamericanos do Rio de Janeiro.

Tal preocupação deve, necessariamente, estar presente na análise de todos nós, brasileiros, que teremos a responsabilidade de organizar, nos próximos seis anos, esses dois grandes eventos da agenda esportiva mundial.

Mas, pelo menos por enquanto, considero que a África do Sul saiu ganhando esse jogo. E de goleada!

3.  A FIFA

A FIFA (Fédération Internationale de Football Association), a toda poderosa organizadora da Copa do Mundo, apesar do sucesso em termos de audiência do evento, que prendeu a atenção de espectadores de todas as partes do mundo, foi talvez quem saiu com a imagem mais arranhada da África do Sul.

O desgaste já havia começado antes do próprio início da Copa, graças à classificação da França que se qualificou na última hora graças a um gol claramente ilegal na disputa da última vaga da Europa contra a seleção irlandesa. Já naquele momento muita gente de diferentes partes alertou para o absurdo que representava o futebol, esporte mais popular do mundo, não seguir o exemplo de outras modalidades esportivas, que têm lançado mão de várias mudanças com o objetivo não só de tornar as competições mais emocionantes, mas também para aumentar a confiabilidade dos resultados.

Ao fazer vistas grossas a tais alertas, a FIFA manteve o futebol distante das possibilidades de aperfeiçoamento que a tecnologia poderia trazer, e, com isso, a Copa da África do Sul registrou um grande número de erros de arbitragem, alguns dos quais grosseiros como o gol da Inglaterra não consignado e outros em impedimento que não foram assinalados, deixando dúvidas quanto à lisura da própria competição.

Outro absurdo da FIFA foi determinar a utilização de uma bola para a competição sem a dar o tempo adequado para que os jogadores pudessem se acostumar a ela. A falta dessa antecedência no uso da Jabulani fez com que a bola se transformasse para alguns numa inesperada vedete, e para outros, principalmente goleiros, num verdadeiro fantasma.

Não se admite que uma entidade que se considera tão importante e tão séria, e que é tão rigorosa na cobrança de suas exigências, seja tão incompetente para cuidar das coisas que acontecem dentro das quatro linhas.

Portanto, a FIFA perdeu na Copa da África do Sul. Mesmo que seus cofres tenham saído de lá muito mais cheios.

 

 

 

 

Referências e indicações bibliográficas

BELLUZZO, Luiz Gonzaga. “Não há chance da situação dos clubes melhorar sem que se faça uma reestruturação das dívidas.” Entrevista para o Jornal dos Economistas, órgão oficial do Corecon-RJ e Sindecon-RJ, nº 251, junho de 2010, pp. 9 – 11.

BUENO, Julio. A crise dos clubes brasileiros: há solução? Jornal dos Economistas, órgão oficial do Corecon-RJ e Sindecon-RJ, nº 251, junho de 2010, pp. 7 – 8.

FOER, Franklin. Como o futebol explica o mundo: um olhar inesperado sobre a globalização. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

LAPIERRE, Dominique. Um arco-íris na noite. Tradução de Sandra Martha Dolinsky. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010.

MACHADO, Luiz Alberto. Brasil e África do Sul: algumas analogias na transição para a estabilidade e a democracia. São Paulo: Instituto Liberal, Série Idéias Liberais, Ano III, Nº 43, 1996.

OLLIER, Fabien. “Basta mergulhar na história da Copa do Mundo para que se perceba a longa infâmia política e a estratégia de alienação planetária.” Entrevista publicada no jornal Le Monde e traduzida no Jornal dos Economistas, órgão oficial do Corecon-RJ e Sindecon-RJ, nº 251, junho de 2010, p. 12.

OS INVESTIMENTOS em eventos esportivos internacionais são benéficos? Gerente de Cidade, Nº 53, Ano 14, jan/fev/mar de 2010, pp. 28 – 47.

PANHAM, Marina e BENTO, Thiago. Impulso futebolístico. O Economista, publicação do Conselho Regional de Economia – 2ª Região – São Paulo, nº 26, abril de 2010, pp. 10 – 12.

RESENDE, Marco Antonio de. A grande aposta do gigante africano. O Estado de S. Paulo, Especial, 11 de maio de 2010, p. H 2.

SUZUKI, Fábio. O legado da África do Sul para a Copa no Brasil. Brasil Econômico, 12 de julho de 2010, p. 38.

 

Referências e indicações webgráficas

MACHADO, Luiz Alberto. A Copa do desempate – Futebol, democracia e desenvolvimento. Disponível em http://www.portalcafebrasil.com.br/forum/economicas/a-copa-do-desempate.

_______________ A Nova Tabela da Copa do Mundo – Aspectos socioeconômicos da Copa da África do Sul. Disponível em http://www.portalcafebrasil.com.br/forum/economicas/a-nova-tabela-da-copa-do-mundo.