São Paulo de Anchieta
Onde a vida acontece!
“Porém, com perfeita paciência Volto a te buscar. Hei de encontrar Bebendo com outras mulheres, Rolando um dadinho, Jogando bilhar E neste dia, então, Vai dar na primeira edição: Cena de sangue num bar Da Avenida São João.” Paulo VanzoliniJá vou logo avisando: não se trata de aniversário da cidade, nem de qualquer data comemorativa especial. Meu artigo de hoje é uma verdadeira declaração de amor a esta cidade extraordinária, tão criticada e vilipendiada no dia a dia nos mais diferentes meios de comunicação.
Meus argumentos estão mais relacionados a aspectos culturais do que propriamente com a pujança econômica da cidade. Sobre isto, bastaria mencionar que se trata do quarto maior orçamento do País, perdendo apenas para o da União e dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro.
Meu encantamento pela cidade de São Paulo se deve, essencialmente, à extraordinária oferta de oportunidades que ela oferece para quem quiser ampliar seu repertório cultural.
Como viajo com frequência, raras são as vezes em que posso aproveitar a vastíssima gama de opções oferecida permanentemente pela cidade.
Recuperando-se de uma cirurgia no joelho, no entanto, fui obrigado a dar uma freada na agenda de viagens, adiando alguns compromissos, o que me permitiu desfrutar, por uma curta temporada, de uma programação rica e variada. E como foi bom!!!
Meu roteiro cultural-gastronômico teve início no dia 6 de maio, quando fui jantar com colegas no restaurante Mexilhão, tradicional reduto dos apreciadores da culinária especializada em frutos do mar.
No dia seguinte, depois de participar como palestrante de um painel sobre a economia brasileira no Insper, estive, com outro grupo de amigos, num representante da cozinha italiana, recentemente incorporado ao enorme conjunto de cantinas, tratorias e “ristoranti”. Dia 8, o programa foi duplo. Começou pelo show Eclético, do cantor Tiago Abravanel, que fez parte da programação de inauguração de uma nova casa de espetáculos, o Teatro Porto Seguro, um belíssimo espaço cultural incrustado numa região bastante deteriorada da cidade, próxima ao Palácio dos Campos Elíseos, que de 1912 a 1967 foi a sede do governo do estado, quando foi transferida para o Palácio dos Bandeirantes. Terminado o show, a que compareci com outro grupo de amigos, resolvemos jantar. Foi uma ótima chance de perceber como a cidade é diferenciada. Na maior parte das cidades do Brasil – e eu arriscaria dizer, do mundo – seria extremamente difícil encontrar restaurantes abertos naquele horário, por volta de uma da manhã. Em São Paulo, porém, não apenas havia restaurantes abertos, mas os havia em razoável quantidade, o que nos levou a uma demorada discussão para chegarmos a um consenso. Ao fim e ao cabo, acabamos optando por um dos restaurantes que permanecem abertos por 24 horas, o Paris 6.
Na semana seguinte, a agenda incluiu, na quarta-feira, a excelente e sempre estimulante palestra de Luciano Pires, nas dependências do Itaú Cultural, por ocasião do lançamento de seu novo livro Me engana que eu gosto. Na quinta, tive oportunidade de participar de um seminário acadêmico de esclarecimento sobre uma missão estudantil intitulada caminho de Alexandre, que, caso se concretize, incluirá visitas à Turquia, à Grécia, à Armênia e ao Irã.
Na sexta, fui com minha mulher e meu filho ao Tucarena (Teatro da PUC-SP), que está com uma programação especial em comemoração aos seus 50 anos. Lá, assistimos à ótima peça O Fingidor, com texto e direção de Samir Yazbek, baseada na vida do poeta Fernando Pessoa.
O sábado foi especial. Começou na Casa da Imagem, onde estive na abertura da exposição e lançamento do livro Papéis efêmeros da fotografia, de autoria do Prof. Rubens Fernandes Junior, engenheiro por formação, amante da fotografia, curador de inúmeras exposições e diretor da Faculdade de Comunicação da FAAP.
Estando o local do evento situado ao lado do Pátio do Colégio, berço desta esplêndida cidade, misturei-me aos turistas brasileiros e estrangeiros e revisitei o complexo existente em homenagem a José de Anchieta, incluindo passagens pela igreja, pelo museu, pelo oratório e pelo agradável café lá existente. O espaço, de relevante importância para os paulistas e paulistanos, está revigorado graças às melhorias recebidas por conta da recente canonização do jesuíta, realizada pelo Papa Francisco no dia 3 de abril de 2014. Aproveitando a bela manhã ensolarada, fiquei alguns minutos contemplando as belíssimas fachadas da Secretaria da Justiça, do Tribunal da Justiça e do Solar da Marquesa de Santos, enquanto observava os turistas cheios de curiosidade fotografando o impostômetro, que fica na parede lateral do prédio da centenária Associação Comercial de São Paulo.
De passagem pela FAAP, dei uma passada no Museu de Arte Brasileira (MAB-FAAP), onde está exposta parte do Acervo do Século XX: 110 produções, entre esculturas, pinturas e gravuras de artistas diversos – desde o modernismo a coletâneas de artistas mais jovens, com produções das últimas duas décadas.
Revigorado com o banho de cultura, fui encontrar minha esposa para almoçar num dos restaurantes do Esporte Clube Pinheiros, verdadeiro oásis em pleno coração dos Jardins. Grande ilusão. Aproveitando a magnífica manhã de sábado, enorme contingente de associados desfrutava das atrações esportivas, culturais e gastronômicas oferecidas por um dos maiores e mais belos clubes do Brasil, tornando as filas de almoço nos diversos restaurantes um exercício de tortura.
Como o Esporte Clube Pinheiros situa-se ao lado do Shopping Center Iguatemi, o primeiro shopping da cidade, optamos por almoçar num dos restaurantes do referido shopping, torcendo para que lá não tivéssemos que enfrentar filas tão grandes ou até maiores do que as do clube. Felizmente, demos sorte, e quase sem espera conseguimos lugar no Le Jazz Brasserie, uma ótima opção em termos de relação qualidade/preço entre os restaurantes de sua categoria. Inevitavelmente, seguiu-se uma olhada nas luxuosas instalações do pioneiro shopping que, em realidade, não tem praticamente mais nada do original. O movimento de pessoas, apesar do momento de estagnação da economia, era grande, embora o percentual de pessoas com sacolas de compras estivesse longe de impressionar. O rápido passeio pelas alamedas do shopping foi suficiente para que eu recordasse à minha esposa um antigo comercial que tinha como mote “Shopping Iguatemi: onde a vida acontece”.
Considerando que nas noites de segunda e terça ministro aulas na Faculdade de Economia da FAAP, pode-se concluir que meus dias de convalescença foram bastante movimentados, razão pela qual passei boa parte do domingo deleitando-me com as atrações esportivas do fim de semana, com direito a final do Aberto de Roma entre Federer e Djokovic, semifinal da NBB e de conferência da NBA e, para completar, o jogo de futebol entre o meu Palmeiras e o Joinville (nem tudo é perfeito!!!).
Rememorando estes movimentados dias, só posso me considerar um privilegiado por morar numa cidade que oferece, simultaneamente, tantas atrações para pessoas de diferente poder aquisitivo. Afinal, além do que tive oportunidade de fazer, a cidade oferecia diversas exposições, mostras culturais, festivais gastronômicos, a maratona de São Paulo e inúmeros shows, com destaque para o Buena Vista Social Club, que fez sua apresentação de despedida na cidade, às vésperas do encerramento de sua brilhante carreira. Sei que a cidade tem muitos problemas, que vão da mobilidade à segurança, passando por aqueles que não lhe são específicos mas que a afetam, como é o caso da epidemia de dengue e da ameaça de racionamento de água. Sei também que seus habitantes estão sendo obrigados a “engolir” um prefeito que se considera o dono da verdade, mas cujos índices de aprovação o colocam entre os mais mal avaliados da história desta cidade que, não sem razão, foi cantada em prosa e verso por gente do quilate de Paulo Bonfim, Paulo Vanzolini, Tom Zé e Caetano Veloso.
A partir de agora, já parcialmente recuperado da cirurgia, retomarei minha rotina de compromissos e viagens. Nesta semana, participarei do Encontro Nacional de Entidades Sindicais de Economistas (ENESE), em Belém, e, na próxima, terei reunião do Conselho Federal de Economia em Brasília. Como costumo fazer habitualmente, procurarei aproveitar cada momento dessas viagens para desfrutar das amizades e das atrações oferecidas por tais cidades, mas tenho certeza que, à medida que os dias forem transcorrendo, sentirei uma ponta de saudade da agitação que caracteriza esta cidade em que tenho o privilégio de residir. Um sentimento que só conhece quem já cruzou a Ipiranga com a Avenida São João!
Referências e indicações bibliográficas
MARTINS, Ana Luíza (organizadora). Insólita Metrópole: São Paulo nas crônicas de Paulo Bomfim. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2013.
FERNANDES JUNIOR, Rubens. Papéis efêmeros da fotografia. São Paulo: Editora Tempo d’Imagem, 2015.
PIRES, Luciano. Me engana que eu gosto: dois meio brasis jamais somarão um Brasil inteiro. São Paulo: Reino Editorial, 2015.
Referências gastronômicas
La Madoninna Ravioli. Rua Hélio Pellegrino, 204. Disponível em http://www.ravioli.com.br/.
Le Jazz Brasserie. Shopping Center Iguatemi – Piso Térreo. Disponível em http://www.lejazz.com.br/.
Mexilhão. Rua 13 de Maio, 626. Disponível em http://www.restaurantemexilhao.com.br/.
Paris 6 Vaudeville. Rua Haddock Lobo, 1159. Disponível em http://www.paris6.com.br/.
Referências musicais
Ronda. Letra e música de Paulo Vanzolini. Disponível em http://www.vagalume.com.br/paulo-vanzolini/ronda.html.
Sampa. Letra e música de Caetano Veloso.Disponível em http://www.vagalume.com.br/caetano-veloso/sampa.html.
São, São Paulo. Letra e música de Tom Zé. Disponível em http://www.vagalume.com.br/tom-ze/sao-sao-paulo.html.
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