Estratégias urbanas em tempos de mudança
O papel da economia criativa no contexto luso-brasileiro “
Vamos todos a cantar
Esta dança de alegria
Dar as mãos e sonhar
Que amanhã é outro dia”
Abraço ao Alentejo
(Cante Alentejano)
O título deste artigo é o do trabalho apresentado no final de setembroem parceria com Catarina Selada e Elisabete Tomaz, da Inteli, empresa portuguesa de projetos de inteligência e inovação, no 6º Congresso Luso-Brasileiro para o Planejamento Urbano, Regional, Integrado e Sustentável – PLURIS 2014. O evento, realizado nas instalações da Fundação CalousteGulbenkian, em Lisboa, teve como mote “(Re)inventar a cidade em tempos de mudança”.
No referido trabalho, após uma introdução a respeito do significado de cidades criativas, foram examinados quatro casos concretos: Gramado (RS) e Parintins (AM) do Brasil, e Óbidos e Serpa de Portugal.
Embora a grande maioria dos participantes do evento fosse da área de arquitetura e de urbanismo, a apresentação atraiu certa atenção por ser bastante diferente das outras apresentações constantes da programação, por considerar que a economia criativa pode ser uma forma de revigorar e revitalizar as cidades.
Ao abordar as cidades de Gramado e Parintins, procurei mostrar como essas cidades, utilizando estratégias diferentes, conseguiram transformar algo pontual (o festival de cinema e o festival folclórico, respectivamente) em algo que sustenta a economia da cidade durante o restante do ano.
Como já conhecia Óbidos, aproveitei os três primeiros dias da viagem a Portugal para conhecer melhor a região do Alentejo, ficando hospedado em Évora e visitando Beja e Serpa, uma das cidades focalizadas por Elisabete Tomaz em nossa apresentação.O Alentejo é um mundo de diversidade, com locais fascinantes para visitar e muitosprogramas para todas as idades. Mar, rio, lagoas de águas tranquilas, praias de areias douradas, campos de girassóis e paisagens de cortar a respiração…
Em Évora, como o hotel em que me hospedei com minha esposa ficava fora da área murada, aproveitávamos os primeiros momentos das manhãs dos dias em que lá estivemos para correr por seus arredores, tendo a oportunidade de percorrer estradas vicinais repletas de quintas (as pequenas propriedades rurais portuguesas semelhantes aos nossos sítios), algumas das quais locais de recreio, outras dedicadas a pequenas produções agrícolas ou à criação de animais de pequeno e médio porte.
Viajando pelo Alentejo, tivemos oportunidade de visitar museus e espaços culturais e pedagógicos onde fervilham a arte e a criatividade, além de percorrer vilas e cidades com marcas de outros tempos e vestígios de civilizações antigas.No espaço rural, casas brancas com rodapés azuis, cinzas ou amarelos abrem-se aos visitantes em “montes” tranquilos, pequenas aldeias recuperadas em que pontuam a serenidade das planícies e das serras.Por toda a região veem-se espaços que se distinguem pelo design e pelo luxo, onde é possível usufruir de sofisticados serviços personalizados de puro bem-estar, exemplo típico de nosso hotel, outrora um convento em que se hospedaram diversos reis de Portugal.
Na região, caracterizada pela riqueza de uma terra de múltiplas influências, foi possível entrar em contato com algumas de suas genuínas tradições, entre as quais o artesanato típico, o “cante” alentejano, a excelente culinária e os ótimos vinhos.
Encerro o artigo com um quadro comparativo das quatro cidades mencionadas no trabalho.
Variáveis | Gramado | Parintins | Óbidos | Serpa |
---|---|---|---|---|
Contexto nacional | Município inserido na Serra Gaúcha no sul do País | Município situado na Amazônia no norte do País | Município situado no centro do País, perto de Lisboa | Município situado no Alentejo, no sul do país |
Contexto local | Pequeno núcleo urbano em contexto rural; foco na agricultura e turismo | Médio núcleo urbano em contexto fluvial e rural; foco na pecuária, turismo, agricultura | Pequeno núcleo urbano em contexto rural; foco no turismo, agricultura e pequeno comércio | Pequeno núcleo urbano em contexto rural; foco no turismo, agricultura e pequenos ofícios |
Amenidades materiais | Patrimônio cultural e natural distintivo: riquezas naturais exuberantes | Patrimônio natural distintivo: proximidade do rio Amazonas | Patrimônio natural e cultural distintivo: vila medieval muralhada, igrejas; lagoa, paisagens | Patrimônio cultural distintivo: centro histórico, igrejas, monumentos, aldeias rurais |
Amenidades simbólicas | Diversidade de atividades culturais em clima serrano e forte influência das culturas alemã e italiana | Disputa cromática (azul x vermelho) inspirada na fauna, flora, tradições, mitos e lendas locais e regionais | Tradições, rituais, lendas, memórias, expressões culturais, herança histórica da “Vila das Rainhas” | Cante alentejano como música tradicional, rituais, tradições, saberes-fazer artesanais |
Governação/ arranjos institucionais | Top-down, forte liderança política | Inicialmente popular, se transformou em top-down, forte liderança política | Top-down, forte liderança política | Top-down, forte liderança política |
Eventos | Agenda cultural integrada – Festival de Cinema, Natal das Luzes | Festival Folclórico também conhecido como Festa do Boi como evento âncora | Agenda cultural integrada – Festival do Chocolate, Vila Natal | Encontro de culturais e mercado cultural como evento âncora |
Infraestruturas | Centro de eventos de negócios (feiras e exposições), apoiada em ampla rede hoteleira | Bumbódromo, estádio construído para o Festival, usado como centro educacional e desportivo | Rede de espaços criativos – parque tecnológico, incubadora ABC, espaço de co-working | Musibéria, Casa do Cante, espaço da Nora |
Perspectivas atuais e futuras | Superada a fama de ser uma atração de inverno, o município se consolidou como um centro regional de eventos com atividades espalhadas por todo ano | A transformação do Festival Folclórico em evento de massa profissionalizado gera emprego e renda e assegura a sustentabilidade da cidade e da região | Após a aposta em eventos, privilegia-se a produção cultural, via atração de talentos, empreendedores e empresas e da educação criativa | Em aliança aos eventos, aposta-se na atração de estudantes, professores, músicos, ou seja, talentos e negócios ligados à cadeia de valor da música |
Iscas para ir mais fundo no assunto
Referências e indicações bibliográficas
Barroso Neto, E. Parintins, Duas faces da mesma moeda. São Paulo: Instituto D’Amanhã, 2008.
Florida, R. The Rise of the Creative Class: And How Its Transforming Work, Leisure, Community and Everyday Life.
New York: Basic Books, 2002.
Landry, C. The Creative City: A Toolkit for Urban Innovators. London: Earthscan, 2000.
Reis, A. C. F. Cidades criativas: da teoria à prática, São Paulo: SESI-SP Editora,2012.
Reis, A. C. F. e Kageyama, P. (Org.)(2011) Cidades criativas: perspectivas. São Paulo: Garimpo de Soluções, 2011.
Sardo, S. Música Popular e diferenças regionais, Multiculturalidade: Raízes e Estruturas (cap.11), Colecção Portugal Intercultural,V.I. Lisboa: Universidade Católica, 2009.
Streliaev, L. e Veríssimo, L. F. Gramado – Brasil. Porto Alegre: Leonid Streliaev, 2006.
Vivant, E. O que é uma cidade criativa? São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2012. Referênciawebgráfica O “cante” alentejano chega ao cinema. Disponível em
http://www.publico.pt/multimedia/video/o-cante-alentejano-chega-ao-cinema-2014920220344.
Referência musical
ABRAÇO AO ALENTEJO
Música tradicional do Alentejo (Cante Alentejano)
Autores: Francisco Baião e Manuel Aleixo
Muito bom ! É alentador ,em tempos de tanto rancor,ver esses sinais de reconstrução de um “bem-viver” que levam a um bom-viver. Parabéns a todos os autores!