Cidade de chegada

           A importância dos fluxos migratórios

       Ciidade de chegada- artigo Beto

“Façamos das migrações uma enorme oportunidade para a Paz no Mundo e para o combate à pobreza, essa sim, uma grande ameaça global.”

                                                                                                                                    Fernando Nobre

 

Um dos assuntos negligenciados em inúmeros cursos de economia – e temo que o mesmo ocorra em diversos outros cursos de nível superior – que considero mais graves é o da demografia, em razão de sua enorme relevância para a compreensão de diversos fenômenos socioeconômicos. Em consequência da ausência de disciplina específica e/ou da reduzida atenção dispensada a esse assunto, uma gama enorme de economistas – e de outros graduados em curso superior – deixam os bancos universitários tendo baixo nível de conhecimento deste tema tão importante e, em consequência disso, dedicam pouca ou nenhuma atenção a ele no exercício de suas atividades profissionais.

Além do pouco caso, há um agravante. Parcela considerável dos que conseguem reconhecer a importância da questão demográfica, possuem dela uma visão limitada ou deturpada, levando em conta apenas aspectos relacionados à oscilação verificada no plano vegetativo, ou seja, os indicadores referentes às taxas de natalidade e mortalidade, graças principalmente ao alerta feito por Thomas Malthus em seus Ensaios sobre a população. Dessa forma, acabam por omitir outros aspectos também significativos, em especial o dos fluxos migratórios.

É exatamente sobre esse aspecto que se debruça Doug Saunders, editor-chefe europeu do The Globe and Mail, no livro Cidade de chegada, que tem por subtítulo A migração final e o futuro do mundo, tardiamente lançado em português pela DVS Editora em 2013.

Saunders focaliza ao longo do livro, a rigor, uma faceta dos fluxos migratórios, o da migração dos campos e vilarejos situados na zona rural para as cidades.

Embora tenha esse enfoque específico, sua relevância é inquestionável. Afinal, como está citado na quarta capa do livro: “Essa migração é, de qualquer maneira, um progresso. Não há como romantizar a vida dos vilarejos. Hoje, a vida rural é a maior assassina de seres humanos, além da maior fonte de desnutrição, de mortalidade infantil e de redução do tempo de vida. De acordo com o Programa Mundial de Alimentação (PMA) da Organização das Nações Unidas (ONU), do um bilhão de pessoas que vivem em situação de fome extrema no mundo, 75% são camponeses”.

Para desespero dos saudosistas e dos que têm uma visão utópica da realidade, a imagem de uma vida pacata e bucólica, de alto padrão, longe da agitação dos centros urbanos, é cada vez mais remota, uma vez que é em torno dos centros urbanos que se encontram as condições e os recursos mais favoráveis ao acesso aos padrões de vida que caracterizam as sociedades mais desenvolvidas.

A descrição das mazelas que cercam as populações que permanecem vivendo no campo não se restringe aos supramencionados. Há outros problemas envolvidos, como assinala Saunders: “Em função da necessidade de manterem famílias grandes – para que todos possam trabalhar e se manter vivos –, os vilarejos rurais são a maior fonte de crescimento populacional exagerado. As rendas urbanas em todos os lugares são maiores – em geral significativamente mais elevadas; o acesso à educação, à saúde, à água e ao sistema de esgoto, assim como à comunicação e à cultura, é sempre melhor na cidade”.

Adicionalmente, observa o autor: “A mudança para os centros urbanos também reduz os danos ecológicos e as emissões de carbono, diminuindo distâncias e aumentando o compartilhamento das tecnologias. A pobreza mortal é um fenômeno do campo: para três quartos dos pobres do mundo, aqueles que vivem com menos de um dólar por dia, moram em áreas rurais. O declínio drástico no número de pessoas miseráveis do mundo na virada do século – com 98 milhões de pessoas deixando a pobreza entre 1998 e 2002 e o índice caindo de 34%, em 1999, para 25%, em 2009 – ocorreu em função da urbanização: as pessoas vivem melhor quando se mudam para a cidade e conseguem, inclusive, enviar dinheiro para os povoados de onde vieram”.

As cidades de chegada são conhecidas pelo mundo por muitos nomes, entre os quais slums, favelas, bustees, bidonvilles, ashwaiyyat, shantytowns, gecekondular, vilarejos urbanos, pueblos jóvenes, e barrios do mundo em desenvolvimento. Elas também são chamadas de bairros de imigrantes, distritos étnicos, banlieues difficiles, Plattenbau, Chinatowns, Little Indias, bairros hispânicos, favelas urbanas e subúrbios de migrantes de países abastados, e todos os anos absorvem dois milhões de pessoas, principalmente moradores de vilarejos do mundo em desenvolvimento.

Considerando a importância do tema e a extensa pesquisa feita por Doug Saunders, que examina no livro mais de vinte localidades espalhadas pelos diversos continentes, não tenho nenhuma dúvida em recomendar a sua leitura a todos aqueles que têm interesse em conhecer uma das tendências mais importantes do século XXI, as migrações em direção às cidades de chegada – “agrupamentos de moradores de vilarejos em distritos periféricos das cidades, nos quais os residentes se esforçam para estabelecer uma nova vida e se integrar ao ambiente, social e economicamente, com o objetivo de construir comunidades, começar a economizar, investir e, frequentemente, deixar o local, criando novo espaço para a próxima onda de migrantes”.

Como afirma Saunders num dos capítulos finais, trata-se “fundamentalmente, de um livro sobre mobilidade social. Como já observamos, a mudança do vilarejo para a cidade é sempre um esforço calculado no sentido de incrementar a renda, o padrão e a qualidade de vida das famílias. Essa iniciativa utiliza as cidades de chegada como principal instrumento de transformação. Apesar de provocar grande humilhação, a pobreza urbana já representa uma melhoria em relação à pobreza rural. O fato é que nenhum morador de cidade de chegada considera a pobreza algo além de uma situação temporária – a migração para uma delas é apenas o primeiro passo de uma jornada cuidadosamente planejada pelo migrante. Afinal, ninguém investe a vida, a renda e a paz de toda uma geração simplesmente para migrar de uma forma de indigência para outra”

 

Iscas para quem quiser se aprofundar

Referências e indicações bibliográficas

MALTHUS, Thomas Robert. Princípios de economia política: e considerações sobre sua aplicação prática; Ensaio sobre a população. Apresentação de Ernane Galvêas. Traduções de Regis de Castro Abreu, Dinah de Abreu Azevedo e Antonio Alves Cury. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Economistas)

SAUNDERS, Doug. Cidade de chegada. Tradução Sieben Groupp. São Paulo: DVS Editora, 2013.

Referência webgráfica

 

MACHADO, Luiz Alberto. Grandes economistas XIII – Malthus e o alerta demográfico. Disponível em http://www.cofecon.org.br/noticias/colunistas/luiz-machado/929-grandes-economistas-xiii-malthus-e-o-alerta-demografico.

 

 

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