Enfim, algo a festejar

 Relações Brasil-China

 “O Brasil, como todos sabem, foi descoberto em 1500; mas o Brasil só descobriu o mundo há pouco mais de vinte anos.”

Emb. Sergio Amaral

 Depois de longo período sem praticamente nenhuma boa notícia para ser festejada, o Brasil – e não apenas o governo – vê algo promissor acontecer: o conjunto de acordos firmados com a China, por ocasião da visita do primeiro ministro Li Keqiang.

Este, aliás, é o primeiro ponto a salientar. A vinda ao Brasil do primeiro ministro Li Keqiang ocorre menos de um ano depois da visita do presidente Xi Jinping, que esteve em nosso país em julho de 2014, o que demonstra – no mínimo – que o Brasil está sendo visto com considerável importância relativa pelo governo da China.

Xi Jinping e Li Keqiang assumiram seus cargos em março de 2013, sucedendo respectivamente a Hu Jintao e Wen Jiabao. De acordo com o embaixador Clodoaldo Hugueney, que ocupou a Embaixada do Brasil em Pequim de setembro de 2008 a fevereiro de 2013, a mudança se revestiu de especial importância por tratar-se de uma mudança de geração no poder, da quarta para a quinta. Para Hugueney, não adianta especular a partir da análise do perfil dos novos ocupantes dos cargos. Mais importante é observar o legado da quarta geração e os principais desafios da quinta.

As últimas avaliações sobre a quarta geração foram negativas, por ela não ter levado adiante o processo de reformas que havia sido traçado. Apesar de reconhecer a validade de algumas críticas, Hugueney pondera que a quarta geração teve que enfrentar nos últimos cinco anos o impacto de uma crise internacional sem precedentes, sabendo superar os problemas com muita competência. O problema do adiamento das reformas é que, quanto mais elas forem postergadas, mais difícil será levar o programa adiante sem o risco de uma crise interna. A China, entretanto, não tem escolha. Pois os desafios que tem pela frente são enormes, apresar do enorme avanço verificado nas últimas quatro décadas.

Os novos mandatários possuem uma visão estratégica muito boa e têm também um rumo traçado que está sendo seguido à risca. Nesse rumo, a prioridade absoluta é a continuidade do desenvolvimento pacífico. A estratégia do desenvolvimento pacífico deverá ser buscada sem esquecer jamais do século das humilhações a que o país esteve sujeito até a metade do século XX. E nessa busca, os interesses fundamentais seguirão inalterados, envolvendo a integridade do território, a supremacia do Partido Comunista (que possui 85 milhões de membros) e a soberania.

Feita essa primeira constatação, consideremos o fato das assinaturas de acordos em si. Para quem acompanha atentamente a estratégia de relacionamento adotada pela China nos últimos anos, não constituiu surpresa. De forma extremamente competente, explorando de forma inteligente seu enorme volume de reservas, os chineses vem estabelecendo relações com diversos países da própria Ásia, da África e da América Latina, nos quais oferece aquilo que possuem em grande quantidade – capital –, em troca do que os países com os quais firmam acordos possuem e a China não – basicamente minérios, alimentos, terra e água. Tal estratégia é magistralmente descrita por Dambisa Moyo no livro O vencedor leva tudo.

Alguns analistas questionaram os acordos firmados com base no comportamento recente da China que tem um histórico de promessas não cumpridas, atrasos e negociações circulares que nunca chegam ao fim. Um dos exemplos disso é a quebra da promessa pela Foxconn, empresa que produz os celulares da Apple no Brasil. Inicialmente, falou-se num investimento de US$ 12 bilhões, um parque industrial em Itu (SP) e a criação de até 100 mil empregos. Nada disso saiu do papel, nem mesmo a fábrica. A empresa subcontratou cinco fábricas e emprega cerca de 3 mil pessoas em cargos de baixa qualificação. Outro exemplo, muito comentado, diz respeito à Embraer, uma das empresas contempladas no pacote de negócios de agora, através de um acordo entre China Eximbank-CEXIM, Grupo HNA, BNDES e Embraer de financiar a venda de 40 aeronaves. Em 2014, durante a visita de Xi Jinping, foi prometida a compra de 60 jatos da Embraer para a Tianjin Airlines e a empresa de leasing do Banco Industrial e Comercial da China, mas a autorização do governo chinês demorou quase um ano para sair. Quando saiu, permitiu apenas a compra de 22 aviões para aTianjin, em um negócio de US$ 1 bilhão.

Sem deixar de reconhecer a veracidade dessa ressalva, alinho-me àqueles, como os embaixadores Rubens Ricupero e Sergio Amaral, que preferem pragmaticamente destacar os aspectos positivos dos acordos firmados, principalmente considerando o momento difícil atravessado pela economia brasileira. Merece ênfase especial nesse aspecto, o aporte de recursos para a Petrobras: acordo-quadro de cooperação entre o Banco de Desenvolvimento da China (CDB) e a Petrobras para financiamento de projetos de US$ 5 bilhões e acordo de cooperação entre China Eximbank-CEXIM e Petrobras para financiamento de projetos de US$ 2 bilhões. Vivendo um verdadeiro inferno astral por conta, de um lado, dos problemas de corrupção que estão sendo investigados pela Operação Lava-Jato e, de outro, da queda acentuada do preço do petróleo, que outras opções teria a Petrobras para se capitalizar na atual conjuntura?

O que provavelmente deverá acontecer daqui para a frente é a ampliação da vantagem da China como principal parceiro comercial do Brasil. Os três gráficos que se seguem, revelam como foi a expansão do comércio bilateral entre os dois países nas quatro últimas décadas (de 1974 a 2013)[1].

 Gráfico 1

Gráfico 1

Gráfico 2

Gráfico 2

 Gráfico 3

Gráfico 3

Para finalizar, três aspectos a realçar nessa crescente relação.

1) À medida que o tempo foi passando, a pauta de exportações da China revela uma participação cada vez maior de bens industrializados e bens de capital, de alto valor agregado, ao passo que a pauta do Brasil, salvo em raros momentos, revela uma participação fundamental de commodities, ou seja, alimentos e matérias-primas de baixo valor agregado, como se vê nos gráficos 4 e 5.

Gráfico 4

Gráfico 4

 Gráfico 5

Gráfico 5

2) Apesar dessa desvantagem relativa, o Brasil tem tido superávit nessa relação bilateral na maioria dos anos. Esse superávit tem sido maior ou menor ao longo dos anos e foi, sem dúvida, essencial para os bons momentos vividos pela economia brasileira durante a gestão do presidente Lula. O gráfico 6 mostra essa relação.

 Gráfico 6

Gráfico 6

3) A lamentar o enorme contraste entre Brasil e China no que se refere à participação dos dois países nas exportações mundiais. Como se vê no gráfico 7, enquanto a participação da China cresceu de 0,9% em 1980 para 11,7% em 2014, a participação do Brasil passou de 0,9% para 1,4% entre 2000 e 2012 e caiu para 1,3%, em 2013. Segundo Lia Vals Pereira, isso se deveu aos ganhos nas exportações de commodities primárias, “pois a participação das manufaturas brasileiras nas exportações mundiais ficou entre 0,6% e 0,8%, desde 2000 e é de 0,7%, desde 2009”.

 Gráfico 7

Gráfico 7

 Este fato foi comentado por Marcos Jank em artigo publicado na Folha de S. Paulo no dia 19 de maio, no qual ele defende vigorosamente os acordos firmados.

Além dos assuntos usuais de comércio, no agronegócio temos neste momento a oportunidade de posicionar as relações bilaterais em um novo patamar, realmente estratégico. De um lado, a China fatalmente terá de diversificar a origem de seus alimentos e busca freneticamente alternativas para aumentar a produtividade e melhorar a qualidade dos produtos que chegam ao consumidor. No fim de abril, foi aprovada uma nova e rígida Lei de Segurança e do Alimento.

Do outro, o Brasil precisa desesperadamente de investimentos em infraestrutura e pode agregar disponibilidade, diversidade, qualidade e segurança aos alimentos que chegam ao consumidor chinês.

O pano de fundo são a nova rota de seda (repaginada na iniciativa denominada “One Belt, One Road”), o novo Banco de Investimento e Infraestrutura, a possibilidade de parcerias estruturadas entre os grandes players brasileiros e chineses e a importância que os dois países têm dado a ideia dos Brics, que precisa deixar de ser retórica. A China sabe olhar os seus interesses seculares como ninguém, de forma obcecada. Nossas sinergia e complementariedade são imensas. É hora de aproveitar o momento e estruturar uma parceria estratégica inteligente e de longo prazo entre os dois países.

Dois comentários finais, tendo por base os dados evidenciados por esse terceiro fator.  O primeiro é que é risível o argumento muito explorado por ocasião da abertura da economia ocorrida ainda na gestão de Fernando Collor de que se tratava de uma abertura descontrolada e exagerada. Os números mostram que não é a abertura que foi exagerada e sim que nossa economia era tão fechada que apenas ficou um pouco menos fechada. O segundo tem a ver com a metáfora do copo: se olharmos para o número em si, não há como deixar de destacar a metade vazia do copo, representada por nossa inexpressiva participação no comércio mundial; mas se mirarmos as possibilidades existentes e o espaço a ser ocupado, é possível enxergar o lado cheio do copo, representado pelas oportunidades que se oferecem desde que façamos a lição de casa corretamente e saibamos explorar as nossas potencialidades.

Referências e indicações bibliográficas

DANTAS, Roberto Dumas. Economia chinesa: transformações, rumos e necessidades de rebalanceamento do modelo econômico da China. São Paulo: Saint Paul Editora, 2014.

HUGUENEY, Clodoaldo. Para onde vai a China sob a quinta geração. Política Externa, Vol. 22, Nº 2, Out/Nov/Dez de 2013, pp. 91-108.

JANK. Marcos Sawaya. Parceria estratégica com a China. Folha de S. Paulo, 19 de maio de 2015.

MOYO, Dambisa. O vencedor leva tudo: a corrida chinesa por recursos e seu significado para o mundo. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013.

VALS PEREIRA, Lia Baker, Os ganhos do Rio de Janeiro. Conjuntura Econômica, volume 69, nº 04, abril de 2015, pp. 60-63.

Referências e indicações webgráficas

CARTA EMPRESARIAL BRASIL-CHINA. Edição Especial. Disponível em http://www.cebc.org.br/arquivos_cebc/carta_ed10_pt.pdf.

MACHADO, Luiz Alberto. China em foco. Disponível em http://www.cofecon.org.br/noticias/colunistas/luiz-machado/2912-china-em-foco

 

[1] Com exceção do gráfico 4, extraído de uma palestra de Roberto Dumas Dantas, que de 2007 a 2011 foi chefe do escritório de representação do Banco Itaú BBA em Xangai, todos os outros gráficos foram reproduzidos da Edição Especial da Carta Brasil-China, publicada pelo Conselho Empresarial Brasil-China em abril de 2015.