Impressões da China (4)
Infraestrutura viária: um show à parte!
“Pessoas normais viajam numa estrada;
economistas viajam numa infraestrutura.”
Margaret Thatcher
Se tem uma pessoa que admiro – e há muito tempo – é o Prof. Victor Mirshawka, que exerce atualmente o cargo de diretor cultural da FAAP. O cargo equivale ao de reitor de uma universidade. Só que a FAAP, por opção de sua Diretoria, optou por permanecer como uma fundação, e não se transformar numa universidade ou num centro universitário.
Minha admiração por ele é antiga e remonta aos tempos em que ele jogava basquete. Pertenceu à geração de ouro do basquete brasileiro, aquela que foi bi-campeã do mundo (embora ele só tenha participado da seleção do bi, em 1963) e conquistou medalha de bronze em duas Olimpíadas consecutivas, em Roma (1960) e Tóquio (1964). Como jogador, assim como na condição de professor, era um obstinado, daqueles que não admite perder nem em treino. No Mundial de 1963, em que a seleção brasileira contava com craques como Amaury, Vlamir, Rosa Branca, Jathyr, Mosquito, Ubiratã e tantos outros, ele foi considerado o melhor 6º jogador do mundo. Quem acompanha atualmente os campeonatos da NBA sabe o que isso significa!!!
Essa admiração cresceu ainda mais quando tive o privilégio não só de acompanhar, mas também de trabalhar com ele na FAAP. Em 1988, fui surpreendido com a notícia de que ele havia me indicado – juntamente com a Profª Josefa Alvarez Alvarez e o Prof. Silvio Passarelli – para ser seu companheiro no recém criado Instituto de Qualidade & Produtividade (IQP). Estando até então integralmente voltado para a área de humanas, julguei que ele havia cometido um engano ao me indicar. Percebendo minha surpresa, respondeu:
Você que acha que não entende de qualidade e produtividade. Acredita, como a maior parte das pessoas, que a qualidade e a produtividade dependem, essencialmente, de métodos quantitativos baseados, sobretudo, na matemática e na estatística. Não é nada disso. A qualidade e a produtividade dependem, fundamentalmente, das pessoas. E você, que dirige o Instituto de Estudos Humanísticos (IEH), será de grande valia para o IQP. Você não demorará a constatar a importância do fator humano.
Não tenho a menor dúvida de que a FAAP chegou ao patamar em que se encontra hoje graças, em grande parte, à antevisão do Prof. Victor, capaz de identificar, antecipadamente, a relevância de fatores como qualidade, confiabilidade, produtividade e, mais recentemente, criatividade, empreendedorismo e inovação, quando muitos acreditavam que tais fatores não passavam de modismos, de importância passageira.
O tempo mostrou que ele estava coberto de razão. Para sorte da FAAP, que em todos os seus cursos passou a dar grande ênfase a todos esses fatores.
Confesso, no entanto, que achei que o Prof. Victor andava exagerando quando, em diversas palestras e artigos recentes, abordou o tema das “aerotrópoles”, focalizando a importância dos aeroportos na economia contemporânea e, ato contínuo, chamando a atenção para a obsolescência dos mesmos no Brasil.
A oportunidade de liderar a Missão Estudantil da FAAP à China foi mais do que suficiente para mostrar que minha impressão estava equivocada. Os aeroportos de Pequim, Xangai e Hong Kong (sem contar o de Dubai, onde fiz escala tanto na ida como na volta) mostraram de maneira inequívoca como estamos atrasados em relação ao restante do mundo. E não apenas no que se refere aos terminais, mas também no tocante ao acesso aos aeroportos. Ao chegar a São Paulo, levei mais de duas horas para percorrer o trajeto de aproximadamente 40 quilômetros do Aeroporto de Guarulhos até meu apartamento no Morumbi. Como não há alternativa, fui obrigado a me utilizar da Marginal do Tietê, que se encontrava, apesar de ser a noite de uma quarta-feira em pleno mês de férias escolares, completamente congestionada. Quatro ou cinco dias antes, em Xangai, constatei que o percurso de cerca de 30 quilômetros que separa o aeroporto do centro da cidade pode ser feito em sete minutos por meio do Maglev, um trem que transita numa velocidade superior a 400 km por hora.
Nós, que vivemos em São Paulo, estamos tão acostumados com os congestionamentos que passamos a considerá-los normais. No entanto, isso é um erro, como bem observou o antigo CEO (executivo principal) da Motorola Corporation, Robert W. Galvin:
O congestionamento do tráfego é uma terrível ameaça para a economia. E a analogia que deve ser feita é com o sistema cardiovascular. Se as artérias dos nossos corpos entupirem, nós temos duas opções: ou morreremos ou precisaremos imediatamente ser submetidos a uma operação cirúrgica que permitirá desobstruí-las.
Dando sequência à comparação, explicou:
As nossas cidades estão em vias de morrer, pois as suas “artérias” [ruas, avenidas, marginais etc.] estão muito congestionadas [entupidas]; e se nós continuarmos nesse ritmo, as propriedades vão se desvalorizar, pessoas perderão empregos e as empresas que geram postos de trabalho deixarão as cidades e, o que é pior, as instituições culturais também vão entrar em declínio. À medida que as cidades forem decaindo [morrendo], sua produtividade econômica também irá decrescer e isso abalará seriamente a economia nacional.
E o ritmo de mudança radical no cenário urbano e na infraestrutura de transportes da China não diminui nem com a redução no nível do crescimento econômico promovido pela crise financeira internacional. Embora mais concentrado na próspera costa leste, o “ritmo frenético de mudança ocorre em todo o país”, afirma a jornalista Cláudia Trevisan, “na medida em que as cidades se transformam e o governo investe bilhões de dólares na construção da infraestrutura necessária para sustentar o crescimento anual médio de 10,6% registrado desde 1978”.
Os números que se seguem, citados pela jornalista em seu mais recente livro, falam por si mesmos:
A partir dos anos 1990, a China construiu uma rede de autoestradas de 53,6 mil quilômetros, que é menor em extensão apenas à existente nos Estados Unidos (67 mil quilômetros). Só em 2008, o governo investiu US$ 50 bilhões em novas ferrovias, o equivalente a mais de dois terços dos US$ 72 bilhões gastos no setor nos cinco anos anteriores. Na avaliação do Banco Mundial, este é o maior programa de ferrovias da história mundial desde o século XIX, quando elas eram o principal meio de transporte.
Se olharmos para os portos, constataremos algo igual ou pior do que com os aeroportos, pois estamos, no Brasil, a anos-luz de distância de Xangai ou de Hong Kong, em qualquer critério de análise.
Oxalá consigamos fazer verdadeiros milagres até a Copa de 2014, caso contrário o vexame será inevitável.
Diante disso, só me resta reconhecer que mais uma vez o Prof. Victor estava certo em sua análise, fazendo mais uma cesta. E de três pontos!
Referências e indicações bibliográficas
GIFFONI, Luís. China, o despertar do dragão: viagem ao milagre econômico chinês. Belo Horizonte: Editora Leitura, 2007.
MIRSHAWKA. Victor. A evolução das cidades até as aerotrópoles. Gerente de Cidade, nº 40, ano 10, out/nov/dez de 2006, pp. 36 – 50.
______________ Mobilidade em primeiro lugar. Gerente de Cidade, nº 49, ano 13, jan/fev/mar de 2009, pp. 1 – 8.
STALEY, Sam e MOORE, Adrian. Mobility first. New York, NY: Rowman & Littlefield, 2008.
TREVISAN, Cláudia. China: o renascimento do império. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2006.
______________ Os chineses. São Paulo: Contexto, 2009.
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