Impressões da China (5)

 Negócios na China

“Estamos no meio dos acontecimentos mais severos, em décadas,

a confrontar o sistema financeiro mundial. E a economia

da China evolui a novos patamares de maturidade e força.”

    Lawrence Chia

(Co-chairman do Global Chinese Services Group [GSCG] da Deloitte na China)

 

Encerro essa série de artigos sobre a China comentando alguns aspectos relacionados às características e dificuldades de realizar negócios no país, na condição de estrangeiro.

Baseio-me, para tanto, nas colocações do diretor do escritório da Vale na China, Eugenio Mamede. Com 22 anos de companhia, os últimos três dos quais na China, Mamede, que é engenheiro de minas formado pela Universidade Federal de Minas Gerais, fez uma apresentação que agradou a todos os participantes da Missão Estudantil da FAAP, dando uma visão geral das atividades da Vale e, em especial, da Vale China, onde opera em parceria com a Baosteel, em função das exigências do governo chinês para empresas que atuam no setor de mineração.

Mamede esclareceu que a Vale realiza operações na China desde 1973, tendo seu próprio escritório desde 1994. Ocupa as instalações atuais – no coração do Pudong – desde 2007 e tem um efetivo de 85 pessoas, sendo 20 da área de minério de ferro (em que a Vale é a primeira do mundo), 40 da área de níquel (em que é a segunda do mundo), e os 25 restantes distribuídos entre a área de carvão (em que a empresa está em franca ascensão) e outras atividades administrativas.

Em sua exposição, Mamede afirmou que os quatro fatores para obtenção de sucesso na China são:

1) gente bem preparada; 2) “guanxi” (relacionamento); 3) “mianzi” (prestígio ou face); e 4) competitividade.

Quanto ao primeiro, Mamede fez questão de desmistificar a ideia – amplamente disseminada – de que o sucesso das empresas localizadas na China se deve à mão-de-obra barata. De acordo com Mamede (e com outros executivos de empresas brasileiras visitadas pela Missão, como a Embraco, a Embraer, a WEG e a Voith Hydro), essa imagem que se tem da China vai se tornando cada vez mais coisa do passado, especialmente nos setores de capital intensivo, que produzem bens de elevado valor agregado e que utilizam tecnologia sofisticada. Nesse segmento, a mão-de-obra apresenta um crescente grau de qualificação e o nível de remuneração pode não ser comparável ainda ao verificado nos países desenvolvidos da América do Norte e da Europa, mas já é equivalente ao observado na América Latina, na Ásia e em diversos países da Europa Central.

Sobre os dois fatores seguintes indicados por Mamede, vou me valer das explicações fornecidas pela jornalista Cláudia Trevisan no recém lançado livro Os chineses.

Guanxi e mianzi são duas das expressões tipicamente chinesas que o forasteiro aprende logo que chega ao país. A primeira se refere à rede de relacionamentos essencial para o sucesso de quase tudo na China: dos negócios à compra de ingressos para os jogos Olímpicos. O guanxi é um patrimônio intangível de uma pessoa e, quando mais poderoso e abrangente ele for, maior será o seu grau de influência. O bom guanxi é construído de maneira paciente, por meio de encontros sociais, normalmente regados a generosas doses de baijiu, a cachaça chinesa, e a troca de presentes, outra instituição milenar na China. O acordo implícito nesses relacionamentos é a interdependência e a troca de favores. Se obtiver ajuda de alguém da minha rede de influência, tenho que estar preparada para retribuir no futuro, e vice-versa.

Outra ideia amplamente disseminada pelo mundo todo, diz respeito ao enorme grau de corrupção que envolve a realização de negócios na China. Embora não exista consenso a esse respeito, muitos analistas creditam à prática generalizada do guanxi boa parte dessa corrupção. Sobre isso, assim se expressa Cláudia Trevisan:

A linha que separa o culto ao guanxi da corrupção é bastante tênue e muitas empresas realizam favores aos poderosos chineses na esperança de receber em retribuição contratos milionários. A devoção à rede de relacionamentos também faz com que os negócios na China tenham um caráter mais pessoal e menos institucional que o Ocidente. É comum os chineses se queixarem junto a empresas estrangeiras quando um funcionário que faz parte de seu guanxi é substituído por outro, com o qual terá de construir um novo vínculo a partir do zero.

Já o terceiro fator – mianzi – cuja tradução para o português não é tão simples quanto à de guanxi, é assim explicado pela jornalista:

A noção de “face” (mianzi) tem a ver com o prestígio e o respeito conquistado perante os demais. E “perder a face” (mei mianzi) é uma das piores coisas que pode acontecer a um chinês, já que afeta sua posição social e seu poder de influência dentro de sua rede de relacionamentos. Quem tem a intenção de estabelecer um vínculo de confiança com um chinês deve ter o cuidado de jamais colocá-lo em uma situação constrangedora em público, seja apontando erros ou enfatizando fraquezas.

O quarto fator indicado pelo diretor da Vale refere-se à acirrada competitividade existente na China, que exige de quem quiser se habilitar a lá se instalar uma altíssima produtividade, muita disposição para trabalhar e um intenso esforço para conhecer e se adaptar às condições prevalecentes no país.

Para Ted Plafker, um dos mais experientes jornalistas estrangeiros radicados na China (onde vive desde 1989), é esta, em última instância, a principal razão do sucesso – ou do fracasso – das empresas que decidem se instalar no país. Em seu livro Fazendo negócios na China, ele afirma:

Mas, no final das contas, o sucesso ou o fracasso na China dependerá muito mais dos fundamentos básicos do seu negócio. Dependerá das escolhas vitais que você fará ao estruturar seu empreendimento e da sua habilidade de escolher corretamente seus sócios. E, acima de tudo – assim como em qualquer outro lugar do mundo – dependerá dos méritos de seu produto, de sua eficiência em gerenciar os custos e de sua capacidade de oferecer algo que valha a pena.

Reproduzo, a seguir, um quadro contido num artigo de autoria de Jander Ramon, intitulado Na cauda do dragão, veiculado por uma publicação trimestral destinada a executivos e tomadores de decisão chamada Mundo Corporativo. Acredito que ele resume extremamente bem as três etapas – o antes, o durante e o depois – que precisam ser observadas por qualquer um que queira se aventurar no competitivo e muito peculiar mercado chinês.

 A estratégia para conquistar o dragão

Nos dez elementos essenciais para ser bem-sucedido em uma operação de fusão ou aquisição de empresas na China, o relacionamento interpessoal é fundamental.

Antes da negociação – entenda o ambiente dos interlocutores

1. Descubra não só quem pode concretizar um negócio, mas também quem pode querer arruiná-lo

•Essas pessoas podem tanto estar dentro da empresa quanto fora dela

2. Aprenda antecipadamente tudo o que for possível sobre os públicos de interesse (acionistas, funcionários, fornecedores e clientes.

•A falta de integridade por parte de alguns membros da administração pode inviabilizar  negócios (são os  chamados deal-breakers)

3. Obtenha definições claras dos responsáveis pela aprovação do negócio.

•Isso permite que se negocie com segurança e agilidade no ambiente de negócios chinês, que é, às vezes, imprevisível.

Durante a negociação – estabeleça relações de confiança mútua

4Fazer negócios na China não significa apenas conseguir o melhor acordo possível, mas também construir  relações duradouras.

•O uso de táticas agressivas pode ser eficaz, mas tenha cautela.

5. Conquistar confiança leva tempo, mas uma vez que você a tenha alcançado, nada será capaz de fazer uma negociação evoluir mais rápido.

•Se os chineses confiarem em você, fornecerão as informações necessárias para a tomada de decisões adequada.

6.Você não precisa ser chinês para atingir seus objetivos na China

•Seja criativo – procure situações nas quais agir como um brasileiro pode facilitar a negociação.

7. É melhor pecar pelo excesso de comunicação do que pela falta dela.

•Mas o mais importante é assegurar-se de que você pode confiar no seu intérprete.

 Depois da negociação – alavanque suas relações de forma profícua e duradoura 

8.A assinatura do contrato costuma ser apenas o início da verdadeira negociação na China

•Use os relacionamentos conquistados para proteger seus negócios na China.

 9.Na China, a fidelidade às pessoas é mais usual do que a fidelidade à empresa.

•A melhor maneira de reter funcionários, clientes e fornecedores é manter as pessoas-chave.

 10.Tudo é possível na China, mas nada é fácil.

•Sem as pessoas certas, nada é possível.

 Fonte: Global Chinese Group (GCSC) da Deloitte.

Evidentemente, ninguém se torna especialista em coisa alguma numa visita de pouco mais de duas semanas. Muito menos em se tratando de algo tão complexo quanto a China, um país com uma história de cinco mil anos, repleta de altos e baixos e de tradições (e contradições) que tornam difícil sua compreensão até por aqueles que há muito procuram decifrar os seus mistérios.

Apesar, porém, das minhas evidentes limitações, espero ter contribuído com essa série de cinco artigos para que o amigo internauta possa ter tido uma pequena noção do extraordinário poder desse gigante que se encontra em pleno redespertar e, como previu Napoleão, está chacoalhando o mundo.

  Referências e indicações bibliográficas

 GIFFONI, Luís. China, o despertar do dragão: viagem ao milagre econômico chinês. Belo Horizonte: Editora Leitura, 2007.

LAW, Thomas. Aspectos comerciais na China. Mimeo.

 PLAFKER, Ted. Fazendo negócios na China. Tradução de Rita Sussekind. São Paulo: Prumo 2008.

 RAMON, Jander. Na cauda do dragão. Mundo Corporativo, nº 25, julho-setembro de 2009, pp. 4 – 9.

 SORMAN, Guy. O Ano do Galo: Verdades sobre a China. Tradução de Margarita Maria Garcia Lamelo. São Paulo: É Realizações, 2007.

 TREVISAN, Cláudia. China: o renascimento do império. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2006.

 ______________ Os chineses. São Paulo: Contexto, 2009.

 Referências e indicações webgráficas

 MACHADO, Luiz Alberto. O Ano do Galo – Verdades sobre a China. Disponível em http://www.lucianopires.com.br/idealbb/view.asp?topicID=7046.