Impressões da China (2)
Impacto da crise e necessidade de mudança
“Quando a China acordar,
ela vai balançar o mundo.”
Napoleão
Não há como deixar de reconhecer o desempenho espetacular da China nos últimos trinta anos em termos de crescimento econômico. Foi o país que mais cresceu em todo o mundo e esse crescimento provocou mudanças significativas no padrão de vida da parcela da população que conseguiu colher os frutos desse crescimento.
Para que o amigo internauta tenha uma ideia do ritmo do crescimento da China, aí vão dois indicadores marcantes:
1º) de 1979 a 2008, o crescimento médio do país foi de 9,8% ao ano;
2º) de 2001 a 2007, o crescimento foi de 10,5%.
Porém, como na economia globalizada existe acentuada interligação e interdependência entre todos os países, a China não escapou dos efeitos da crise financeira mundial e seu crescimento no primeiro semestre de 2009, anualizado, caiu para 6,1%. Na opinião da Profª Rui Zhao, da Beijing Union University, a China não demorará a recuperar o ritmo dos últimos 30 anos, apesar do efeito negativo causado, sobretudo, pela redução das exportações provocada pela baixa demanda dos Estados Unidos e dos países europeus. Em sua opinião, o principal desafio será equilibrar o crescimento com o ajuste estrutural que o país está sendo obrigado a fazer.
Um parêntesis. De acordo com o embaixador do Brasil, Clodoaldo Hugueney, do total das exportações chinesas, só 30% é de valor agregado na China; os outros 70% são de importações de todas as partes do mundo.
No plano microeconômico, os efeitos da crise financeira também estão sendo sentidos, em especial pelas pequenas e médias empresas, num cenário que não difere muito do que se observou no Brasil entre o final de 2008 e o primeiro semestre de 2009. Na China, a exemplo do que ocorre no Brasil, essas empresas enfrentam enormes dificuldades de acesso a crédito em condições satisfatórias, o que faz com que o índice de desaparecimento nos primeiros anos de existência seja extremamente elevado. Apenas 2,9% das pequenas e médias empresas chinesas sobrevivem, situação que se agravou ainda mais com a crise. Diante disso, mudar esse quadro passou a ser uma das grandes preocupações do governo.
Entre os indicadores que mostram a incrível alteração no padrão de vida de parte da população chinesa nos últimos anos, destaco apenas alguns, com base no recém-lançado livro Os chineses, da jornalista Cláudia Trevisan:
• O país, que era o reino das bicicletas até o fim dos anos 1990, é hoje o segundo maior mercado automobilístico do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, com oito milhões de carros vendidos em 2007, e a perspectiva de assumir o primeiro lugar no ranking já em 2009;
• O povo, que mal tinha telefone fixo no fim dos anos 1980, chegou a 2009 com 640 milhões de celulares e uma população de 300 milhões de internautas – em ambos os casos, os maiores números do mundo;
• Saindo um pouco dos indicadores econômicos e passando para o âmbito comportamental, onde as mudanças também foram brutais, as mulheres, que amarraram os pés e foram tratadas como acessórios durante séculos, são hoje empresárias, cada vez mais fazem sexo antes do casamento e começam a abordar homens de uma maneira que seria inimaginável para suas mães;
• Observa-se também uma acelerada proliferação de redes de fast-food, jovens trocando o chá pelo café, danceterias reverberando ao som de música eletrônica, expansão de redes internacionais de hipermercados e o surgimento de shopping centers em todas as grandes cidades.
A par desses disso tudo, o país continua apresentando enormes contrastes, a começar pelo fato de que até 2007, “nada menos que 55% da população chinesa morava na zona rural e estava submetida a um estilo de vida cada vez mais distante do desfrutado pelos habitantes das cidades”. As duras condições de vida desse enorme contingente populacional foram focalizadas em detalhe por Guy Sorman, no instigante livro O Ano do Galo: Verdades sobre a China.
Isso significa que a China apresenta uma desigualdade de renda crescente, algo no mínimo estranho em se considerando tratar-se de um país que segue sendo governado pelo Partido Comunista. Como assinala Cláudia Trevisan em China: o renascimento do império:
O aumento da desigualdade e a insatisfação crescente no campo ameaçam um dos principais objetivos do Partido Comunista, que é a manutenção da estabilidade e a construção do que o presidente Hu Jintao chama de “sociedade harmoniosa”.
Este, aliás, é apenas um dos desafios que a China tem pela frente, tema do próximo artigo desta série.
Antes de encerrar, no entanto, gostaria de mencionar um comentário de Roberto Dumas Dantas, responsável pelo Escritório de Representação do Itaú BBA em Xangai. Segundo ele, a China se encontra num momento muito especial, pois embora continue com um crescimento superior ao da média mundial, não tem outra opção a não ser a voltar a crescer a uma taxa em torno de 10% ao ano, única forma de atender às necessidades de sua enorme população. E, além de voltar a crescer no mesmo ritmo dos últimos trinta anos, a China precisa rever seu modelo de crescimento voltado às exportações a aos investimentos, transformando-o, pelo menos em parte, num modelo voltado ao consumo.
Uma ótima oportunidade de mudança oferecida pela crise financeira internacional!
Referências e indicações bibliográficas
HENFIL. Henfil na China: antes da coca-cola. 9ª ed. Rio de Janeiro: Codecri, 1981.
SORMAN, Guy. O Ano do Galo: Verdades sobre a China. Tradução de Margarita Maria Garcia Lamelo. São Paulo: É Realizações, 2007.
TREVISAN, Cláudia. China: o renascimento do império. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2006.
______________ Os chineses. São Paulo: Contexto, 2009.
Referências e indicações webgráficas
MACHADO, Luiz Alberto. O Ano do Galo – Verdades sobre a China. Disponível em http://www.lucianopires.com.br/idealbb/view.asp?topicID=7046.
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