Lições de viagem 3
Turquia: história viva
“Ah Istambul! De todos os nomes que ainda
podem me encantar, esse ainda é o mais mágico.”
Pierre Loti
(escritor francês do século XIX)
Há quase cinco anos, viajando com minha esposa para a Inglaterra e a França, escrevi nestas mesmas Iscas Intelectuais os artigos Lições de viagem 1 e 2, compartilhando com o amigo internauta alguns sentimentos pessoais misturados com algumas impressões e lições colhidas naquela viagem. Tomo a liberdade de fazer o mesmo agora, logo após retornar de uma rápida, mas deliciosa e instrutiva viagem à Turquia.
Viajar à Turquia significa, antes de qualquer coisa, dar um mergulho profundo na história. Portanto, aqueles que gostam desse tipo de coisa, como é o meu caso, devem considerar seriamente incluir a Turquia no roteiro de uma de suas próximas viagens sem qualquer possibilidade de arrependimento.
A primeira etapa da viagem foi Istambul, que não é a capital do país como muita gente pensa, mas é a maior e mais importante cidade da Turquia. Com cerca de 20 milhões de habitantes e um trânsito tão caótico como o de outras mega cidades espalhadas pelo mundo – Cidade do México, São Paulo, Los Angeles, Caracas etc. –, Istambul possui uma característica que a torna única: ocupar dois continentes, uma vez que parte da cidade localiza-se na Europa e parte na Ásia, interligadas por duas pontes e por um movimentadíssimo tráfego de barcos e ferry boats.
Difícil identificar o que destacar desta vibrante cidade que reúne tantas atrações. Sua arquitetura, salpicada pelas cúpulas e minaretes de enormes mesquitas chama a atenção, sobretudo daqueles que nunca tiveram a oportunidade de visitar cidades com acentuada presença de população muçulmana.
O comércio, dividido entre os bairros da Cidade Antiga, onde se localiza o Distrito dos Bazares, e os bairros de estilo europeu de Beyoglu, separados pela Ponte de Galata é intenso. No Distrito dos Bazares, com realce para o Grande Bazar e o Bazar Egípcio, também conhecido como Bazar de Especiarias, o comércio é mais popular e observa-se uma interessantíssima convivência entre a economia formal e a informal. Em Sultanahmet, região em que se concentram atrações muito procuradas como a Mesquita Azul (que estava sendo visitada no dia em que lá estivemos pelo primeiro-ministro do Hamas, Ismail Naniyesh), a Santa Sofia (hoje transformada em museu), o Hipódromo, a Cisterna da Basílica e o Palácio Topkapi, tem-se a sensação de estar numa Babel, tal a mistura de turistas de todas as partes do planeta. No meio de tudo isso, centenas de lojas de souvenires, restaurantes populares, lanchonetes locais e das tradicionais redes internacionais e vendedores ambulantes das mais variadas bugigangas.
A diferença entre os bairros da Cidade Antiga e os bairros de estilo europeu de Beyoglu, do outro lado da ponte, revela uma notável diferença na atmosfera e na aparência física. Os bairros de Galata, Karaköy e Tophane são agitados, porém começam a apresentar já alguns sinais de deterioração em razão do excesso de gente atraída pela fama do local. As ruas nas imediações do bulevar Istiklal Caddesi, coroado pela enorme Praça Taksim, são os lugares mais badalados para se comer, beber e apreciar obras de arte. Ao nordeste da Praça Taksim está localizado o elegante enclave de Nisantasi, conhecido por suas lojas e restaurantes chiques. Ao pé das colinas íngremes à leste da praça Taksim estão os subúrbios do Bósforo: Besiktas, Ortaköy e Kuruçesme. Lá existem diversos palácios otomanos e glamorosos restaurantes e casas noturnas.
Os excessos ao longo do Bósforo contrastam nitidamente com os fascinantes bairros de Üsküdar e Kadiköy, localizados no lado asiático da cidade. Eles estão repletos de habitantes fazendo compras em feiras livres, orando em mesquitas e conversando nas esquinas. É um dos lugares mais indicados para sentir de verdade como é viver nessa extraordinária megalópole.
A segunda etapa da viagem foi a região da Capadócia, cujo território é limitado pelas cidades de Nevsehir, Aksaray, Nigde, Kayseri e Kirsehir. A parte mais famosa e visitada é a zona rochosa, um estreito espaço que inclui os vilarejos de Uçhisar, Göreme, Avanos, Ürgüp, Derinkuyu, Kaymakli e os arredores do vale de Ihlara.
As formações rochosas atuais, principal atração da Capadócia, são resultantes de milhões de anos de ação da natureza, começando na era terciária com a erupção dos vulcões Erciyes, Hasandagi e Göllüdag. Começando no período mioceno superior (há 10 milhões de anos), as erupções destes vulcões, juntamente com as de muitos outros, duraram até o Holoceno (período atual). As lavas dos vulcões situadas sob os lagos neógenos, formaram uma camada de crosta de dureza variada, com 100 a 150 metros de espessura, sobre as planícies, lagos e acidentes fluviais. Esta camada continha elementos geológicos como tufita, cinzas vulcânicas, argila, arenito e basalto. Ao longo do tempo, esta camada mudou constantemente sua morfologia, em consequência de outros vulcões secundários. A partir do Plioceno superior, a erosão causada pela água do Rio Kizilimark (Rio Vermelho), lagos e outros acidentes fluviais na superfície, foi modelando a paisagem até as interessantes formações rochosas atuais.
Entre essas formações rochosas, o destaque fica para as Chaminés de Fadas, espécies de “corpos cônicos” cobertos por um “chapéu”. Isto é o resultado da erosão causada pela água que abriu caminho nas ladeiras inclinadas e causou rachaduras na superfície formando profundos vales. Como a camada inferior era formada por tufos e cinzas vulcânicas (materiais macios), sofreu maior erosão, enquanto a camada superior composta por materiais de maior dureza foi mais resistente à ação da água.
A longevidade destas fantásticas formações depende em grande parte do grau de resistência do “chapéu”. Nem todas as formações rochosas que encontramos na Capadócia têm as mesmas formas. Há muitas em formato de cogumelos, de colunas ou pontiagudas.
As Chaminés de Fadas são encontradas principalmente nos vales de Uçhisar, Ürgüp e Avanos. Além das Chaminés de Fadas, formaram-se dobraduras nas encostas dos vales que complementam a característica morfológica diferenciada da região. Estas formações de diversas cores são encontradas nos vales de Uçhisar, em Güllüdere, Göreme e Pancarli.
Ficamos alojados em Göreme, vilarejo situado no centro do triângulo formado pelas cidades de Nevsehir, Avanos e Ürgüp. Nosso hotel, como muitos outros no charmoso vilarejo, ficava escavado nas rochas no flanco de uma montanha, permitindo uma belíssima vista de parte do vilarejo.
Nos dois dias em que lá estivemos, tivemos oportunidade de conhecer localidades de rara beleza, como as igrejas com alguns de seus afrescos e pinturas, o canyon de Ihlara, a extraordinária cidade subterrânea de Derinkuyu, o Museu Aberto de Göreme e, para coroar, talvez a maior atração da Capadócia, um passeio de balão de mais de uma hora num dia claro e gelado que nos permitiu rever do alto a maior parte das belezas que havíamos visto em terra.
A terceira e última etapa foi Éfesos, onde duas atrações nos esperavam. A primeira eram as ruínas de uma antiga cidade, edificada inicialmente pelos gregos e, posteriormente, por romanos e bizantinos. O que seria provavelmente uma visita interessantíssima acabou sendo prejudicada pela chuva torrencial que nos pegou logo nos primeiros momentos do passeio. A segunda era a casa onde se acredita que a Virgem Maria tenha morrido e vivido os últimos de sua vida. Apesar de a chuva ter amainado um pouco, continuava de forma intermitente, o que não tirou nossa emoção ao visitar o local.
Voltamos da Turquia vivamente impressionados com o que vimos. Um país com uma história extraordinária, onde vivem em paz pessoas de etnias e religiões diferentes, com um sistema político democrático bem consolidado, com uma economia que dá sinais de ter se estabilizado e com a expectativa, não exagerada, de ingressar na Comunidade Europeia. Essa expectativa já foi maior, e talvez tenha diminuído em razão das enormes dificuldades que vem sendo enfrentadas por alguns países da zona do euro.
Referências e indicações bibliográficas
GIANINI, Tatiana. Era complexo. Ficou mais. Veja, 11 de janeiro de 2012, pp. 72 – 74.
GÜLIAZ, Murat E. Capadócia: Patrimônio Mundial. Tradução de Malga di Paula. Istambul: Digital Dünyasi, 2012.
MAXWELL, Virginia. Lonely Planet: Istambul: guia da cidade. Tradução Bureau Translations. São Paulo: Globo, 2011.
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