Desindustrialização ou mudança de paradigma?
Luiz Alberto Machado[i]
Muito se tem debatido, nos últimos dois ou três anos, sobre a desindustrialização que estaria ocorrendo no Brasil, fenômeno associado a outro identificado como reprimarização da economia.
De acordo com os defensores dessa tese, a própria política econômica praticada por longo período, caracterizada pelo binômio juros altos e câmbio sobrevalorizado, contribuiu para isso, comprometendo a competitividade da indústria nacional e favorecendo a importação de insumos, produtos de consumo e bens de capital de diversos países, em especial da China. Em consequência dessa redução relativa da participação da indústria (setor secundário) no Produto Interno Bruto (PIB), o Brasil estaria voltando ao passado e dependendo cada vez mais da produção e exportação de alimentos e matérias-primas, ou seja, do setor primário.
Como em diversos momentos a evolução dos preços dos produtos primários não acompanhou a dos produtos industrializados e a dos bens de capital, essa reprimarização torna o Brasil vulnerável às flutuações do comércio internacional, numa reedição da situação que prevaleceu por período considerável do século XX.
Não raras vezes, simpatizantes desse ponto de vista, quer do meio empresarial, quer do meio acadêmico, vieram a público manifestando sua indignação com a inação do governo que, a seu juízo, estava de mãos atadas em função dos interesses dominantes do capital financeiro e do modelo hegemônico neoliberal.
De tanto ouvir a mesma história, muita gente pegou carona nessa tese, sem se preocupar em fazer uma análise mais aprofundada do que estava ocorrendo.
Nos últimos tempos, porém, tem crescido o número de analistas – de diversas áreas e tendências, que têm apresentado uma interpretação distinta do fenômeno em curso.
Muitos desses analistas partem de uma visão da história que considera normal o fortalecimento do setor de serviços da economia a partir de um determinado estágio do processo de desenvolvimento de cada país.
Entre outros autores, enquadram-se nesse grupo nomes como o de W. W. Rostow e de Alvin Toffler. O primeiro é autor do célebre Etapas do crescimento econômico, que tem o sugestivo subtítulo Uma teoria não comunista. Sua teoria – na esteira das teorias baseadas na visão linear do processo de desenvolvimento – afirmava originalmente que as nações passariam por quatro estágios até atingirem o último deles, a sociedade de consumo de massa, o mais elevado possível na escala. Para chegar a esse quinto estágio, seria necessário passar pelo terceiro, chamado por ele de decolagem (take off) e pelo quarto, intitulado marcha para a maturidade. Nesses três estágios (terceiro, quarto e quinto) o papel do setor secundário era preponderante. Posteriormente, Rostow acrescentou um sexto estágio, a que chamou de sociedade de serviços, caracterizado exatamente pelo aumento da participação relativa do setor terciário na economia da nação.
O segundo a se referir a esse fenômeno com outra denominação é Alvin Toffler, no best seller A terceira onda. Segundo Toffler, a primeira onda corresponde à revolução agrícola, simbolizada pela passagem do nomadismo para a sociedade agrícola-pastoril. A segunda onda corresponde à revolução industrial, simbolizada pela energia a vapor e pela mecanização da produção. Toffler não considera a mudança da matriz energética – do carvão vegetal para a eletricidade e o petróleo uma nova onda, mas sim a extensão da segunda onda. A terceira onda, que está em curso, é marcada pela transição da economia industrial para a economia de serviços.
Outro autor que tem uma abordagem diferenciada e muito interessante é Richard Florida, guru da economia criativa. No livro O grande recomeço, publicado em 2010, ele afirma que a crise econômico-financeira que estamos vivendo, que teve início em 2007 no sistema hipotecário norte-americano, é extremamente grave. Florida afirma que para muitos analistas a crise atual só encontra paralelo nas crises de 1870 e de 1930. A crise de 1870, cujos efeitos se fizeram sentir por quase três décadas, marcou a consolidação da primeira revolução tecnológica. A de 1930, iniciada com o crash da Bolsa de Nova York em 1929, estende-se por toda a década seguinte, emendando-se com a Segunda Grande Guerra, e permitiu a consolidação da segunda revolução industrial ou tecnológica.
Em ambos os casos, o que se viu depois da recuperação foi algo diferente do que existia antes, confirmando, em certo aspecto, a teoria da destruição criativa de Joseph Schumpeter.
Para Florida, a crise que estamos vivendo agora, cujos efeitos deverão se estender por pelo menos uma década, é a crise que marca o fim do predomínio da economia da segunda revolução industrial e a passagem para uma nova realidade, que tem na economia criativa um de seus elementos mais relevantes.
Se aqueles que identificam no que estamos vivendo como desindustrialização estiverem corretos, o processo será passageiro e a recuperação permitirá o ressurgimento de uma realidade semelhante ou muito parecida com aquela vigente antes do início da crise.
Por outro lado, se a visão de Richard Florida estiver correta, o que estamos vivendo é, na verdade, uma mudança de paradigma, no sentido atribuído por Thomas Khun no também clássico A estrutura das revoluções científicas. De acordo com Khun, “paradigmas são as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência”. Nesse caso, a realidade predominante ao final da crise não será a mesma de antes, e muitos dos setores importantes da produção liderada pelo setor industrial serão substituídos por novos setores de atividade, com maior participação do setor de serviços e de novos segmentos da indústria, entre os quais o da tecnologia da informação (TI), com destaque para a produção de softwares e de games.
Referências
FLORIDA, Richard. O grande recomeço: as mudanças no estilo de vida e de trabalhos que podem levar à prosperidade pós-crise. Rio de Janeiro. Elsevier, 2010.
KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1982.
ROSTOW, W. W. Etapas do desenvolvimento econômico: um manifesto não comunista. 5ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1974.
SCHUMPETER, Joseph A. Teoria do desenvolvimento econômico: uma investigação sobre lucros, capital, crédito, juro e o ciclo econômico. São Paulo: Abril Cultural, 1982. (Os Economistas)
TOFFLER, Alvin. A terceira onda. 29ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2007.
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[1] Economista (Universidade Mackenzie) e mestre em Criatividade e Inovação (Universidade Fernando Pessoa). É vice-diretor da Faculdade de Economia da FAAP e assessor da presidência da São Paulo Turismo.
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