Lições de viagem 4

Contrastes entre Brasil e Portugal

“Acredita, Brasil, nós não somos tão caretas assim.
Talvez não saibas mas, às vezes, em certas ocasiões,
até nos chamam o ‘Brasil da Europa’.”

José Luís Peixoto

Pouco mais de um ano se passou desde minha última visita a Portugal. Naquela oportunidade – maio de 2011 – participei da segunda edição das Conferências do Estoril, evento bianual promovido pela Câmara Municipal de Cascais que costuma reunir diversas figuras de proa dos cenários político, econômico, diplomático, cultural e empresarial de todo o mundo.

Voltei daquela viagem impressionado com duas coisas em especial: a primeira era a difícil situação atravessada por Portugal, pouco tempo antes das eleições legislativas que conduziram ao poder o candidato do PSD, Pedro Passos Coelho; a segunda era a excepcional imagem desfrutada pelo Brasil, que depois de décadas como o “patinho feio”, por conta da instabilidade política e da inflação crônica e elevada, passara a ser visto com enorme admiração em razão das transformações ocorridas em aproximadamente 25 anos, que permitiram que o País atravessasse o período mais acentuado da crise econômico-financeira sem grandes traumas, sendo dos últimos a ser por ela afetado e dos primeiros a iniciar seu processo de recuperação.

Esta nova visita deveu-se à defesa de minha dissertação no curso de mestrado em Criatividade e Inovação, na Universidade Fernando Pessoa.

Nesse intervalo de um ano, uma comparação dos aspectos que chamaram minha atenção na viagem passada revela aspectos que servem, no mínimo, para uma boa reflexão.

A situação de Portugal permanece marcada por enormes dificuldades, em especial no que se refere às questões envolvendo o trabalho. Além da falta de novas oportunidades, os ajustes realizados em atendimento às exigências das entidades que compõem a Troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) em contrapartida aos recursos liberados ao país, acabaram por comprometer os ganhos individuais e, por extensão, a renda da maior parte das famílias. Exemplos dessas medidas são a eliminação das gratificações como 13º e 14º salários, a suspensão do subsídio de Natal e a não concessão de aumentos salariais, tudo isso combinado com a elevação dos impostos. Em certos casos, essa somatória chega a representar até 40% da renda de um trabalhador.

Em decorrência disso, grande parte do espaço do noticiário veiculado pelos diferentes veículos de comunicação é destinada a esse assunto e aos debates sobre a melhor forma de enfrentar esse quadro com a participação de representantes das diferentes forças políticas. Ocorrem manifestações quase diariamente organizadas por sindicatos de diferentes categorias profissionais e, embora o governo eleito em junho de 2011 ainda disponha de certa credibilidade quanto à forma de conduzir a política econômica, a sensação que se tem é que essa credibilidade vai sendo minada à medida que as dificuldades permanecem acentuadas.

De quebra, há o forte desgaste do ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, figura importante do governo, acusado de ter obtido um título educacional (licenciatura) de forma questionável, fenômeno que já havia ocorrido com o primeiro-ministro socialista José Sócrates, obrigado a antecipar o final do seu governo no ano passado.

Já a imagem do Brasil permanece boa, porém já não com a mesma intensidade de um ano atrás. As notícias sobre o fraco desempenho da economia em 2011 – que deverá se repetir em 2012 –, os sinais de progressivo abandono da política econômica que deu bons resultados nos governos de Fernando Henrique Cardoso e Lula, as intervenções frequentes do Executivo alterando as “regras do jogo” e os casos de corrupção que se sucedem constantemente não têm passado despercebidas pelos analistas portugueses.

E, para complicar, parece cada vez mais clara certa impaciência – para dizer o mínimo – com certa arrogância dos brasileiros, que muitas vezes olham para os portugueses com indisfarçável tom de superioridade.

A matéria Carta aberta ao Brasil, de onde extraí a epígrafe deste artigo, publicada na edição da semana passada da revista Visão, é prova inconteste dessa impaciência.

E, convenhamos, depois de viajar pelas excelentes estradas portuguesas, de andar pelas ruas da cidade do Porto, da Vila de Óbidos, de Sintra e de Lisboa sem sinais aparentes de miséria e sem qualquer preocupação com segurança, além da boa educação de todos os que nos atenderam, minha mulher e eu voltamos achando que os brasileiros realmente estão “se achando”. É bom tomar cuidado!

 

 

 

Referências e indicações bibliográficas

CORREIA, Alexandra e TEIXEIRA, Clara. Que vida nos resta para lá do défice? Visão, 12 de julho de 2012, pp. 52-55.

GALOPE, Francisco e LUÍS, Sara Belo. De como Relvas se fez dr. Visão, 12 de julho de 2012, pp. 46-50.

MÜNCHAU, Wolfgang. Crise da zona do euro vai durar 20 anos. Visão, 12 de julho de 2012, pp. 14-15.

PEIXOTO, José Luís. Carta aberta ao Brasil. Visão, 12 de julho de 2012, p. 2.

PIRES, Luís Reis. Exportações nacionais sofrem com vaga de austeridade em Espanha. Diário Económico, 12 de julho de 2012, pp. 14-15.

RODRÍGUEZ-MARTÍN, Xavier. Acupunctura Económica. Diário Económico, 12 de julho de 2012, p. 15.

 

Referências e indicações webgráficas

CAVALEIRO, Diogo. Já há apostas sobre demissão de Miguel Relvas. Disponível em www.jornaldenegocios.pt/home.php?templat…WS_V2&id=568411.

IRÁ Miguel Relvas demitir-se do cargo de Ministro? Disponível em www.record.xl.pt/Modalidades/Apostas/int…x?content_id=767936.