A GLOBALIZAÇÃO DA ECONOMIA MUNDIAL

 

Luiz Alberto Machado[1]

 

Poucos temas mereceram tanto destaque nestes últimos 20 anos quanto o da globalização. Poucos foram, também, tão polêmicos e geraram tanta controvérsia. Há, entre os mais respeitados intelectuais de todo o mundo, inúmeros que enxergam a globalização a partir de um prisma positivo; mas há também, em igual quantidade ou até maior, os que a veem de forma bastante crítica.

Quanto mais me aprofundo na análise da globalização, mais me convenço de que se trata de um fenômeno predominantemente das comunicações. Embora seus reflexos alterem profundamente as relações econômicas, sua origem encontra-se, a meu juízo, no campo das comunicações. Nesse particular, minha posição se assemelha à do prof. Eduardo Giannetti, que realça o binômio “aceleração do tempo” e “integração do espaço” como um dos traços mais marcantes da globalização, em oposição à do prof. Antônio Corrêa de Lacerda, que se utiliza inclusive da expressão “globalização econômica”.

Entre os autores que se referem à questão da globalização como um fato concreto, citaria François Chesnais, que prefere  o termo mundialização a globalização, por entender que corresponde com maior exatidão à essência da expressão inglesa “globalização”, que, nas suas palavras, “traduz a capacidade estratégica de todo grande grupo oligopolista, voltado para a produção manufatureira ou para as principais atividades de serviços, de adotar, por conta própria, um enfoque e conduta ‘globais’”. Além dele, outros nomes destacados que se referem à globalização como um fato concreto e irreversível são Rubens Ricupero, Paulo Roberto de Almeida, Ernesto Lozardo e Jagdish N. Bhagwati, este último, autor de um livro em que faz dela veemente defesa.

Para realçar o caráter polêmico da globalização, menciono alguns de seus críticos entre os quais sobressaem os nomes de Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia e ex-vice-presidente do Banco Mundial, e do investidor George Soros. Entre os brasileiros, o prof. Paulo Nogueira Batista Jr. é dos que mais têm questionado a globalização, por considerar limitado o recente processo de internacionalização. Para ele, em que pese a rápida expansão das transações econômico-financeiras internacionais, a hegemonia dos mercados continua sendo de ordem interna, que absorve cerca de 80% de tudo o que é produzido no mundo. As economias nacionais também geram 90% dos empregos, e os investimentos realizados ainda são financiados preponderantemente pela poupança interna, responsável por 95% dos financiamentos das inversões. O prof. Reinaldo Gonçalves, da UFRJ, é outro que tem uma visão crítica da globalização. Seu ceticismo quanto às possíveis vantagens da globalização para o Brasil fica evidente quando afirma que “a causa básica da globalização econômica é a necessidade das economias desenvolvidas de expandir seus mercados”.

Polêmica à parte, alinho-me aos que acreditam que o fenômeno é real e irreversível e, sendo assim, nada melhor do que procurar compreendê-lo em toda a sua extensão para, a partir daí, tentar aproveitar ao máximo as oportunidades que ele apresenta ou, na pior das hipóteses, minimizar os prejuízos que ele possa vir a acarretar.

Segue-se, portanto, uma caracterização da globalização, acompanhada de um breve exame dos fatores cuja importância aumenta com ela, assim como daqueles que têm sua importância reduzida. Para tanto, tomo por base um artigo elaborado pelo prof. Eduardo Giannetti para um seminário realizado em 1996. Apesar do tempo decorrido, o texto segue extremamente atual e oportuno. Nele, Giannetti afirma que a globalização pode ser entendida como resultante da conjunção de três forças poderosas: a terceira revolução tecnológica (tecnologias ligadas à busca, processamento, difusão e transmissão de informações; inteligência artificial; engenharia genética); a formação de áreas de livre comércio e blocos econômicos integrados (União Europeia, Nafta, Mercosul etc.); e a crescente interligação e interdependência dos mercados físicos e financeiros em escala planetária.

Mesmo reconhecendo o desgaste do termo paradigma, no sentido atribuído a ele por Thomas Khun – “paradigmas são as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência” – em razão do uso excessivo e inadequado que lhe conferiu certa banalização, acredito que a globalização significou uma efetiva mudança de paradigma e, em consequência disso, como ocorre sempre que há uma mudança de tal magnitude, há uma acentuada oscilação da importância de alguns fatores, com o aumento da importância de alguns e a redução da importância de outros, lembrando o movimento de uma gangorra.

Nessa gangorra, ganharam importância com a globalização: aestabilidade e a previsibilidade macroeconômicas; o investimento em capital humano, ou seja, gente bem preparada, com bom nível de qualificação, fator indispensável para interagir com as novas tecnologias; e agilidade e flexibilidade empresarial. No mundo globalizado e altamente competitivo, acesso à informação deixou de ser handicap, uma vez que ela está disponibilizada para todos. Sendo assim, o que se torna essencial é saber como processar as informações e, com base nisso, tomar as decisões no momento adequado, se possível antecipando-se aos concorrentes. Portanto, a inovação é uma ambição de todos os atores desse novo cenário e, para obtê-la, cresce cada vez mais a importância da criatividade, definida por Charles “Chic” Thompson como “a capacidade de olhar para a mesma coisa que todos os outros, mas ver algo de diferente nela”.

Simultaneamente, perderam importância com a globalização: a mão-de-obra barata e a abundância dos recursos naturais como fatores de competitividade e atração de investimento direto estrangeiro; a autossuficiência econômica como objetivo nacional; e anoção de Estado Nacional soberano. Considerando, de um lado, o tempo e a distância que praticamente deixaram de ser obstáculos às transações internacionais e, de outro, o elevado custo em P&D para produzir, em condições mínimas de qualidade e preço, artigos cada vez mais sofisticados, torna-se verdadeiramente incompreensível imaginar um país que estabeleça como objetivo nacional a autossuficiência econômica ou que encare as transações realizadas entre blocos econômicos como uma ameaça à soberania nacional.

Olhando em retrospectiva para os acontecimentos dos últimos 20 anos, é impossível deixar de reconhecer que as enormes transformações de natureza tecnológica e organizacional interferiram significativamente nos padrões de competitividade em nível internacional. A propagação dessas novas bases tecnológicas só se viabilizou, porém, graças ao processo de desregulamentação e da progressiva redução das barreiras ao comércio internacional.

Concluindo, gostaria de assinalar que nesse novo cenário, no qual o papel do Estado ainda vem sendo amplamente discutido, uma coisa parece certa: haja o que houver, a sociedade não voltará jamais a aceitar nem um Estado inchado, ineficiente e perdulário, como aquele que prevaleceu no Brasil até o início da década de 1990, nem inflações elevadas e crônicas decorrentes de déficits fiscais sistemáticos. Em seu lugar, haverá necessidade de um tipo de Estado de proporções mais reduzidas, com estruturas flexíveis e aptas a dar respostas aos anseios da sociedade, com elevado padrão de eficiência. Em suma, um Estado capaz de garantir a provisão dos bens e serviços indispensáveis ao desenvolvimento e ao bem-estar social, sem ser, necessariamente, o provedor exclusivo desses bens e serviços, como bem observam Osborne e Gaebler no livro Reinventando o Governo. Importante frisar que essa observação vale para os níveis federal, estadual e municipal. 

 

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[1] O autor é economista, mestre em Criatividade e Inovação, vice-diretor da Faculdade de Economia da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) e vice-presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon).

 

Para realçar o caráter polêmico da globalização, menciono alguns de seus críticos entre os quais sobressaem os nomes de Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia e ex-vice-presidente do Banco Mundial, e do investidor George Soros. Entre os brasileiros, o prof. Paulo Nogueira Batista Jr. é dos que mais têm questionado a globalização, por considerar limitado o recente processo de internacionalização. Para ele, em que pese a rápida expansão das transações econômico-financeiras internacionais, a hegemonia dos mercados continua sendo de ordem interna, que absorve cerca de 80% de tudo o que é produzido no mundo. As economias nacionais também geram 90% dos empregos, e os investimentos realizados ainda são financiados preponderantemente pela poupança interna, responsável por 95% dos financiamentos das inversões. O prof. Reinaldo Gonçalves, da UFRJ, é outro que tem uma visão crítica da globalização. Seu ceticismo quanto às possíveis vantagens da globalização para o Brasil fica evidente quando afirma que “a causa básica da globalização econômica é a necessidade das economias desenvolvidas de expandir seus mercados”.

Polêmica à parte, alinho-me aos que acreditam que o fenômeno é real e irreversível e, sendo assim, nada melhor do que procurar compreendê-lo em toda a sua extensão para, a partir daí, tentar aproveitar ao máximo as oportunidades que ele apresenta ou, na pior das hipóteses, minimizar os prejuízos que ele possa vir a acarretar.

Segue-se, portanto, uma caracterização da globalização, acompanhada de um breve exame dos fatores cuja importância aumenta com ela, assim como daqueles que têm sua importância reduzida. Para tanto, tomo por base um artigo elaborado pelo prof. Eduardo Giannetti para um seminário realizado em 1996. Apesar do tempo decorrido, o texto segue extremamente atual e oportuno. Nele, Giannetti afirma que a globalização pode ser entendida como resultante da conjunção de três forças poderosas: a terceira revolução tecnológica (tecnologias ligadas à busca, processamento, difusão e transmissão de informações; inteligência artificial; engenharia genética); a formação de áreas de livre comércio e blocos econômicos integrados (União Europeia, Nafta, Mercosul etc.); e a crescente interligação e interdependência dos mercados físicos e financeiros em escala planetária.

Mesmo reconhecendo o desgaste do termo paradigma, no sentido atribuído a ele por Thomas Khun – “paradigmas são as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência” – em razão do uso excessivo e inadequado que lhe conferiu certa banalização, acredito que a globalização significou uma efetiva mudança de paradigma e, em consequência disso, como ocorre sempre que há uma mudança de tal magnitude, há uma acentuada oscilação da importância de alguns fatores, com o aumento da importância de alguns e a redução da importância de outros, lembrando o movimento de uma gangorra.

Nessa gangorra, ganharam importância com a globalização: a estabilidade e a previsibilidade macroeconômicas; o investimento em capital humano, ou seja, gente bem preparada, com bom nível de qualificação, fator indispensável para interagir com as novas tecnologias; e agilidade e flexibilidade empresarial. No mundo globalizado e altamente competitivo, acesso à informação deixou de ser handicap, uma vez que ela está disponibilizada para todos. Sendo assim, o que se torna essencial é saber como processar as informações e, com base nisso, tomar as decisões no momento adequado, se possível antecipando-se aos concorrentes. Portanto, a inovação é uma ambição de todos os atores desse novo cenário e, para obtê-la, cresce cada vez mais a importância da criatividade, definida por Charles “Chic” Thompson como “a capacidade de olhar para a mesma coisa que todos os outros, mas ver algo de diferente nela”.

Simultaneamente, perderam importância com a globalização: a mão-de-obra barata e a abundância dos recursos naturais como fatores de competitividade e atração de investimento direto estrangeiro; a autossuficiência econômica como objetivo nacional; e a noção de Estado Nacional soberano. Considerando, de um lado, o tempo e a distância que praticamente deixaram de ser obstáculos às transações internacionais e, de outro, o elevado custo em P&D para produzir, em condições mínimas de qualidade e preço, artigos cada vez mais sofisticados, torna-se verdadeiramente incompreensível imaginar um país que estabeleça como objetivo nacional a autossuficiência econômica ou que encare as transações realizadas entre blocos econômicos como uma ameaça à soberania nacional.

Olhando em retrospectiva para os acontecimentos dos últimos 20 anos, é impossível deixar de reconhecer que as enormes transformações de natureza tecnológica e organizacional interferiram significativamente nos padrões de competitividade em nível internacional. A propagação dessas novas bases tecnológicas só se viabilizou, porém, graças ao processo de desregulamentação e da progressiva redução das barreiras ao comércio internacional.

Concluindo, gostaria de assinalar que nesse novo cenário, no qual o papel do Estado ainda vem sendo amplamente discutido, uma coisa parece certa: haja o que houver, a sociedade não voltará jamais a aceitar nem um Estado inchado, ineficiente e perdulário, como aquele que prevaleceu no Brasil até o início da década de 1990, nem inflações elevadas e crônicas decorrentes de déficits fiscais sistemáticos. Em seu lugar, haverá necessidade de um tipo de Estado de proporções mais reduzidas, com estruturas flexíveis e aptas a dar respostas aos anseios da sociedade, com elevado padrão de eficiência. Em suma, um Estado capaz de garantir a provisão dos bens e serviços indispensáveis ao desenvolvimento e ao bem-estar social, sem ser, necessariamente, o provedor exclusivo desses bens e serviços, como bem observam Osborne e Gaebler no livro Reinventando o Governo. Importante frisar que essa observação vale para os níveis federal, estadual e municipal.