Economia criativa: definições, impactos e desafios
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Luiz Alberto Machado[1]
Resumo: Entendida como ferramenta de obtenção de diferencial competitivo, a inovação – e sua matéria-prima básica, a criatividade – passaram a ter sua importância cada vez mais reconhecida a partir do final do século XX, para se transformar em verdadeira unanimidade na economia globalizada, caracterizada, entre outras coisas, pela acirrada competitividade. A economia criativa se constitui na mais recente linha de pesquisa dentro do processo de evolução da criatividade e representa um passo a mais na direção da consolidação e da maturidade da criatividade enquanto área do conhecimento e também no sentido de uma visão mais abrangente, voltada à solução de problemas sociais e formulação de políticas públicas.
Palavras-chave: economia criativa, criatividade, inovação, cidades criativas, competitividade, desenvolvimento e sustentabilidade.
Introdução
Há quase vinte anos, em 1993 para ser preciso, fui convidado a integrar um grupo de professores da FAAP que iria participar da 39ª edição do CPSI – Creative Problem Solving Institute, um dos maiores encontros do mundo sobre solução criativa de problemas, que durante muitos anos foi realizado no campus de Buffalo na Universidade de Nova York. Atualmente, o evento segue sendo realizado, porém em sedes alternadas.
Iniciava-se ali, sem que eu sequer imaginasse, uma nova etapa da minha vida, na qual minhas atividades estariam cada vez mais relacionadas com um tema fascinante, embora até então muito pouco conhecido e difundido no Brasil, o da criatividade.
Da simples utilização de algumas técnicas nas aulas de História do Pensamento Econômico, disciplina por mim lecionada na Faculdade de Economia, que era o objetivo inicial da Diretoria da FAAP ao patrocinar a ida daquele grupo de professores aos Estados Unidos, passei a ser professor da própria disciplina Criatividade, a partir do momento em que ela passou a integrar a grade curricular dos cursos de graduação e de pós-graduação da Fundação.
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[1] Luiz Alberto Machado é economista formado pelo Mackenzie (1977), com especialização em Desenvolvimento Latino-Americano pela Boston University; Criatividade pela Creative Education Foundation; Ensino e Aprendizagem Acelerada, pela International Alliance for Learning. Máster em Tecnologia Educacional pela Fundação Armando Alvares Penteado. Vice-diretor e professor titular da Faculdade de Economia da FAAP. E-mail: eco-diretor@faap.br.
Como o número de especialistas no assunto era relativamente pequeno no Brasil, não tardaram a surgir convites para palestras e conferências em diversas partes, assim como requisição para entrevistas a diferentes veículos de comunicação.
Para atender a essa gama crescente de solicitações, fui me enfronhando mais e mais no assunto, a ponto de ter acabado de concluir um curso de mestrado em Criatividade e Inovação, oferecido em parceria pela FAAP e pela Universidade Fernando Pessoa, de Portugal.
O presente artigo, que focaliza a mais recente linha de pesquisa da criatividade, conhecida pelo nome de economia criativa, espelha um pouco dessa trajetória pessoal, razão pela qual está redigido na primeira pessoa, contrariando a boa técnica de um artigo científico. Ele começa com uma contextualização histórica, na qual busco explicar as razões pelo surgimento do interesse e posterior reconhecimento da importância da criatividade no Brasil.
A seguir, apresento uma rápida visão da evolução do conceito de criatividade, com uma breve descrição de suas principais linhas de pesquisa.
Seguem-se abordagens da economia criativa e das cidades criativas, nas quais procuro apontar sua importância estratégica num mundo que irremediavelmente tem que se preocupar com a questão da sustentabilidade.
Encerrando o artigo, indico alguns dos desafios à consolidação da economia criativa e à implantação e fortalecimento das cidades criativas.
- Contextualização histórico-econômica
Para que se tenha uma ideia precisa da importância da criatividade, da inovação e da economia criativa no Brasil, é necessário fazer um rápido retrospecto da nossa trajetória histórico-econômica.
E para não recuar demasiadamente no tempo, utilizarei como referencial as conclusões de um dos mais respeitados analistas do desenvolvimento, o inglês Angus Maddison, que publicou, em 1987, o estudo World Economic Performance since 1870. Neste estudo, Maddison comparou o desempenho de dez das mais representativas economias do mundo, as cinco principais da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), ou seja, do grupo das industrializadas (Estados Unidos, Alemanha, Japão, França e Reino Unido) e as cinco maiores de fora da OCDE (Rússia, China, Índia, Brasil e México).
Como bem observou o embaixador Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da FAAP, no livro O Brasil e o dilema da globalização, (2001) “o período de medição era bastante dilatado para descontar variações conjunturais, episódicas ou temporárias, pois abarcava mais de um século, os 116 anos que se estendiam de 1870 (fim da Guerra do Paraguai) até 1986. A conclusão foi que o melhor desempenho tinha sido o brasileiro, com a média anual de 4,4% de crescimento; em termos per capita, o Japão ostentava o resultado mais alto, com 2,7%, mas o Brasil, não obstante a explosão demográfica daquela fase, vinha logo em segundo lugar, com 2,1% de expansão por ano. É bem provável que os resultados tivessem sido muito diferentes se fosse incluído o período posterior a 1987, que coincidiu com a forte desaceleração brasileira e o espetacular crescimento da China”.
O divisor de águas foi a década de 1980, que se tornou conhecida na América Latina como “década perdida”, o que é facilmente explicado pelo desempenho econômico dos países da região apresentado na tabela 1, extraída do livro Qual Democracia?, de Francisco Weffort (1992: 67).
1981 – 1989
Crescimento do PIB por Habitante
Tabela Francisco Weffort
América Latina | (8,3) | Chile | 9,6 |
Bolivia | (26,6) | Haiti | (18,6) |
Equador | (1,1) | Honduras | (12,0) |
México | (9,2) | Nicaragua | (33,1) |
Perú | (24,7) | Panamá | (17,2) |
Venezuela | (24,9) | Paraguai | 0,0 |
Argentina | (23,5) | Rep. Dominicana | 2,0 |
Brasil | (0,4) | Uruguai | (7,2) |
Colombia | 13,9 | Guatemala | (18,2) |
Costa Rica | (6,1) | El Salvador | (17,4) |
(*) O índice geral, elaborado pela CEPAL, inclui todos os países latino-americanos, não apenas os aqui listados. Não considera os dados de Cuba porque o conceito de produto social é diferente dos demais.
Tabela 1 – A Década Perdida
Entre outras revelações, o quadro mostra que apenas três países tiveram desempenho positivo no período, República Dominicana, Chile e Colômbia, e também que cada cidadão latino-americano saiu da referida década 8,3% mais pobre do que estava quando a década começou.
Trata-se, portanto, de um período que não traz boas recordações para muita gente que o vivenciou. Além da prolongada estagnação, boa parte dos países da região – o Brasil inclusive – teve que conviver por uma década ou mais com taxas altas de inflação e elevada pressão das dívidas, interna e externa.
O agravamento desse quadro coincidiu com o avanço do fenômeno que se tornou genericamente conhecido pelo nome de globalização, assim descrito pelo professor Eduardo Giannetti:
A globalização não é apenas palavra da moda, mas a síntese das transformações radicais pelas quais vem passando a economia mundial desde o início dos anos 80. Suas dimensões básicas, que estão revolucionando a atividade produtiva e o modo de vida neste fim de milênio, são a aceleração do tempo e a integração do espaço. O paradoxo é que embora façamos as coisas que desejamos em cada vez menos tempo, falte também cada vez mais tempo para fazer aquilo que desejamos. Quanto mais economizamos tempo, mais carecemos dele. (1996)
Prosseguindo em sua análise, Giannetti afirma que a globalização pode ser entendida como resultante da conjunção de três forças poderosas: “a terceira revolução tecnológica (tecnologias ligadas à busca, processamento, difusão e transmissão de informações; inteligência artificial; engenharia genética); a formação de áreas de livre comércio e blocos econômicos integrados (União Europeia, Nafta, Mercosul etc.); e a crescente interligação e interdependência dos mercados físicos e financeiros em escala planetária.
Portanto, o Brasil não tinha alternativa a não ser enfrentar – quase simultaneamente – os diversos desafios que tinha à sua frente. O primeiro desafio consistia em fazer a transição de um regime político autoritário para um democrático. O segundo consistia em abrir a nossa economia, depois de décadas com os mais variados tipos de restrição ao livre comércio. O terceiro consistia em fazer a travessia de uma economia fortemente instável, caracterizada pela inflação crônica, para uma economia estável, pré-requisito essencial para que o País se inserisse de maneira positiva na economia globalizada.
Felizmente para nós, brasileiros, o País se saiu razoavelmente bem no enfrentamento desses desafios, de tal forma que a situação hoje é bem mais favorável, em função de uma série de mudanças que ocorreram nos últimos 25 anos, com destaque para o processo de redemocratização, em meados da década de 1980, a abertura da economia, no início dos anos 1990, e a conquista da estabilidade, afinal obtida com o Plano Real, em 1994, pondo fim a um longo ciclo de planos de estabilização mal sucedidos.
Nesse novo contexto econômico os efeitos benéficos da concorrência logo se fizeram sentir. Ao contrário do que ocorrera anteriormente, o sucesso nos negócios deixou de depender de favores oficiais ou de reservas de mercado, quando o mais importante muitas vezes era ter bom trânsito entre os detentores do poder, e passou a depender cada vez mais da capacidade de produzir bens e serviços em condições de competir, em qualidade e preço, com a crescente concorrência, quer de empresas nacionais, que deram um enorme salto de qualidade, quer de empresas estrangeiras que passaram a ter oportunidade de atuar no Brasil.
Foi só a partir daí que se teve consciência da importância da criatividade e da inovação como ferramentas de obtenção de vantagem competitiva
2. Evolução do conceito de criatividade
O presidente George Bush fez uma afirmação às vésperas do início da década de 1990, que se mostrou extremamente acertada. Disse ele: “A década de 90 será a década do cérebro”.
A década de 90, última do século XX, foi efetivamente chamada por muitos analistas de “década do cérebro”. Por outros, de “década do conhecimento”, ou ainda de “década da inteligência”. Houve também quem a chamasse de “década da criatividade”. A rigor, todos estão certos, uma vez que há estreita relação entre todas essas denominações. O importante a se destacar de tudo isso é que ao chegar ao fim do século XX o homem havia se dado conta, definitivamente, da importância da criatividade para melhorar o seu próprio desempenho e, por extensão, da sociedade de uma forma geral.
O primeiro passo para tal consistiu em saber como funciona o nosso cérebro. Afinal, foi aí que tudo teve origem. O final do século XX viu o conhecimento sobre o cérebro humano deixar de ser assunto de um reduzido bando de especialistas para se transformar num assunto de interesse muito mais amplo, a ponto de se tornar matéria de capa das revistas de maior circulação no Brasil.
Conhecendo melhor o funcionamento do cérebro, foi possível ampliar o conhecimento sobre a criatividade e, com isso, diversos tabus foram caindo:
1º) A criatividade não é um dom natural, com o qual algumas pessoas nascem e outras não Þ Todos nós possuímos um potencial criativo a ser desenvolvido, independentemente da personalidade de cada um.
2º) Criatividade não pode ser confundida com magia Þ Isso implicaria em que as pessoas criativas seriam conhecedoras de algum truque ou algo do gênero, inacessível às pessoas comuns.
3º) Criatividade também não é mistério Þ Portanto, nada de imaginar que a fonte da criatividade seja algo misterioso ou secreto.
4º) Criatividade não significa loucura Þ As pessoas criativas não precisam ser ou aparentar ser loucas ou excêntricas.
Manifestações da criatividade humana nas mais diferentes áreas são muito antigas. No plano artístico, por exemplo, vale a pena conhecer as pinturas e os desenhos extraordinários de Giuseppe Arcimboldo, elaborados em pleno século XVI. Nascido em 1527, Arcimboldo se notabilizou por pintar rostos de figuras humanas por meio de elementos da natureza. Destaque nesse sentido, para as suas duas séries mais famosas, Estações e Quatro Elementos, ambas reproduzidas mais de uma vez.
Para diversos autores, entre os quais Mirshawka e Mirshawka Jr. (1992), Sousa (1998) e Alencar e Fleith (2003), pode-se afirmar que a criatividade vem sendo objeto de estudo desde tempos bastante remotos, embora só a partir do século XIX, principalmente com as afirmações de Milton Brad no Graham’s Magazine, em 1829, e Francis Galton, no livro Hereditary Genius, em 1870, comecem a surgir progressos dignos de registro.
Muito citado também, nessa fase ainda pioneira, é o francês Theódulo Ribot, que publicou em 1900 o livro A imaginação criadora, com noções embrionárias de pessoa e processos criativos.
O estudo sistemático da criatividade, porém, é bem mais recente. Além dos já mencionados Mirshawka e Mirshawka Jr. (1992), Sousa (1998) e Alencar e Fleith (2003), Saturnino de la Torre (1993), um dos mais proeminentes pesquisadores sobre o tema, afirma que o discurso de J. P. Guilford em 1950, quando presidente da Associação Americana de Psicologia, da qual ele era presidente, se constitui num verdadeiro divisor de águas.
Afirma de la Torre:
Não há dúvida de que suas palavras significam um marco que divide o estudo da criatividade em dois momentos. Se se nos permite, diríamos que até 1950 se estende a ‘idade antiga” da criatividade, caracterizada por trabalhos isolados, desconexos, de muitos estudiosos. A partir de 1950, começam a aparecer estudos sistemáticos. (1998: 71)
A tabela 2 revela os nomes dos principais estudiosos da “idade antiga”, subdivididos em áreas de concentração identificadas pelo próprio Saturnino de la Torre.
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1869 – 1889 – Francis Galton |
1925 – Lewis M. Terman |
1931 – Ralph K. White |
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1892 – W. H. Burnham |
1900 – Theodulo Ribot |
1903 – L. Dugas |
1907 – Henri Bergson |
1910 – Federico Queyrat |
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1900 – E. A. Kirkpatrick |
1902 – S. S. Colvin |
1916 – Laura Maria Chassell |
1922 – J. Boraas |
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1910 – J. Dewey |
1913 – Henri Poincaré |
1922 – R. M. Simpson |
1926 – Graham Wallas |
1931 – Joseph Rossman |
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1924 – M. P. Follett |
1927 – J. Abramson |
1927 – H. L. Hargreaves |
1930 – E. G. Andrews |
1930 – C. Spearman |
1931 – E. D. Hutchinson |
1933 – V. B. Grippen |
1934 – Robert Woodworth |
1935 – Catherine Patrick |
1935 – F. V. Markey |
1937 – W. R. D. Fairbairn |
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1938 – Joaquim Ruyra |
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1936 – N. C. Meier |
1939 – Ernest Harms |
1939 – C. E. Seashore |
1945 – C. C. Horn |
1945 – J. Hadamard |
1945 – Max Wertheimer |
1946 – Livinston Welch |
1946 – M. Graves |
1947 – Victor Lowenfeld |
1949 – George S. Welsh |
1949 – E. R. Hutchinson |
1949 – E. L. Thorndike |
1950 – H. H. Hart |
1950 – L. L. Thurstone |
1950 – Morris Stein |
Tabela 2 – O estudo da criatividade na Idade Antiga (anterior a 1950)
De 1950 para cá, as pesquisas se intensificaram, podendo-se falar na existência de cinco gerações de pesquisadores. A primeira, voltada para o “pensamento criativo”, enfatizava o desenvolvimento de habilidades (anos 50). Essa geração não conseguiu despertar o interesse da sociedade em geral para o tema da criatividade, razão pela qual os estudos e eventuais avanços ficaram restritos aos limites dos consultórios e das clínicas de psicólogos e neurocientistas que se debruçaram sobre ele. A noção de criatividade esteve nessa fase associada à capacidade de fazer algo diferente. Diversas definições surgiram, sendo a que mais me agrada a de Charles ‘Chic’ Thompson, “a capacidade de olhar a mesma coisa que todos os outros, mas ver algodiferente nela” (1993: 24), uma adaptação de duas citações do ganhador do Prêmio Nobel de Medicina de 1937, Albert Szent-Györgyi[2].
A segunda, voltada para a “solução criativa de problemas”, dava ênfase à produtividade, alertando, assim, para um fato relevante para o mundo dos negócios: a criatividade pode se constituir numa importante ferramenta para a obtenção de vantagem competitiva. Para essa geração, a criatividade incorpora um fator fundamental para quem vive num ambiente competitivo, a agregação de valor. A liderança desta geração esteve concentrada em Buffalo, no norte do estado de Nova York, onde se criou uma espécie de cluster, reunindo diversos centros de pesquisa e divulgação da criatividade, sendo a Creative Education Foundation uma das mais conhecidas.
Já a terceira geração dá ênfase à ideia da autotransformação, acreditando que uma pessoa não poderá desenvolver a criatividade, mudando a maneira de ver o mundo e de fazer as coisas, se antes ela não se transformar por dentro. Para tanto, é necessário investir primeiro no autoconhecimento; depois, uma vez estando a pessoa convencida da necessidade de desenvolver a criatividade, na autotransformação. A Universidade de Santiago de Compostela, tendo à frente o Prof. David de Prado, foi uma das pioneiras dessa geração com seu curso de Master en Creatividad Aplicada Total. Tais atividades prosseguem por meio do IACAT – Instituto Avanzado de Creatividad Aplicada Total (http://www.iacat.com/), atualmente vinculado à Universidade Fernando Pessoa, na cidade do Porto.
Passada a fase da disseminação da importância da criatividade, entramos, na década de 1990, numa nova etapa. Como diz Saturnino de la Torre, “a criatividade foi considerada como uma atitude ou qualidade humana pessoal e intransferível para gerar ideias e comunicá-las, para resolver problemas, sugerir alternativas ou simplesmente ir mais além do que se havia aprendido”.
A quarta etapa é bem diferente e aponta para novos desafios. Um século depois de seu nascimento, a criatividade se reveste de um caráter mais amplo. É como se a passagem
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[2]Albert Szent-György, é citado no livro The Scientist Speculates, de Irving Good (1962), como autor de duas citações. A primeira, sobre descoberta, é “Discovery consists of seeing what everybody has seen and thinking what nobody has thought”; a segunda, sobre pesquisa, é “Research is to see what everybody else has seen, and to think what nobody else has thought”.
para um novo século significasse a celebração da maioridade da criatividade, que sai da vida familiar acadêmica para abrir-se à vida social, como em outro tempo o fizeram a educação, a saúde ou a defesa do meio ambiente. De acordo com de la Torre, “a criatividade como valor social é marcada por um novo espírito, esta vez envolto em problemas de convivência entre as diferentes civilizações e culturas que conformam a humanidade. É preciso para isso um tipo de criatividade menos academicista e mais estratégica e atitudinal. Uma criatividade comprometida com a busca de soluções a problemas sociais, aberta à vida, à juventude, ao cotidiano”.
A quinta e última etapa, que se desenvolveu no início deste novo século, é representada pela economia criativa e sua origem reside na habilidade, criatividade e talentos individuais que, empregados de forma estratégica, têm potencial para a criação de renda e empregos por meio da geração e exploração da propriedade intelectual (PI). Tendo como principais expoentes Richard Florida e John Howkins e a UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) como uma de suas mais importantes divulgadoras, a economia criativa se caracteriza, a exemplo da etapa anterior, por uma visão mais abrangente, relacionada à produção de políticas públicas e ações de interesse social, capazes de gerar um significativo volume de empregos de qualidade.
Verifica-se, portanto, uma importante mudança: até a terceira geração, os estudos e pesquisas sobre criatividade estavam mais voltados para a dimensão individual; a quarta e a quinta gerações, por sua vez, revelam uma preocupação mais ampla, marcada pela busca de soluções para questões sociais e para a formulação de políticas públicas.
Atualmente, a criatividade ocupa espaço relevante, interagindo com diversos segmentos de atividade, como pode ser visto na figura 1.
Figura 1 – A criatividade no mundo atual.
- Economia criativa
Existe ainda certa controvérsia terminológica envolvendo expressões como “economia criativa”, “indústrias criativas” ou “economia da cultura”.
Eu mesmo comecei a ser alertado para a sua importância em 2005, quando tive a honra de passar a trabalhar, na Diretoria da Faculdade de Economia da FAAP, com o embaixador Rubens Ricupero, que nos nove anos anteriores havia ocupado o cargo de secretário-geral da UNCTAD. O embaixador utilizava o termo indústrias criativas e chamava atenção não apenas para o potencial do Brasil, por sua pujança econômica, sua diversidade étnica e social e sua efervescência cultural, mas também para o da própria FAAP, por sua origem ligada às artes plásticas e por seu conjunto de faculdades que inclui as áreas de Arquitetura e Urbanismo, Propaganda e Publicidade, Cinema, Radio e TV, Economia, Relações Internacionais, Moda e Computação.
De minha parte, no entanto, optarei ao longo do texto pela primeira delas, ou seja, “economia criativa”.
A economia criativa tem sua origem na habilidade, criatividade e talentos individuais que, empregados de forma estratégica, têm potencial para a criação de renda e empregos por meio da geração e exploração da propriedade intelectual (PI).
Seguem-se as definições de algumas das entidades que têm se dedicado ao tema:
A UNESCO trabalha com o conceito de economia da cultura, que engloba atividades relacionadas “à criação, produção e comercialização de conteúdos que são intangíveis e culturais em sua natureza e que estão protegidos pelo direito autoral e podem tomar a forma de bens e serviços. São intensivos em trabalho e conhecimento e estimulam a criatividade e incentivam a inovação dos processos de produção e comercialização”.
Para a UNCTAD, a economia criativa “é um dos setores mais dinâmicos do comércio internacional, gera crescimento, empregos, divisas, inclusão social e desenvolvimento humano. É o ciclo que engloba a criação, produção e distribuição de produtos e serviços que usam o conhecimento, a criatividade e o ativo intelectual como principais recursos produtivos”.
O Reino Unido trabalha com o conceito de indústrias criativas, definidas pelo seu Department of Culture, Media and Sport em 2001 como “aquelas indústrias que têm sua origem na criatividade, na habilidade e nos talentos individuais e que têm o potencial para a geração de riqueza e de trabalho por intermédio da criação e da exploração da propriedade intelectual: propaganda, arquitetura, mercados de arte e antiguidades, artesanato, design, design de moda, filme e vídeo, softwares interativos de lazer, música, artes performáticas, publicações, software e serviços de computação, televisão e rádio. É diferente de país para país”.
O Relatório Anual de 2010 da UNCTAD, que serviu de referência para uma série de informações contidas neste artigo, apresenta um quadro bastante abrangente com os sistemas de classificação das economias criativas derivadas de diferentes modelos (tabela 3).
Tabela 3 – Sistemas de classificação das economias criativas derivadas
de diferentes modelos
Em síntese, podemos considerar a economia criativa como sendo a essência da economia do conhecimento, onde consumidores e criadores se confundem, assim como as empresas são ao mesmo tempo provedoras e consumidoras de serviços e bens sofisticados. Consumidores mais sofisticados obrigam as empresas a se sofisticarem e, ao fazê-lo, as empresas geram empregos e renda que estimulam novas demandas.
3.1. A economia criativa como estratégia de desenvolvimento e sustentabilidade
A economia criativa é, segundo tendências mundiais, o grande motor do desenvolvimento no século XXI.
Segundo a ONU é um setor que já é responsável por 10% do PIB mundial.
A UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) divulga que, entre 2000 e 2005, os produtos e serviços criativos mundiais cresceram a uma taxa média anual de 8,7%, o que significa duas vezes mais do que manufaturas e quatro vezes mais do que a indústria.
De forma muito simplificada, podemos dizer que se trata de um setor que reúne as atividades que têm, na cultura e criatividade, a sua matéria-prima.
Pensando em termos de Brasil, podemos afirmar que a economia criativa se constitui num conceito amplo o suficiente para incluir nossa diversidade, tanto de linguagem quanto de modelos de negócios, englobando uma vasta gama que vai do indivíduo que trabalha na educação complementar por meio de música a uma grife de roupas ou de automóveis de luxo.
Em entrevista recém-concedida à Fundação Verde Herbert Daniel, ligada ao Partido Verde (PV), Cláudia Leitão, titular da Secretaria da Economia Criativa (SEC), vinculada ao Ministério da Cultura, afirmou que “segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a participação dos setores criativos no PIB do Brasil atingiu em 2010 o montante de R$ 95,157 bilhões, ocupando cerca de 4.287.264 do total de trabalhadores do país”. A essa informação de caráter mais geral, acrescentou: “Estes dados são ampliados quando levamos em consideração que os mesmos correspondem aos resultados de uma economia formal. Um grande percentual dos empreendimentos e profissionais dos setores criativos brasileiros atua na informalidade. Porém, a equipe da Secretaria da Economia Criativa esteve reunida com o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada) e com o IBGE para firmar parcerias e incluir em sua rotina pesquisas sistêmicas ao setor”.
3.2. Por que a economia criativa é estratégica?
O grande diferencial da economia criativa é que ela promove desenvolvimento sustentável e humano e não mero crescimento econômico.
Quando trabalhamos com criatividade e cultura, atuamos simultaneamente em quatro dimensões: econômica (em geral, a única percebida), social, simbólica e ambiental.
Portanto, uma das características mais marcantes da economia criativa reside em seu caráter multidisciplinar, como pode ser observado na figura 3, adaptada do original da apresentação de Edna dos Santos-Duisenberg, chefe do Programa Economia Criativa da UNCTAD. (2008)
Figura 3 – Dimensão de desenvolvimento da Economia Criativa
As características citadas permitem que, ao promover a inclusão de segmentos periféricos da população mundial, ela também forme mercados.
Afinal, não é mais possível só brigar por fatias de um mercado que englobem apenas 30 a 40% da população mundial. É preciso fazer com que os 60 a 70% restantes adquiram cidadania de fato, conquistando também seu papel como consumidor.
Uma vez que cultura, criatividade e conhecimento (matérias-primas da economia criativa) são os únicos recursos que não se esgotam, mas se renovam e multiplicam com o uso, são estratégicos para a sustentabilidade do planeta, de nossa espécie e, consequentemente, das empresas também.
Vale a pena observar que esse caráter de inesgotabilidade dos recursos básicos da economia criativa abre a perspectiva de um novo paradigma para a teoria econômica e para as teorias de desenvolvimento socioeconômico, uma vez que, até agora, o paradigma predominante considerava limitados os recursos básicos utilizados nessas teorias: a terra (recursos naturais), o trabalho (recursos humanos) e o capital (financeiro e tecnológico).
Como bem observa o professor Mario Pascarelli, coordenador geral dos cursos de pós-graduação Gerente de Cidade: “A economia criativa é como a galinha de ovos de ouro. Os países desenvolvidos já perceberam o enorme potencial deste setor e muitos fizeram da economia criativa uma questão de Estado”.
O Brasil possui um imenso potencial, mas a falta de informação de lideranças empresariais e governamentais resulta numa triste receita da culinária nacional: estamos fazendo canja com galinha de ovos de ouro. Isso acontece a cada vez que perdemos a oportunidade de inovar, agregar valor e competitividade por meio de investimentos em produtos e processos que tenham seu diferencial na cultura.
4. Cidades criativas
À medida que o conceito de economia criativa foi ganhando força e se disseminando internacionalmente, diversas cidades (e regiões) tomaram a decisão de apostar na ideia e de basear seu desenvolvimento, parcial ou integralmente, no enorme potencial que ela possui.
No dia 24 de janeiro de 2012, esteve em São Paulo uma das mais reconhecidas autoridades mundiais no tema “Cidades Criativas”, a britânica Anamaria Wills, que numa feliz iniciativa da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e do Serviço Social da Indústria (Sesi), proferiu a palestra Cidades Criativas – transformando a cidade por sua criatividade.
Na oportunidade, atuou como mediadora a economista Ana Carla Fonseca Reis, coautora do livro Economia da Cultura (2009) e autora de Desenvolvimento Sustentável: o Caleidoscópio da Cultura (2007), ganhador do Prêmio Jabuti 2007. Na apresentação da palestrante, Ana Carla fez questão de falar sobre a importância do tema, dizendo:
A economia criativa, ao reunir setores culturais e da economia do conhecimento, abrangendo design, propaganda, arquitetura, moda, software de lazer e outros, reforça a importância do reconhecimento das singularidades e das potencialidades para diferenciar produtos e serviços. Em diálogo íntimo com esse conceito, as cidades criativas também se baseiam em suas singularidades para catalisar um processo de mudança em um mundo cada vez mais globalizado, mas nem por isso mais integrado ou inclusivo. A transformação desse mundo em outro que desejamos parte da revisão dos espaços onde vivemos. Tema ainda em evolução no Brasil, as cidades criativas se apresentam com locais nos quais se busca a conciliação das dinâmicas econômicas, sociais, culturais e urbanísticas. Quimera? Talvez nem tanto. Em um estudo desenvolvido junto a 18 autores de 13 países, de perfis tão diversos como Taiwan e Noruega, Estados Unidos e África do Sul, pude constatar que há três traços comuns às cidades que se pretendem criativas, independentemente de sua escala, de sua história ou de sua situação socioeconômica. Inovações, conexões e cultura formam o tripé de uma cidade na qual a criatividade é vista como fator diferencial.
Charles Landry, verdadeira referência mundial no tema, afirma:
Uma cidade criativa demanda infraestruturas que vão além do hardware – edifícios, ruas ou saneamento. Uma infraestrutura criativa é uma combinação de hard e soft, incluindo a infraestrutura mental, o modo como a cidade lida com oportunidades e problemas; as condições ambientais que ela cria para gerar um ambiente e os dispositivos que fomenta para isso, por meio de incentivos e estruturas regulatórias.
Para ser criativa, a infraestrutura soft da cidade precisa incluir: força de trabalho altamente capacitada e flexível; pensadores, criadores e implementadores dinâmicos, já que a criatividade não se refere apenas a ter ideias; infraestrutura intelectual ampla, formal e informal – mesmo assim, muitas universidades que parecem fábricas com linhas de produção não ajudam; ser capaz de dar vazão a personalidades diferentes; comunicação e redes fortes, internamente e com o mundo exterior, bem como uma cultura geral de empreendedorismo, seja com fins sociais ou econômicos.
[…] Esse ambiente construído – o palco, o cenário, o recipiente – é crucial para criar um ambiente. Ele oferece as precondições físicas ou a plataforma sobre a qual a base de atividades ou o ambiente de trabalho pode se desenvolver. Esse ambiente criativo contém os requisitos necessários, em termos de infraestrutura hard e soft, para gerar um fluxo de ideias e invenções. (2011: 14)
Jordi Prado, por sua vez, que participou do Plano Estratégico da Cultura de Barcelona, considerada um ícone quando se pensa em cidade criativa, define cidade criativa como:
A cidade criativa é uma área urbana voltada à inovação e à cultura. Inovação é o resultado da implementação de critérios de viabilidade para a criatividade, que gera valores de mudança, melhoria e progresso em todas as atividades econômicas, sociais e culturais. (2011: 85)
Na sequência, analisando a relevância, a abrangência e a contemporaneidade do tema, complementa:
No início do século XXI, em um contexto de grandes e profundas mudanças econômicas, sociais e culturais, derivadas do colapso das fronteiras e geografias tradicionais, falamos das cidades criativas como um novo fenômeno, decorrente da transição das atividades econômicas ligadas à sociedade da informação e do conhecimento. É um processo de transformação sem precedentes, catalisado pela interconexão tecnológica e pela mobilidade global das pessoas, dos produtos e das ideias, que denominamos globalização e que tem efeitos negativos, mas também cria novas oportunidades. (2011: 87)
Considerando todos os aspectos já mencionados, constata-se que algumas cidades acabaram se transformando em verdadeiros ícones, sendo mencionadas frequentemente como exemplos de cidades criativas.
Dada a amplitude do conceito de economia criativa e a ampla quantidade de áreas por ela abarcada, o fator principal que as impulsionou transformando-as em exemplos de cidades criativas difere bastante. Por esse motivo, apresento, na sequência, alguns exemplos que considero relevantes de cidades criativas, tanto no Brasil como no exterior, com uma breve descrição de seus principais atrativos.
4.1. Parintins
Em 1994, na fase intermediária do Plano Real, enquanto ainda tínhamos a URV (Unidade Real de Valor) em pleno vigor, e, portanto, antes da introdução do real como moeda de curso legal, fui convidado a ministrar uma palestra sobre economia em Santarém, nas Faculdades Integradas do Tapajós (FIT). Mais por coerência do que por convicção, já que havia sido um crítico veemente dos planos anteriores de estabilização de caráter fortemente heterodoxo, em grande parte baseados no tabelamento de preços e no congelamento de salários, resolvi apostar no sucesso do Plano Real. Como a estabilização propiciada por ele se consolidou e se projetou no tempo, ao contrário do que havia acontecido com os planos anteriores, acabei sendo convidado várias outras vezes para retornar ao local. Numa delas, o convite foi para uma palestra no final de junho, numa parceria da FIT com a Fundação Esperança. Diante da minha estranheza com relação à data da palestra, por se tratar de final de semestre, quando normalmente as atenções dos estudantes se voltam para as provas e exames finais, recebi dos organizadores da palestra a resposta de que a época tinha sido escolhida “a dedo” e que eu iria ter uma surpresa, razão pela qual deveria reservar uns dois ou três dias a mais para lá permanecer.
Sem entender direito, fui para Santarém, proferi a palestra e, logo após, embarquei num daqueles barcos típicos da região amazônica e fui para Parintins. Como, naquela época, a Festa do Boi ainda não era muito conhecida, em especial nas outras regiões do Brasil, vivi uma das experiências mais fantásticas da minha vida assistindo à disputa entre as tradicionais agremiações do Caprichoso e do Garantido.
Retornando a São Paulo, contei a muitas pessoas o que havia visto e a eloquência era tal que muita gente achou que eu tinha enlouquecido ou havia sido contaminado por algum vírus regional. Quando, pouco depois, a Festa do Boi se tornou mais conhecida, passando a ser mostrada pela televisão para todo o Brasil, as pessoas foram constatando que eu não estava louco e que o espetáculo proporcionado naquela longínqua cidade do Amazonas era realmente extraordinário.
De lá para cá a situação evoluiu consideravelmente. Não só a Festa do Boi atrai anualmente um número crescente de turistas nacionais e estrangeiros para a cidade, mas também a estrutura criada em torno da mesma permite que uma atração pontual tenha se transformado num negócio duradouro e altamente gerador de emprego e renda. As duas agremiações, Caprichoso e Garantido, possuem grupos que se apresentam durante todo o ano em eventos no Brasil e no exterior, CDs e vídeos são comercializados em volume expressivo e muitos dos artesãos responsáveis pela confecção das fantasias, dos adereços e das alegorias prestam serviços para escolas de samba das principais capitais do Brasil.
4.2. Caruaru/Campina Grande
Muito difundidas em todo o nordeste do País, as festas juninas assumem uma importância ainda maior em cidades como Campina Grande, na Paraíba, e Caruaru, em Pernambuco, transformando-se, também, em excelentes exemplos de cidades criativas.
Nessas localidades, os festejos se estendem por todo o mês de junho, o que exige uma gama enorme de providências preparatórias, gerando, desta forma, atividades para uma extensa cadeia que se beneficia dos empregos e da renda assim gerados.
As festas juninas, aliás, deixaram já a algum tempo de serem atrações apenas no centro-oeste e no nordeste do Brasil. Aqui mesmo, na capital paulista, clubes tradicionais como o Esporte Clube Pinheiros e o Clube Paineiras do Morumbi têm nelas uma de suas principais fontes de renda, atraindo um público numeroso para suas dependências, ávido para desfrutar das atrações oferecidas, pelas comidas, bebidas e doces típicos e pelos shows com os mais renomados astros da música sertaneja. O mesmo, numa proporção mais reduzida, ocorre em diversos colégios de São Paulo e de outras cidades brasileiras.
4.3. São Paulo
Embora não seja conhecida por suas belezas naturais, como o Rio de Janeiro, por seu folclore e tradição histórica, como Salvador e Recife, ou por sua importância estratégica como a Amazônia de uma forma geral, São Paulo é a cidade brasileira que exprime melhor o que é ser uma cidade criativa.
Pela extraordinária capacidade de combinar o que Landry (2011) denomina de infraestruturas soft e hard, São Paulo consegue reunir como nenhuma outra cidade brasileira – e bem poucas no mundo – um grande número de espaços e um elevadíssimo número de eventos criativos, o que a transforma numa cidade que tem atrações a oferecer em praticamente todos os dias do ano.
Ana Carla Fonseca Reis e André Urani referem-se a isso da seguinte forma:
Como exemplo, tomemos São Paulo, esse microcosmo de efervescência cultural e econômica, no qual convivem cerca de 11 milhões de paulistanos, por nascimento ou escolha, contribuindo com 15% do PIB nacional – para não falar dos outros 38 municípios da região metropolitana, que somam mais 10 milhões de pessoas. O frenesi da cidade mais populosa do Hemisfério Sul e centro financeiro da América Latina é sustentado por uma agenda cultural que parece inesgotável, por equipamentos culturais de primeira linha, polos tecnológicos e acadêmicos e uma diversidade multicultural tecida por várias nacionalidades, etnias e formações. A capital paulistana abriga hoje 90.000 eventos anuais, 12.500 restaurantes, pessoas de todo o mundo e foi eleita por duas vezes o melhor destino de negócios da América Latina. (2011: pp. 35 – 36)
A esses dados citados por Reis e Urani, eu acrescentaria que São Paulo possui a segunda Bolsa de Valores das Américas, perdendo apenas para a de Nova York, concentra 63% das multinacionais instaladas no País, seus 12.500 restaurantes oferecem 52 tipos de cozinha e a Virada Cultural oferece mais de 1.300 atrações durante 24 horas, número que cresce ano a ano. Além disso, a cidade dispõe de 181 teatros, 287 salas de cinema, 110 museus, 97 centros culturais e mais de 70 shopping centers.
De acordo com estudo realizado pela FUNDAP, sob a coordenação da Secretaria do Governo Municipal, “apenas na cidade de São Paulo, mais de 9% das empresas dedicam-se a algum tipo de atividade criativa. O número de empresas nestes setores tem crescido a um ritmo muito superior ao da média da economia, sendo que em 2009, elas já empregavam cerca de 140 mil trabalhadores formais, o que corresponde a 3% de todo o emprego formal na cidade”. (2011: p. 11)
Diante desses números, não é difícil entender o entusiasmo da Caio Luiz de Carvalho, ex-presidente da São Paulo Turismo. Inicialmente, ao caracterizar São Paulo como uma cidade criativa:
A economia criativa tem o poder de transformar, de mudar, de dividir, de repartir e de incluir. A cidade criativa é aquela que estimula os talentos, a diversidade e dá condições para que se agregue valor econômico e se dê vazão à geração de negócios a partir disso.
Conectando atores sociais, como governos, empreendedores e empresários, instituições, escolas e universidades, é possível desenvolver uma estrutura que pode ser chamada, como gostam os adeptos da programação Neurolinguística, de “ganha-ganha”, onde o capital de conhecimento é alavancado, trazendo benefícios para todos e de forma mais igualitária.
Uma cidade criativa une várias ferramentas e cria uma política para o desenvolvimento, utilizando os setores culturais e criativos. Esse conceito, que começa a vingar e a se espalhar mundo afora, passa a ser difundido também na capital paulista, centro econômico do Brasil e onde existe um caldeirão efervescente de cultura, diversidade e criatividade.
Por meio de suas tribos, seus talentos e seus “heróis” empreendedores, ora anônimos, foi que surgiram na metrópole lugares como a Vila Madalena, a nova Augusta, o Mercadão, os vários museus e centros culturais, e eventos como a Virada Cultural, as Bienais, a Mostra Internacional de Cinema, a São Paulo Fashion Week, a Parada Gay e tantos outros. (2011: pp. 18 – 19)
Por fim, ao se referir à potencialidade ainda a ser explorada pela cidade:
Um breve olhar sobre a cidade de São Paulo permite constatar que ela vive um grande momento, cada vez mais criativa, com diversidade cultural invejável, onde tribos e talentos convivem e produzem riquezas. A cidade, mesmo com os problemas sociais inerentes ao gigantismo de qualquer metrópole, cede espaço também para uma cidade global, antenada, que processa o conhecimento, seus valores culturais e sua diversidade. E uma coisa vai ajudar a outra. (2011: p. 20)
4.4.Blumenau
Blumenau, cidade mais importante de Santa Catarina, com uma população de 309.000 habitantes, é outro ótimo exemplo de como uma cidade pode se projetar explorando alguma das áreas abrangidas pela Economia Criativa. Inspirada no exemplo de Munique e de outras cidades alemãs, Blumenau começou a promover a sua Oktoberfest com a extensão de um fim de semana prolongado, no acanhado espaço reservado aos eventos e exposições locais.
O sucesso alcançado passou a atrair um número cada vez maior de visitantes, o que exigiu enormes transformações na estrutura e na organização do evento.
Realizado nas excelentes instalações do Centro de Eventos, com duração de quase três semanas, a Oktoberfest é hoje uma das mais concorridas atrações do sul do País, atraindo milhões de pessoas a cada nova edição e proporcionando trabalho diretamente para diferentes grupos de pessoas: músicos, bailarinos, artistas, produtores de artesanato, cozinheiros, garçons, recepcionistas, seguranças etc. A Oktoberfest também gera emprego e renda para toda a cadeia de hotéis e restaurantes de Blumenau e adjacências, além de estimular o turismo de outras regiões do estado, uma vez que muitos dos turistas que se dirigem a Santa Catarina com o intuito de participar da festa acabam aproveitando para conhecer também outras atrações nas proximidades como, por exemplo, as praias de Florianópolis e o Beto Carrero World.
4.5.Orlando
Já que encerrei o item anterior referindo-me a um parque temático, nada como começar o breve relato de cidades criativas estrangeiras por Orlando.
Quem tem a oportunidade de visitar Orlando nos dias de hoje, com seus 238.300 habitantes (segundo o censo nacional de 2010, sua região metropolitana ultrapassa 2 milhões de habitantes) e um fluxo de turistas de fazer inveja a qualquer cidade do mundo, uma rede hoteleira sensacional, uma incrível quantidade de condomínios, um comércio movimentadíssimo, além de seus inúmeros e variadíssimos parques temáticos dificilmente pode imaginar que grande parte da área onde tudo isso se concentra não passava de um enorme pântano a pouco mais de 40 anos atrás.
O primeiro dos parques instalados em Lake Buena Vista, nos arredores de Orlando e de Kissimmee, atualmente conhecida como Magic Kingdom, foi inaugurado em 1º de outubro de 1971, tornando realidade o sonho de Walt Disney, que não viveu para ver a concretização de seu maior sonho, pois faleceu menos de cinco anos antes, no dia 15 de dezembro de 1966. Ele havia criado a Disneylândia, em Los Angeles, no ano de 1955.
De acordo com o livro Nos bastidores da Disney, de Tom Connellan, o índice de retorno daqueles que têm a oportunidade de visitar o complexo Disney chega a 71%. E tenho a forte sensação que os 29% restante não voltaram porque não quiseram, mas porque não puderam.
Quem prestar atenção encontrará uma placa com os seguintes dizeres na Main Street: “Walt Disney World é um tributo à filosofia e à vida de Walter Elias Disney … e para o talento, a dedicação e lealdade de toda a organização Disney que tornou o seu sonho realidade. Que Walt Disney World traga alegria, inspiração e novos conhecimentos a todos que venham a este lugar feliz … um Reino Mágico onde todos os jovens de coração de todas as idades podem rir, brincar e aprender – juntos.”
Antes de encerrar este breve comentário sobre Orlando, não poderia deixar de registrar a incrível capacidade de se renovar dos parques temáticos, incorporando permanentemente novas atrações, com o objetivo de manter viva a capacidade de sonhar de seus visitantes e de fazer com que os mesmos voltem inúmeras vezes, com a certeza de que terão novas razões para se divertir e, por que não, para se emocionar.
A revista Gerente de Cidade nº 56, de outubro/novembro/dezembro de 2010, apresenta uma matéria exatamente sobre esse aspecto, mencionando o enorme interesse despertado pelo Mundo Mágico de Harry Potter, uma das atrações mais impactantes, incorporada recentemente a um dos parques da Universal Studios.
4.6.Las Vegas
Se Orlando, na Flórida, se consagrou como a “capital mundial dos parques temáticos”, investindo pesadamente numa forma de entretenimento, Las Vegas, em Nevada, tornou-se conhecida como a “capital mundial do jogo”, com elevados investimentos em outros tipos de entretenimento, tendo à frente o intenso prazer que muitas pessoas sentem ao participarem de jogos de azar.
É exatamente isso que oferecem prioritariamente os imensos cassinos existentes em Las Vegas, a maior parte dos quais instalados nas dependências de hotéis luxuosos que disponibilizam milhares de quartos aos visitantes que chegam ininterruptamente à cidade.
E o que era Las Vegas antes da construção dos cassinos que a tornaram essa cidade pujante que é atualmente? Não passava de uma planície árida encravada na extensa e desértica região do estado de Nevada.
O jogo, legalizado em 1931, levou ao surgimento dos cassinos-hotéis que garantem parte da fama internacional da cidade. O êxito inicial dos cassinos na cidade está relacionado ao crime organizado. A maioria dos primeiros grandes cassinos era gerenciada ou financiada por figuras da máfia. No final da década de 1960, o bilionário Howard Hughes comprou muitos cassinos, hotéis e estações de televisão na cidade. Depois disso, corporações legítimas começaram a comprar hotéis-cassinos, e a máfia foi sendo exterminada pelo governo federal ao longo dos anos seguintes. O constante fluxo de dólares de turistas dos hotéis e cassinos também foi reforçado por uma nova fonte de capital federal. Esse capital veio com a criação da Base Área de Nellis. O fluxo do pessoal militar e a criação direta de empregos nos cassinos ajudaram a iniciar uma explosão imobiliária que continua até os dias de hoje. A era dos megaresorts cassinos teve início no dia 22 de novembro de 1989, com a abertura do The Mirage. Segundo o censo nacional de 2010, a cidade propriamente dita possui 583.756 habitantes e sua região metropolitana possui cerca de 1,9 milhão de habitantes.
Mas quem pensa que o sucesso e o interesse despertados por Las Vegas residem apenas nas maquininhas caça niqueis ou nas mesas de roleta, blackjack (vinte e um) ou baccarat de seus cassinos está redondamente enganado. Milhões de pessoas acorrem anualmente à cidade sem qualquer interesse pelos diferentes tipos de jogo oferecidos por seus cassinos. Vão para lá atraídas por outras formas de entretenimento que a cidade oferece, como as convenções, os shows com alguns dos mais famosos astros internacionais, as lutas em disputa dos títulos mundiais de boxe nas mais diversas categorias ou os espetáculos de companhias como o Cirque du Soleil, que tem permanentemente à disposição dos visitantes de Las Vegas diversas de suas atrações, inclusive algumas das mais recentes, como os espetáculos em homenagem aos Beatles e a Michael Jackson.
Quem se dispuser a percorrer os cassinos ao longo da Strip, a avenida que concentra os principais hotéis e cassinos da cidade, certamente ficará impressionado com a intensa concorrência existente na cidade. Cada um desses hotéis-cassino se constitui num mega investimento que procura atrair o visitante oferecendo o melhor breakfast da cidade, o almoço com maior quantidade de opções, a melhor área de lazer, os mais atraentes passeios turísticos na região ou o artista mais consagrado para o show daquela noite.
O centro de Las Vegas, num dos extremos da Strip, com alguns dos cassinos mais antigos e tradicionais da cidade, também impressiona pela intensa luminosidade dos letreiros e das fachadas, num espetáculo eletrizante.
Mas ir a Las Vegas e não entrar – pelo menos para conhecer – seus imensos cassinos é como “ir a Roma e não ver o Papa”. Com áreas enormes, ambientes escuros e artificialmente iluminados, tiram intencionalmente dos mais fanáticos a própria noção da separação entre o dia e a noite. E assim, infelizmente, muitos acabam se arruinando financeiramente. Afinal, a “casa nunca perde”!
4.7. Los Angeles
Mencionar Los Angeles como cidade criativa abre uma gama enorme de possibilidades. Mundialmente afamada por Hollywood e seus estúdios de cinema, poderia ser examinada especificamente por essa faceta. E, de fato, muita gente ainda é atraída à cidade por atrações diretamente relacionadas ao mundo do cinema, como a calçada da fama, as mansões de artistas famosos em Beverly Hills ou as lojas de grifes da Rodeo Drive, onde, de repente, acontece de se “esbarrar” com Demi Moore, Julia Roberts, Nicolas Cage ou Brad Pitt.
Minha preferência, no entanto, é no sentido de chamar a atenção de uma característica que pode ser observada em diversas cidades – não apenas norte-americanas – que tem seu núcleo nevrálgico em enormes centros de convenções e arenas multiuso. Em Los Angeles, particularmente, este núcleo se localiza no Staples Center, o local em que são realizadas as partidas de basquete das duas equipes locais, LA Lakers e LA Clippers, e da equipe de hóquei, LA Kings. Em poucas horas o espaço destinado à realização dos jogos é transformado de um rinque de patinação numa quadra de basquete e redecorada com as cores e símbolos de cada uma das equipes. Ao lado do Staples Center, situa-se o gigantesco Centro de Convenções, cuja agenda encontra-se ocupada em praticamente todos os dias do ano.
No entorno, além de milhares de vagas de estacionamento (Los Angeles também é conhecida por ter uma das maiores frotas de automóveis de todo o mundo), há um expressivo número de bares, restaurantes e hotéis, cada um deles com aproximadamente 1.000 quartos.
Essa mesma lógica pode ser vista em diversas outras cidades, algumas delas de porte bem menor do que Los Angeles, como é o caso Atlanta, na Georgia, e de San Antonio, no Texas.
4.8.Denver
Se as singularidades das cidades criativas até agora citadas residem em festas populares ou religiosas, em jogos de azar, em parques temáticos ou em convenções e espetáculos esportivos, a inclusão de Denver se justifica por uma razão diferente e, de certa forma recente, já conhecida como aerotrópole. A revista Gerente de Cidade nº 60, de Out/Nov/Dez de 2011 traz excelente matéria a respeito.
Da mesma forma que ocorre em Denver, há em diversas partes do mundo exemplos de aeroportos que se transformaram em autênticos centros de negócios, oferecendo serviços inerentes não apenas à atividade aeroportuária, mas também uma série de outros serviços culturais, gastronômicos ou de entretenimento e lazer.
Ao se transformarem em centros fornecedores de múltiplos serviços, esses aeroportos se tornaram catalisadores de recursos e impulsionadores do desenvolvimento das regiões em que estão localizados, chegando mesmo, algumas vezes, a alterar o perfil geográfico e demográfico das mesmas.
Se, de certa forma, esse fenômeno já havia ocorrido no passado em Amsterdã, na Holanda, com o aeroporto de Schiphol, com muito maior frequência vem ocorrendo nos últimos tempos, graças à própria expansão da aviação e expressivo aumento do número de viajantes de avião. São exemplos disso aeroportos de cidades que são hubs de grandes companhias aéreas como Cincinnati ou Atlanta, ou mesmo de grandes cidades que tiveram as áreas próximas de seus aeroportos amplamente desenvolvidas tais como Washington, Hong Kong, Curitiba e tantas outras.
4.9.Paris
Paris é uma cidade tão espetacular e consegue atrair visitantes de todas as partes do mundo por tantas razões, que pode até parecer estranho incluí-la entre os exemplos de cidades criativas.
É claro que a Torre Eiffel, o Arco do Triunfo, a avenida dos Champs-Élysées, a Ópera, as famosas casas noturnas da Place Pigalle, o Palácio de Versalhes e o glamour da Cidade Luz como um todo são e continuarão sendo, por si só, fatores de atração por muitos e muitos anos.
Porém, coerentemente com o conceito de cidades criativas, gostaria de indicar duas singularidades de Paris que justificam claramente sua inclusão nessa condição. A primeira está relacionada à cultura e às artes e pode ser visualizada num “circuito” dos museus, incluindo o Louvre, o Quai d’Orsay, o Grand Palais, o Petit Palais e o Les Invalides.
A segunda, relacionada ao fator religioso, incluiria visitas às igrejas de Notre Dame, Sacré-Coeur, Madeleine e Sainte-Chapelle, esta última com seus incomparáveis vitrais. Nessas igrejas, além das atividades que lhe são inerentes, existem periodicamente apresentações musicais que atraem milhares de pessoas.
4.10. Capadócia
Outro exemplo de região criativa e que tive oportunidade de conhecer recentemente é a Capadócia, na Turquia. Não se trata propriamente de uma cidade, mas de uma região, cujo território é limitado pelas cidades de Nevsehir, Aksaray, Nigde, Kayseri e Kirsehir. A parte mais famosa e visitada é a zona rochosa, um estreito espaço que inclui os vilarejos de Uçhisar, Göreme, Avanos, Ürgüp, Derinkuyu, Kaymakli e os arredores do vale de Ihlara.
Pouco visitada até 1998 quando foi reconhecida pela UNESCO como patrimônio mundial, passando a receber uma série de incentivos, a Capadócia rapidamente se tornou um destino muito procurado, de tal forma que o turismo constitui-se atualmente na maior fonte de emprego e renda da região.
As formações rochosas atuais, principal atração da Capadócia, são resultantes de milhões de anos de ação da natureza, começando na era terciária com a erupção dos vulcões Erciyes, Hasandagi e Göllüdag. Começando no período mioceno superior (há 10 milhões de anos), as erupções destes vulcões, juntamente com as de muitos outros, duraram até o Holoceno (período atual). As lavas dos vulcões situadas sob os lagos neógenos, formaram uma camada de crosta de dureza variada, com 100 a 150 metros de espessura, sobre as planícies, lagos e acidentes fluviais. Esta camada continha elementos geológicos como tufita, cinzas vulcânicas, argila, arenito e basalto. Ao longo do tempo, esta camada mudou constantemente sua morfologia, em consequência de outros vulcões secundários. A partir do Plioceno superior, a erosão causada pela água do Rio Kizilimark (Rio Vermelho), lagos e outros acidentes fluviais na superfície, foi modelando a paisagem até as interessantes formações rochosas atuais.
Entre essas formações rochosas, o destaque fica para as Chaminés de Fadas, espécies de “corpos cônicos” cobertos por um “chapéu”. Isto é o resultado da erosão causada pela água que abriu caminho nas ladeiras inclinadas e causou rachaduras na superfície formando profundos vales. Como a camada inferior era formada por tufos e cinzas vulcânicas (materiais macios), sofreu maior erosão, enquanto a camada superior composta por materiais de maior dureza foi mais resistente à ação da água.
A longevidade destas fantásticas formações depende em grande parte do grau de resistência do “chapéu”. Nem todas as formações rochosas que encontramos na Capadócia têm as mesmas formas. Há muitas em formato de cogumelos, de colunas ou pontiagudas.
As Chaminés de Fadas são encontradas principalmente nos vales de Uçhisar, Ürgüp e Avanos. Além das Chaminés de Fadas, formaram-se dobraduras nas encostas dos vales que complementam a característica morfológica diferenciada da região. Estas formações de diversas cores são encontradas nos vales de Uçhisar, em Güllüdere, Göreme e Pancarli.
Fiquei alojado em Göreme, vilarejo situado no centro do triângulo formado pelas cidades de Nevsehir, Avanos e Ürgüp. O hotel em que me hospedei, como muitos outros no charmoso vilarejo, ficava escavado nas rochas no flanco de uma montanha, permitindo uma belíssima vista dos arredores.
Nos dois dias em que lá estive, tive oportunidade de conhecer localidades de rara beleza, como as igrejas com alguns de seus afrescos e pinturas, o canyon de Ihlara, a extraordinária cidade subterrânea de Derinkuyu e o Museu Aberto de Göreme.
Para coroar, talvez a maior atração da Capadócia, um passeio de balão de mais de uma hora num dia claro e gelado que me permitiu rever do alto a maior parte das belezas que havia visto em terra.
5. Desafio
Encerro este artigo sobre economia criativa alertando para alguns desafios que precisam ser superados, a fim de que a mesma passe a ser mais conhecida e valorizada, condição sine qua non para que venha a ter, no Brasil, a mesma importância com que já é reconhecida em outros países do mundo.
- O ponto de partida para a formulação de uma política para a economia criativa é o mapeamento do setor, de forma a conscientizar a sociedade de sua importância em termos econômicos.
- Aplicar os esforços e recursos necessários para transformar o setor em uma locomotiva do desenvolvimento, deixando de considerá-lo como algo marginal, secundário do ponto de vista macroeconômico e apenas como política de inclusão social ou política cultural.
- O desafio não é só encorajar as indústrias criativas, é encorajar todas as indústrias a se tornarem criativas.
- Para tanto, é necessário gerar condições para que as pequenas e médias empresas se utilizem da capacidade criativa, o que pode ser conseguido por meio da criação de um centro multidisciplinar de difusão e promoção de pesquisa, desenvolvimento e design, que combine estudos e trabalhos de administração, economia, arquitetura, engenharia, tecnologia e artes.
- Identificar os setores capazes de ter um maior efeito multiplicador em termos de geração de emprego e renda e criar políticas específicas de financiamento.
- Com esse objetivo, é preciso adequar as políticas fiscais e tributárias às necessidades dos setores criativos, que geralmente são muito diferentes dos setores considerados tradicionais.
- Talvez seja necessário, para fazer a adequação sugerida no item anterior, revisar as leis de incentivo à cultura, dando maior relevância à economia criativa, o que não acontece no arcabouço legal vigente.
- Pensando ainda no financiamento de projetos abarcados pela economia criativa, principalmente de empreendedores individuais que não dispõem do patrimônio normalmente exigido pelas instituições financeiras tradicionais, vale a pena considerar esquemas inovadores de concessão de crédito, muitos dos quais inspirados nas ideias e iniciativas de Muhammad Yunus, ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 2006.
Uma vez identificados esses desafios ao crescimento e aperfeiçoamento da economia criativa, seguem-se outros voltados ao surgimento e fortalecimento das cidades criativas.
Afinal, como observa o arquiteto e urbanista Jaime Lerner (2011), que foi por três vezes prefeito de Curitiba, “embora nem todas as cidades sejam criativas, todas têm potencial para sê-lo”. Justificando tal afirmação, continua Lerner: “Para mim, a própria essência da cidade criativa depende de sua habilidade para construir um sonho coletivo e mobilizar os esforços de seus cidadãos para transformar esse sonho em realidade – um esforço que pode ser realizado por qualquer cidade, pequena ou grande”.
Alguns desafios para favorecer o aparecimento das cidades criativas são:
- Na formulação das políticas públicas, atuar para que as políticas de renovação urbana deem preferência à implantação de setores da economia criativa que fomentem a capacidade de multiplicar e gerir redes de contato, circulação de informação e formação de negócios incluídos nos projetos das operações urbanas da cidade.
- Como transformar uma atração pontual ou momentânea, como um festival, uma exposição, uma romaria ou uma feira, numa atração mais duradoura ou mesmo permanente?
- Uma das maneiras de contribuir para a transformação apontada no item anterior é a criação de um sistema de incentivos à construção e manutenção de teatros, salas de cinemas, casas de espetáculos, galerias de arte, museus etc., favorecendo assim não apenas a formação de um público consumidor, mas também a geração de empregos e a qualificação da mão de obra.
- Deve-se também adotar e manter políticas que estimulem a implantação de equipamentos culturais de uso coletivo, tais como bibliotecas, centros culturais, escolas de música e dança em regiões urbanas com baixa oferta desse tipo de serviços.
- Por fim, considerando o enorme potencial da evolução tecnológica, os gestores municipais devem canalizar fundos públicos para negócios voltados à inovação, nas áreas em que se encontram as maiores oportunidades de crescimento futuro, entre os quais estão softwares, games e outros segmentos da economia criativa.
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WEFFORT, Francisco. Qual democracia? São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
YUNUS, Muhammade JOLIS, Alan. O banqueiro dos pobres: a revolução do microcrédito que ajudou os pobres de dezenas de países. Tradução de Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Ática, 2006.
YUNUS, Muhammad e WEBER, Karl. Um mundo sem pobreza: a empresa social e o future do capitalismo. Tradução de Juliana A. Saad e Henrique Amat Rêgo Monteiro. São Paulo: Ática, 2008.
Referências webgráficas
A ECONOMIA Criativa no Brasil. Entrevista com Cláudia Leitão, do Ministério da Cultura. Disponível em http://www.blogfvhd.org/destaques/entrevista-com-claudia-leitao-do-ministerio-da-cultura-%E2%80%93-a-economia-criativa-no-brasil/.
SANTOS-DUISENBERG, Edna dos. The Challenge of Assessing the Creative Economy. Creative Economy Report 2008. Geneva/New York: UNCTAD/UNDP, 2008. Disponível em http://www.fundap.sp.gov.br/debatesfundap/pdf/1_ec/Apresentacao_Edna_dos_Santos.pdf.
[1] Luiz Alberto Machado é economista formado pelo Mackenzie (1977), com especialização em Desenvolvimento Latino-Americano pela Boston University; Criatividade pela Creative Education Foundation; Ensino e Aprendizagem Acelerada, pela International Alliance for Learning. Máster em Tecnologia Educacional pela Fundação Armando Alvares Penteado. Vice-diretor e professor titular da Faculdade de Economia da FAAP. E-mail: eco-diretor@faap.br.
[2]Albert Szent-György, é citado no livro The Scientist Speculates, de Irving Good (1962), como autor de duas citações. A primeira, sobre descoberta, é “Discovery consists of seeing what everybody has seen and thinking what nobody has thought”; a segunda, sobre pesquisa, é “Research is to see what everybody else has seen, and to think what nobody else has thought”.
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