Reflexões sobre a carreira do internacionalista

 Luiz Alberto Machado[1]

 Normalmente, o que se espera de um artigo sobre o planejamento de uma carreira profissional é que ele seja baseado num clássico da teoria econômica que tenha se debruçado sobre a questão do planejamento ou do desenvolvimento, como Schumpeter, por exemplo, ou num dos consagrados livros de planejamento estratégico, adotados em cursos de graduação em administração ou em cursos de pós-graduação e MBAs nas áreas de gestão e administração.

Em vez disso, a elaboração deste artigo tomou por base quatro livros que possuem, em comum, o fato de serem textos de fácil compreensão, daqueles que as pessoas começam a ler e não querem mais largar até chegar à última linha. Foram eles: A bola não entra por acaso, A estratégia do oceano azul, O lado oculto das mudanças e Nosso iceberg está derretendo.

O primeiro dos quatro, A bola não entra por acaso, de autoria de Ferran Soriano (2010), que ocupou a vice-presidência do Barcelona no período em que o clube se transformou no melhor e mais respeitado time de futebol de todo o mundo, é o que servirá como uma espécie de fio condutor do texto, permitindo o estabelecimento de paralelos entre o futebol e o mercado de trabalho. Os outros três livros indicados serão utilizados como fontes de considerações complementares.

 O texto está dividido em quatro partes.

 A primeira, O terreno do jogo: Em que negócio você está?, examina o universo em que se insere a atuação do internacionalista, iniciando por algumas considerações sobre a globalização, para uma posterior incursão pelas tendências do mundo do trabalho. Neste aspecto em particular, foi utilizado como referencial o livro do Prof. Roberto Macedo, Seu diploma, sua prancha.

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 [1] Economista, vice-diretor da Faculdade de Economia da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), conselheiro do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, do Conselho Federal de Economia e da Fundação Brasil Criativo.

 A segunda, Quais as condições do campo de jogo?, examina, inicialmente, o panorama dos cursos de Relações Internacionais existentes no País e as principais oportunidades de ocupação para aqueles que se formam nesses cursos. Em seguida, faz uma avaliação da conjuntura econômica do País, dando atenção especial às questões de caráter institucional.

A terceira, Estratégias: Como jogar?, aborda as opções de atuação do bacharel em relações internacionais, tendo por pano de fundo a confrontação entre o nível de qualificação de cada internacionalista e as oportunidades e ameaças representadas pelos outros atores presentes no cenário.

Por fim, a quarta parte, Como ser o vencedor?, enfatiza, de um lado, os fatores fundamentais da formação do profissional contemporâneo e, de outro, a necessidade de constante atualização e reciclagem, única forma de neutralizar, pelo menos em parte, o risco de decaimento ou obsolescência intelectual

            1.  O terreno do jogo: Em que negócio você está?

Ao assumir a gestão do Barcelona após ganhar as eleições em 2003, a diretoria, que era composta por executivos de sucesso em outros segmentos e não no futebol, estabeleceu como primeira prioridade entender o funcionamento do “negócio” futebol, sem o que seria impossível definir qualquer planejamento passível de ser viabilizado.

No esforço para entender o funcionamento do “negócio” futebol, a equipe que compunha a diretoria eleita procurou conhecer o arcabouço institucional que está por trás da organização das competições, os principais meios de obtenção de receita e o posicionamento dos clubes dentro do cenário futebolístico, a fim de tomar a decisão sobre qual seria o lugar do Barcelona.

Foi nessa fase que a diretoria compreendeu como funcionam e se relacionam os dois principais organismos reguladores do futebol, a FIFA e a UEFA.

Ao examinar as fontes de obtenção de receita, a diretoria verificou que num mundo cada vez mais integrado pelos meios de comunicação, o marketing se torna peça chave na administração dos clubes, de tal forma que os patrocínios dos clubes e as negociações com as redes de televisão – abertas e fechadas – assumem papel central, deixando em planos inferiores as outras fontes de receita como a venda de ingressos ou carnês para os jogos e as transações de compra e venda de jogadores.

Foi nessa fase também que a diretoria tomou a decisão de situar o Barcelona no restrito grupo de elite do futebol mundial, composto apenas por clubes extremamente bem estruturados e que atuam em mercados de primeiro nível. Entre os clubes desse grupo restrito fazem parte o Manchester United e o Chelsea da Inglaterra, o Bayern Munich da Alemanha, o Milan, a Internazionale e a Juventus da Itália, além do arquirrival espanhol, o Real Madrid. Embora existam clubes bem estruturados em outros países da Europa, não são considerados integrantes desse seleto grupo, pois os valores movimentados pelo futebol nesses países estão muito aquém daqueles que são movimentados nas principais ligas, como são as da Inglaterra, da Alemanha, da Itália e da Espanha.

O mesmo raciocínio pode ser aplicado ao internacionalista, quer o já formado, quer o estudante em vias de ingressar no mercado de trabalho. Para poder planejar sua carreira, é preciso entender o funcionamento das relações internacionais, tanto numa perspectiva mais geral, como numa perspectiva mais específica ou local.

1.1. Considerações acerca da globalização

 Vale a pena considerar, de início, algumas características da economia globalizada. Tema polêmico por natureza, capaz de despertar amor e ódio, a globalização tem sido objeto de análise de um número enorme de analistas, muitos deles com posições radicalmente diferentes a respeito da mesma. Assim, consciente de que assumir a escolha de um único autor para servir de referência sobre tema tão polêmico pode ser fator de crítica por parte de todos aqueles que têm opinião diferente a respeito da globalização, tomo por base um artigo elaborado pelo Prof. Eduardo Giannetti para um seminário realizado em 1996. Apesar do tempo decorrido, o texto segue extremamente atual e oportuno.

No referido artigo, Giannetti começa a análise da globalização com o seguinte comentário:

A globalização não é apenas a palavra da moda, mas a síntese das transformações radicais pelas quais vem passando a economia mundial desde o início dos anos 80. Suas dimensões básicas, que estão revolucionando a atividade produtiva e o modo de vida neste fim de milênio, são a aceleração do tempo e a integração do espaço. O paradoxo é que embora façamos  as coisas que desejamos em cada vez menos tempo, falte também cada vez mais tempo para fazer aquilo que desejamos. Quanto mais economizamos tempo, mais carecemos dele.

 

Depois de fazer essas considerações iniciais, Giannetti afirma que a globalização pode ser entendida como resultante da conjunção de três forças poderosas:

 1. A terceira revolução tecnológica (tecnologias ligadas à busca, processamento, difusão e transmissão de informações; inteligência artificial; engenharia genética);

2. A formação de áreas de livre comércio e blocos econômicos integrados (União Europeia, Nafta, Mercosul etc.); e

3. A crescente interligação e interdependência dos mercados físicos e financeiros em escala planetária.

Mesmo reconhecendo o desgaste da expressão paradigma, no sentido atribuído a ela por Thomas Khun (1982), pelo uso excessivo e inadequado que levou a certa banalização da mesma, acredito que a globalização significou uma efetiva mudança de paradigma e, em consequência disso, como ocorre sempre que há uma mudança de tal magnitude, há uma acentuada oscilação da importância de alguns fatores, com o aumento da importância de alguns e a redução da importância de outros, lembrando o movimento de uma gangorra.

 Para Giannetti, ganharam importância com a globalização:

1)    A estabilidade e a previsibilidade macroeconômicas;

2)    O investimento em capital humano, entendido não apenas no seu componente cognitivo, necessário para interagir com as novas tecnologias, mas também no que diz respeito à ética e à confiabilidade interpessoal.

3)    Agilidade e flexibilidade empresarial.

   Simultaneamente, perderam importância com a globalização:

1)    A mão-de-obra barata e a abundância dos recursos naturais como fatores de competitividade e atração de investimento direto estrangeiro;

2)    A autossuficiência econômica como objetivo nacional;

3)    A noção de Estado Nacional soberano.

 

1.2. Tendências do mundo do trabalho

 Feitas as considerações de caráter mais geral a respeito da globalização, que por si só tem efeito significativo sobre o mundo do trabalho, é necessário examinar algumas mais detalhadamente algumas de suas próprias características.

 

1.2.1.     Sob o signo da transitoriedade 

Qualquer que seja a visão individual a respeito da globalização, duas coisas, porém, parecem obter o consenso de todos que se debruçam sobre o tema: a primeira é que o mundo tornou-se mais competitivo, o que afeta pessoas, empresas, organizações e países; a segunda é que o ritmo das mudanças é extremamente acelerado.

O que surpreende hoje não é a mudança em si, mas o ritmo em que ela ocorre. Luc de Brabandere, no excelente O lado oculto das mudanças, assim se refere a isso:

Na verdade o mundo está mudando num ritmo muito mais acelerado do que aquele dos tempos de Heráclito. A primeira aceleração ocorreu quando o mundo agrário fez a transição para o industrial. O segundo – e muito mais dramático – foi a transmutação do industrial para o digital. Enquanto a eletricidade e o telefone levaram 50 anos para atingir metade dos lares americanos, o e-mail e o DVD foram adotados pela maior parte da população em apenas dez anos. Menos de dez anos? Da maneira como as coisas vão, daqui a pouco tempo estaremos monitorando as mudanças em meses e não em anos. (2006)

A combinação desses dois fatores – intensa competitividade e alucinante ritmo das mudanças – nos transmite a sensação, nem sempre acertada é bom frisar, de que tudo é efêmero e passageiro, o que vale para as ideias, os produtos, os processos, as teorias, os valores, as crenças, os preconceitos, os paradigmas, as percepções e até as ideologias. Indo além do consagrado livro de Marshall Berman (2007), tudo o que é sólido – e também o que não é – desmancha no ar.

Também isso não chega a ser novidade, tendo sido analisado a partir de prismas diferentes por Joseph Schumpeter (1982), como destruição criativa, e pelos seguidores de Marx, entre os quais o húngaro István Meszáros (1996), como obsolescência planejada. O que chama atenção, mais uma vez, é o ritmo atingido recentemente pelas mudanças.

1.2.2.     Profissão X Ocupação

 Ao se analisar as oportunidades oferecidas é preciso estar atento às reviravoltas do mercado, que em determinados momentos valoriza certos aspectos da formação do profissional e, em outros, aspectos diferentes.

Nesse sentido, vale a pena observar, em primeiro lugar, a relação e o maior ou menor grau de descolamento entre profissão e ocupação.

Como bem aponta o Prof. Roberto Macedo (1998), poucos atentam para a diferença entre profissão e ocupação. A primeira diz respeito à formação do indivíduo, seja ela obtida num curso superior, seja num curso técnico. A segunda refere-se ao tipo de trabalho que o indivíduo desenvolve, podendo estar ou não relacionada à sua profissão. Muitos especialistas no assunto afirmam, com base em suas pesquisas, que há uma tendência em curso caracterizada pelo crescente descolamento entre profissão e ocupação, com um número cada vez maior de pessoas que possuem uma determinada formação atuando profissionalmente em ocupações que teoricamente deveriam estar sendo preenchidas por outros profissionais. Essa tendência de descolamento só não ocorre de forma tão acentuada nos cursos que formam profissionais para setores muito específicos, como, por exemplo, odontologia ou veterinária. Nesses casos, verifica-se elevada aderência entre a formação profissional e o exercício de ocupações com alto grau de correlação.

 1.2.3.     Especialista  X  Generalista

 Ainda relacionado às tendências do mercado de trabalho e às suas reviravoltas, vale observar a dicotomia entre especialistas e generalistas.

Há alguns anos o mercado exigia profissionais superespecializados, de tal forma que o indivíduo tinha que se preocupar em se aprofundar cada vez mais naquela área específica que ele havia escolhido para ter como profissão. De uns anos para cá, isso não é mais suficiente, uma vez que além de bons conhecimentos numa área específica, as empresas querem profissionais generalistas, ou seja, que possuam bons conhecimentos também em diversas outras áreas, o que o Prof. Carlos Roberto Faccina (2006) define como “especialista generalizante”. Isso requer de qualquer indivíduo uma reciclagem constante e uma contínua busca por novas informações acerca de quase tudo de relevante que acontece ao redor do mundo, pois além da boa formação numa área específica do conhecimento, o profissional precisa ter um repertório amplo, englobando bom nível de informação – e algum conhecimento mais elaborado – de assuntos pertinentes a diversas áreas de conhecimento e de atuação.

Uma vez conhecido o terreno do jogo, é hora de se preocupar com as condições do campo de jogo.

 

2.Quais as condições do campo de jogo?

   

       2.1. Características gerais dos cursos de Relações Internacionais

O objetivo geral dos cursos de Relações Internacionais (RI) pode ser assim descrito: formar quadros profissionais capacitados a elaborar e desenvolver estratégias para a otimização das ações internacionais de organizações governamentais e não governamentais, públicas ou privadas.

Os cursos de RI passaram por um intenso processo de proliferação a partir do final dos anos 1990 e durante a primeira década do século XXI. Assim, num curto espaço de tempo a oferta de cursos de graduação deixou de ser extremamente limitada, com poucas instituições de ensino disponibilizando esta opção, passando a ser oferecido por aproximadamente uma centena de instituições de ensino em todo o País e sendo, em muitos casos, um dos cursos com maior relação candidato/vaga.

Nesse processo de proliferação foi possível observar o aparecimento de cursos com propostas pedagógicas e ênfases diferenciadas, sendo possível, a meu juízo, sintetizá-los em dois tipos principais.

O primeiro, mais tradicional, é constituído pelas instituições de ensino que oferecem cursos de RI seguindo a linha do curso originalmente oferecido no País pela Universidade de Brasília, em que há um peso relativo muito forte das disciplinas relacionadas à história, teoria das relações internacionais, direito, sociologia e ciência política.

O segundo, mais voltado para uma linha que se tornou conhecida nos Estados Unidos pelo nome de business diplomacy, sem deixar de oferecer as disciplinas oferecidas pelas instituições de ensino do primeiro grupo, dá um destaque maior em suas grades curriculares a disciplinas ligadas a economia, finanças, administração e marketing.

Se os internacionalistas formados pelas instituições do primeiro grupo apresentam um perfil que se aproxima ao de um diplomata, os das instituições do segundo grupo possuem um perfil mais voltado ao do diplomata empresarial, ou seja, aquele indivíduo que tem por principal preocupação prospectar oportunidades e vender o Brasil e os bens e serviços por ele produzidos.

Com relação às oportunidades de ocupação para os internacionalistas, independentemente do curso em que se formaram, creio que sete são as mais destacadas:

  1. Diplomacia – sendo necessário, para tanto, a realização do curso oferecido pelo Instituto Rio Branco;
  2. Setor privado – principalmente em empresas transnacionais instaladas em nosso país e em empresas brasileiras que estão se internacionalizando;
  3. Setor público – com oportunidades crescentes nos estados e municípios que têm criado secretarias ou assessorias especiais em relações internacionais;
  4. Organismos multilaterais – ligados ou não ao sistema das Nações Unidas;
  5. Terceiro setor – em especial nas organizações que já passaram pelo processo de profissionalização de sua gestão;
  6. Empresas de assessoria ou consultoria em relações internacionais;
  7. Academia – em atividades de pesquisa e docência.

2.2. Avaliação da conjuntura

Nesse momento, o internacionalista ou futuro internacionalista deve fazer uma profunda avaliação da conjuntura, procurando observar o desempenho da economia, os setores que estão em expansão ou contração, as mudanças no marco regulatório e a atuação dos principais atores.

No Barcelona, não foi diferente. E a correta avaliação da conjuntura e das profundas mudanças que estavam ocorrendo no mundo do futebol foi fundamental para que as decisões tomadas naquele momento transformassem o Barcelona naquilo que ele é hoje.

Portanto, nessa fase do planejamento da carreira, o internacionalista, assim como qualquer outro profissional, deve observar entre outras coisas os seguintes aspectos:

 2.2.1. A economia está em crescimento?

 O desempenho econômico dos países não é constante nem linear, alternando momentos de expansão, quando ocorre crescimento econômico, com momentos de retração, quando a economia está estagnada ou em desaceleração.

No livro Seu diploma, sua prancha (1998), o Prof. Roberto Macedo faz um paralelo entre a carreira profissional e a carreira de um surfista. Ao analisar a carreira profissional, Macedo destaca a boa formação, obtida por meio de um curso de boa qualidade, e o aperfeiçoamento contínuo, obtido por meio da participação em cursos de especialização, seminários, congressos e outros eventos dessa natureza.

Na analogia com o surfista, equivale à boa técnica, obtida através de um bom aprendizado, do bom preparo físico e de constante aperfeiçoamento, decorrente de longas horas de prática e da capacidade de adaptação a diferentes tipos de ondas. Contempla também a escolha de bons equipamentos, pois a evolução que ocorre na fabricação das pranchas utilizadas pelos surfistas é a mesma que ocorre em qualquer setor de atividade e a obsolescência dos materiais e equipamentos cobra um alto preço dos que ficam desatualizados.

Mas de nada adianta uma boa técnica, um excelente preparo físico e um treinamento exaustivo se o mar se assemelhar a uma lagoa, sem oferecer as ondas indispensáveis à prática do surf. Se as condições permanecerem assim por muito tempo, não restarão outras opções ao surfista: ou ele buscará outros lugares para continuar surfando ou buscará outras atividades para desempenhar.

Com o internacionalista não é muito diferente. Sua boa formação e seu constante aperfeiçoamento serão seriamente prejudicados se a conjuntura for adversa, oferecendo poucas oportunidades de emprego o de ascensão na carreira. Se isso acontecer, o internacionalista deverá também procurar outros locais para exercer sua profissão, onde a conjuntura for mais favorável e as oportunidades mais numerosas ou considerar a hipótese de buscar ocupação em áreas mais afastadas de sua formação original. Nessa hora, o internacionalista poderá se beneficiar da ampla formação que os cursos de RI oferecem, quer tenham uma abordagem mais tradicional, quer tenham uma abordagem mais voltada para a diplomacia corporativa (business diplomacy). Em qualquer um deles, observa-se a combinação entre a sólida formação teórica, complementada por uma abrangente visão histórica.

2.2.2. Que setores estão em expansão?

 Se o desempenho da economia como um todo não é linear, o mesmo ocorre com os diferentes setores que compõem a economia, cujos desempenhos podem também apresentar acentuadas oscilações.

Quem tem o hábito de observar os indicadores econômicos sabe que o desempenho da economia como um todo – o que os economistas chamam de crescimento do PIB – resulta do desempenho combinado dos três setores clássicos da economia, o primário, representado pela agricultura, pecuária e extrativismo, o secundário, representado pela indústria de transformação, e o terciário, representado pelos serviços. Ao observar o desempenho desses setores será possível constatar que muitas vezes um ou dois deles encontram-se em franca atividade, registrando sensível expansão, enquanto o(s) outro(s) apresenta(m) fraco desempenho, com redução crescente do nível de atividade.

É preciso estar atento a essas oscilações para saber onde poderão ser encontradas as melhores oportunidades.

2.2.3. A intervenção do Estado na economia está aumentando ou diminuindo?

A economia não funciona isoladamente. Ou seja, seu funcionamento ocorre em estreita relação com a política, com o ordenamento jurídico, com o arcabouço institucional e com as organizações sociais e culturais.

Observando-se a evolução recente da economia brasileira, verifica-se que no início da década de 1990 houve uma significativa redução do nível de intervenção do Estado, produto dos programas de privatização e de desregulamentação, levados a cabo pelos governos de Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Mesmo não dando continuidade a essa redução do nível de intervenção governamental na economia, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva não promoveu maiores retrocessos no que havia sido feito por seus antecessores, apesar de ter criado outras formas de intervenção do Estado na economia.

Diante disso, observa-se, numa comparação com o que ocorria até a década de 1980, uma redução da oferta as oportunidades de emprego no setor público. E as que ainda existem são preenchidas, cada vez mais, por meio de concursos públicos, abertos em sua maioria a portadores de qualquer diploma de nível superior e não a uma ou outra profissão em particular.

Uma vez mais, nesses casos, o internacionalista pode se beneficiar de sua formação que alia solidez e abrangência de repertório.

2.2.4. Os diferentes mercados operam em regime de concorrência?

 Outro ponto a considerar na avaliação da conjuntura a ser feita periodicamente pelo internacionalista diz respeito ao ordenamento regulatório vigente e ao maior ou menor grau de concorrência existente nos diversos mercados da economia.

Esse aspecto – o maior ou menor grau de concorrência – contribui decisivamente para o dinamismo do mercado, que costuma ser mais elevado nos setores em que a concorrência prevalece, exigindo respostas rápidas das empresas e instituições que neles operam, em contraste com setores monopolizados ou oligopolizados, em que o dinamismo costuma ser menor.

Evidentemente, ao planejar sua carreira, o internacionalista deve se orientar para os setores com maior dinamismo, uma vez que é neles que as oportunidades de crescimento e ascensão aparecem com mais frequência.

2.2.5. Existe mobilização dos fatores de produção?

 A globalização, e em especial a crescente interdependência e interligação entre países pertencentes a blocos econômicos determinados, ampliou significativamente a mobilização dos fatores capital e mão-de-obra. Também os acordos bilaterais feitos por diferentes países, mesmo pertencendo a blocos econômicos distintos, contribuíram para essa maior mobilidade.

O que isso representa na prática é que ao disputar uma oportunidade de emprego, um internacionalista brasileiro não tem que concorrer apenas com internacionalistas ou profissionais de outras formações profissionais de seu próprio país, uma vez que estão de olho na mesma oportunidade profissionais de diversos outros países, não raras vezes formados em condições muito mais favoráveis do que os brasileiros.

Em vista disso, torna-se ainda mais importante escolher uma boa instituição de ensino para fazer seus estudos, pois a eventual maior facilidade para obter um diploma oferecido por uma instituição de ensino menos rigorosa trará, seguramente, sérias dificuldades mais tarde, pois o mercado e os concursos públicos são implacáveis, selecionando apenas os mais aptos para ocuparem os postos disponíveis.

 2.2.6. O arcabouço institucional é sólido?

 Por muito tempo, as perversas condições prevalecentes na economia brasileira favoreceram constante mudança nas “regras do jogo”, ou seja, no arcabouço institucional vigente, afugentando, desta forma, investidores interessados na aplicação de seus capitais.

Se isso acontecia até com investidores locais, imagine com os estrangeiros, muito mais precavidos em razão de seguidos prejuízos decorrentes de alterações das regras do jogo havidas em função dos sucessivos pacotes econômicos adotados no Brasil na tentativa de combater a inflação crônica e elevada com a qual fomos obrigados a conviver por tanto tempo.

Nesse aspecto em particular, é motivo de enorme satisfação constatar que a imagem do Brasil no mundo mudou consideravelmente nos últimos vinte e cinco anos em razão não apenas da maior estabilidade conquistada após o Plano Real, mas também da maior abertura da nossa economia e da redemocratização ocorrida em meados da década de 1980. Graças a esses fatores, saímos da condição constrangedora de um dos países menos recomendados para investimentos, em que nos encontrávamos até a conquista da estabilidade, para país detentor de grau de investimento (investment grade), o que coloca o Brasil entre os países mais indicados para receberem investimentos.

Por mais que existam reservas quanto à lisura na atuação das empresas de avaliação de risco, o fato é que elas são levadas em conta pelos investidores nas suas tomadas de decisão e, sendo assim, é salutar permanecer no seleto grupo de países positivamente recomendados por essas agências. Afinal, a entrada de investimento direto estrangeiro é essencial para o crescimento econômico e, por extensão, para a existência de oportunidades crescentes de emprego não só para os internacionalistas, mas também para qualquer outro profissional.

3.Estratégias: Como jogar?

 Nessa fase, será necessário cotejar a estratégia vista na primeira parte e as condições do terreno de jogo vistas na segunda parte com as características pessoais de cada indivíduo, a fim de que seja possível identificar quais as oportunidades existentes mais adequadas ao perfil, à formação e às vocações de cada um. Entre os fatores a serem observados nessa fase, gostaria de destacar os seguintes:

 3.1. Em que segmentos estou apto a atuar?

 Como a formação do internacionalista é muito abrangente, oferecendo possibilidades de atuação em variados setores, é natural que cada indivíduo se encontre em melhores condições para atuar em alguns segmentos do que em outros.

Isto se deve não apenas à formação que obteve na graduação, já que os cursos de RI oferecem uma formação padronizada, e costumam enfatizar aspectos diversos ao longo dos semestres em que está estruturado. Deve-se também à formação complementar de cada um, realizada através da participação de atividades extracurriculares, e também à experiência profissional de cada indivíduo, que no exercício de determinadas ocupações acaba absorvendo conhecimentos aprofundados do setor em que atua, colocando-se em posição vantajosa em relação aos que não adquirem a mesma experiência e, por extensão, o mesmo nível de conhecimento.

         3.1.1. Como explorar meus pontos fortes?

 Num mundo altamente competitivo como é o mundo em que estamos inseridos, seria lógico imaginar que cada indivíduo – internacionalista ou não – tivesse pleno conhecimento de si mesmo, sabendo precisamente quais os seus pontos fortes, em que possui vantagem competitiva na disputa pelas oportunidades existentes, e também os seus pontos fracos, nos quais aparece com desvantagem em relação a muitos dos competidores por essas oportunidades.

Estranha e lamentavelmente, porém, não é isso que se constata quando se observa a realidade concreta no desenrolar do seu dia a dia. Nesta, o que se percebe é que muitos profissionais atiram-se ao mercado em busca de oportunidades de forma desorganizada e caótica, desconsiderando suas virtudes e seus defeitos.

Por isso, vale a pena investir algum tempo num processo de autoconhecimento, examinando pontos fortes e fracos não só no que se refere ao domínio técnico e à formação específica, mas também no que se refere a uma eventual dominância cerebral – alguns possuem maior aptidão para explorar o hemisfério esquerdo do cérebro, responsável pelo controle de aspectos como a racionalidade, a lógica, a sequencialidade etc., enquanto outros possuem maior aptidão para explorar o hemisfério direito do cérebro, responsável pelo controle de aspectos como a emoção, a intuição e a imaginação.

Com esse esforço no processo de autoconhecimento, o profissional terá maior possibilidade de entrar ou crescer no mercado de trabalho, explorando os pontos fortes que lhe conferem vantagem para aproveitar as oportunidades.

          3.1.2. O que fazer para neutralizar as vantagens competitivas dos meus concorrentes?

 Além de investir no seu próprio autoconhecimento, vale a pena também tentar conhecer os pontos fortes e os pontos fracos daqueles que vão disputar as mesmas oportunidades oferecidas pelo mercado.

Só assim será possível neutralizar – no todo ou em parte – eventuais vantagens competitivas dos concorrentes.

3.2. É possível estabelecer um novo nicho, tornando a concorrência irrelevante?

 Nem sempre a busca por oportunidades precisa ocorrer num ambiente fratricida, em que o sucesso de alguém tem que implicar necessariamente no fracasso ou na destruição de outro(s).

O livro A estratégia do oceano azul (2005), que tem o sugestivo subtítulo “como criar novos mercados e tornar a concorrência irrelevante”, expõe uma nova visão estratégica de negócios que foi considerada uma verdadeira revolução pelos maiores especialistas em gestão empresarial. Procura mostrar que mais eficaz do que ficar disputando a liderança em mercados com elevada concorrência, o ideal é descobrir um novo e desconhecido tipo de negócio, de tal forma que os (antigos) concorrentes tornem-se irrelevantes, ao menos por algum tempo.

O mesmo tipo de estratégia pode ser adotado pelo internacionalista ou pelo futuro internacionalista na hora de decidir onde vai procurar atuar. Um exame apurado do mercado de trabalho provavelmente mostrará setores em que não há muita concorrência ou em que a concorrência é pequena. Várias razões podem contribuir para isso, entre elas o desconhecimento das possibilidades de trabalho que a profissão oferece ou a pouca valorização dada, temporária ou permanentemente, a algumas atividades.

      3.3. Posso contar com uma equipe confiável?

 Outra característica do mercado de trabalho atualmente vigente é a exigência de profissionais capacitados a trabalhar tanto individualmente como em equipe.

Essa exigência é mais complicada do que pode parecer à primeira vista, já que o modelo pedagógico predominante nas escolas e faculdades caracteriza-se pelo ensino padronizado, pelas atividades individualizadas e pelas avaliações baseadas mais na memorização e na reprodução do que no raciocínio e na produção de conhecimentos.

Assim, formados em instituições de ensino que continuam utilizando modelos pedagógicos dessa natureza, mesmo aqueles que têm a oportunidade de se formar nas melhores, acabam tendo enormes dificuldades para atender as exigências de trabalhar em equipe e de adotar uma postura empreendedora, com espírito de iniciativa e capacidade de liderança.

Diante disso, além dos conhecimentos que serão certamente fornecidos pelos cursos de RI, sugiro uma lida dos autores que se consagraram recentemente na investigação das múltiplas inteligências, como Howard Gardner (1995 e 1999), da inteligência emocional, como Daniel Goleman (1995), ou ainda sobre as economias criativas, como Richard Florida (2010), Ana Carla Fonseca Reis (2007) e Lídia Goldenstein (2010).

Com essa “formação ampliada”, o internacionalista estará mais preparado não só para trabalhar (ou coordenar) em equipe, sabendo como extrair o que de melhor cada integrante da equipe tem para dar, mas também para explorar seu próprio potencial de forma integral.

     4.Como ser o vencedor?

 Finalizando este texto sobre o planejamento estratégico da carreira do internacionalista, volto a enfatizar aspectos já mencionados anteriormente, entre os quais a necessidade da melhor formação possível, da busca permanente de um repertório amplo e abrangente, da capacidade de atuar com desenvoltura tanto individualmente como em equipe e adotando espírito empreendedor ou intraempreendedor, ou seja, ser capaz de agir como um empreendedor dentro da empresa e não necessariamente criando novas empresas.

Recomendo, ainda que o internacionalista não se limite às possibilidades tradicionais de atuação, mas também às possibilidades oferecidas fora daqueles campos de atuação típicos do internacionalista, uma vez que a realidade tem mostrado uma tendência em que os mais bem preparados é que levam vantagem, independentemente da especialização estampada em seus diplomas. Assim sendo, considerando que hoje é comum observarmos campos de trabalho que por muito tempo foram ocupados exclusivamente por determinados profissionais serem invadidos por profissionais com outras formações, também o internacionalista, por sua formação sólida e abrangente, está apto a desenvolver sua carreira profissional, com sucesso, exercendo ocupações que até algum tempo atrás seriam vistas como prerrogativa exclusiva de profissionais com formação diferente da do internacionalista.

 Referências bibliográficas

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 FLORIDA, Richard. La clase creativa. Buenos Aires: Paidós, 2010.

 Gardner, Howard. Inteligências múltiplas:a teoria na prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

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 GIANNETTI, Eduardo. Globalização, transição econômica e infraestrutura no Brasil. Texto preparado para o Seminário “Competitividade na infraestrutura para o Século XXI”, promovido pelo Instituto de Engenharia, São Paulo, realizado em 24/09/96.

 GOLDENSTEIN, Lídia. O desafio da economia criativa. Digesto Econômico LXV: 458 (maio 2010).

 Goleman, Daniel. Inteligência emocional. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 1995.

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KOTTER, John e RATHGEBER, Holger. Nosso iceberg está derretendo. Rio de Janeiro: Best Seller, 2006.

 KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1982.

 Macedo, Roberto. Seu diploma, sua prancha. São Paulo: Saraiva, 1998.

 MESZÁROS, István. Produção destrutiva e estado capitalista. São Paulo: Ensaio, 1996.

 REIS, Ana Carla Fonseca. Economia da cultura e desenvolvimento sustentável: o caleidoscópio da cultura. Barueri, SP: Manole, 2001.

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SORIANO, Ferran. A bola não entra por acaso:estratégias inovadoras de gestão inspiradas no mundo do futebol. São Paulo: Larousse do Brasil, 2010.