Impressões da China (1)

Sob o signo da transitoriedade 

“Antigamente era o grande que engolia o pequeno,

agora são os rápidos que engolem os lentos.”

Geoff Yang

 

Em maio, tive o prazer de participar do Seminário 100 anos de Movimento Sindical no Brasil: Balanço Histórico e Desafios Futuros, promovido pela União Geral dos Trabalhadores (UGT). Na ocasião, fiz parte de um painel que tinha por nome o título do famoso livro de Marshall Berman, Tudo que é sólido desmancha no ar. Dei ao texto que preparei para o evento o título de Sob o signo da transitoriedade. Nele, procurei chamar a atenção para a necessidade de permanente atualização dos atores sociais para poderem dar respostas adequadas e em tempo hábil aos novos desafios que não param de surgir numa sociedade em acelerado processo de transformação. Como um dos mais importantes atores sociais, o sindicato não escapa dessa necessidade, embora nem todas as suas lideranças tenham se dado conta disso.

Adoto o mesmo título para este primeiro artigo de uma série que escreverei a partir de hoje, procurando compartilhar com o amigo internauta algumas impressões colhidas em pouco mais de duas semanas na China, onde estive na condição de coordenador de uma missão estudantil composta por estudantes da FAAP.

 A justificativa da escolha do título deve-se ao ritmo extraordinariamente acelerado de mudanças por que passaram algumas das principais cidades do país nos últimos vinte anos, em especial as duas mais conhecidas: Pequim e Xangai.

 Depois do retrocesso provocado pelo radicalismo da Revolução Cultural, que se estendeu de 1966 a 1976, seria impossível até para o maior especialista imaginar o que aconteceria no país nos anos seguintes e, mais especificamente, a partir das reformas lideradas por Deng Xiaoping.

 A grandiosidade das avenidas, pontes e edifícios impressiona a qualquer um, ainda mais se se considerar que quase tudo foi construído em pouco mais de vinte anos, uma vez que muitas dessas áreas que hoje causam admiração a quem tem a oportunidade de conhecê-las não passavam de campos e várzeas até a penúltima década do século passado.

A descrição da jornalista Cláudia Trevisan, que escreveu o livro China: o renascimento do império depois de passar um ano no país como correspondente da Folha de S. Paulo é muito precisa:

Na China, tudo tem a medida de seu 1,3 bilhão de habitantes, a maior população do mundo, equivalente a um quinto das pessoas que cobrem o planeta. Quando essa massa humana se move, os tremores que provoca se propagam a milhares de quilômetros de distância. E ela nunca se movimentou tanto quanto nos últimos 29 anos, período no qual liderou o ranking do crescimento global, multiplicou por quatro o tamanho da sua economia, tirou milhões de pessoas da pobreza e promoveu o mais intenso processo de urbanização já visto na História.

Mudanças que países desenvolvidos demoraram cem anos [ou mais] para experimentar, a China viveu em um quarto de século. A mesma geração que demonizou o Ocidente, a burguesia e o capitalismo durante a Revolução Cultural abraçou com fervor a economia de mercado e o consumo, depois que o Partido Comunista decidiu iniciar reformas e se abrir ao exterior, em dezembro de 1978.

 O ritmo frenético das transformações ocorridas a partir de então não tem precedentes e, em consequência disso, provocou e continua provocando uma radical mudança de mentalidade de chineses de diferentes gerações. Se os mais velhos têm dificuldade para justificar a defesa de muitas coisas que criticaram por longo tempo, os que se encontram na faixa dos 30 a 40 anos correm para se adaptar à nova realidade e aproveitar as oportunidades que hoje se apresentam.

Chineses que hoje têm quarenta anos passaram a infância em um país onde o coletivismo imperava, o uniforme azul de Mao Tsé-tung dominava o guarda-roupa, a comida era racionada e as bicicletas [que ainda existem em grande quantidade] ocupavam as ruas. Chegaram à vida adulta em uma China que venera grifes ocidentais, reconhece a propriedade privada [com restrições], considera o enriquecimento “glorioso” e é um dos principais destinos de investimentos de multinacionais dos países ricos.

Evidentemente, nem tudo é uma maravilha. Mais da metade da população chinesa permanece nos campos, totalmente à margem das conquistas dos que pegaram o bonde do crescimento acelerado. A desigualdade entre ricos e pobres não para de crescer e o contraste da abertura econômica sem qualquer sinal de abertura política continua sendo um ponto intrigante para qualquer analista.

 Esses serão apenas alguns dos aspectos que abordarei nos artigos seguintes dessa série. Espero que possam ser úteis e esclarecedores, pois de uma coisa eu não tenho dúvida: gostando ou não da China, com seus contrastes e desafios, não dá para ignorá-la, uma vez que será, seguramente, a primeira nação a colocar em xeque a ainda indiscutível hegemonia da economia norte-americana.

Referências e indicações bibliográficas

BERMAN. Marshall. Tudo o que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. Tradução de Carlos Felipe Moisés e Ana Maria F. Ioratti. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

BRABANDERE, Luc de. O lado oculto das mudanças: a verdadeira inovação requer mudança de percepções. Rio de Janeiro: Elsevier; Boston, MA: The Boston Consulting Group, 2006.

Cairncross, Frances. O fim das distâncias: como a revolução nas comunicações transformará nossas vidas. Tradução de Edite Sciulli e Marcos T. Rubino. São Paulo: Nobel, 2000.

HENFIL. Henfil na China: antes da coca-cola. 9ª ed. Rio de Janeiro: Codecri, 1981.

MACHADO, Luiz Alberto. Sob o signo da transitoriedade. Texto elaborado para o Seminário Nacional “100 anos de Movimento Sindical no Brasil: balanço histórico e desafios futuros” e publicado, em versão preliminar, no Caderno de Debates distribuído aos participantes, nos dias 15 e 16 de maio de 2009.

 SORMAN, Guy. O Ano do Galo: Verdades sobre a China. Tradução de Margarita Maria Garcia Lamelo. São Paulo: É Realizações, 2007.

 TREVISAN, Cláudia. China: o renascimento do império. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2006.

Referências e indicações webgráficas

MACHADO, Luiz Alberto. O Ano do Galo – Verdades sobre a China. Disponível em http://www.lucianopires.com.br/idealbb/view.asp?topicID=7046.

______________ 100 anos de Movimento Sindical no Brasil – Balanço histórico e desafios futuros. Disponível em http://www.lucianopires.com.br/idealbb/view.asp?topicID=11258.