Novos temas da agenda internacional

 Quadro cinzento

“Aceitando-se a violência armada como natural, corre-se o risco de a socializarmos, possibilidade que exige ao mundo a união contra ela.”

Francisco Xavier de Sousa

Nos dias 20 e 21 de maio realizou-se em São Paulo a sétima edição do Congresso Internacional Six Sigma Brasil, summit voltado aos profissionais de Gestão de Projetos, Pessoas, Qualidade e Excelência Operacional.

Six Sigma 2015

Tive a satisfação de participar do referido evento ministrando palestra intitulada O impacto do cenário mundial nas empresas. Nela, após fazer uma breve contextualização em que focalizei diversos aspectos do processo de globalização, prossegui com uma análise dos principais atores da economia mundial (Estados Unidos, China e União Europeia, além do Brasil), e concluí com novos temas da geopolítica mundial, em que destaquei a emergência econômica da Índia, o recrudescimento da violência e do terrorismo e, por fim, a islamização da agenda.

Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Índia poderá se tornar a economia com maior taxa de crescimento econômico em todo o mundo este ano, superando a China (gráfico 1).

 GRÁFICO 1

CRESCIMENTO COMPARADO: CHINA X ÍNDIA

China x Índia

Como a emergência econômica da Índia já foi objeto de análise em dois artigos recentes neste mesmo espaço (vide referências e indicações webgráficas), segue-se um breve exame dos outros dois aspectos mencionados na palestra.

1. O recrudescimento da violência e do terrorismo

Não há um dia sequer em que os principais meios de comunicação – impressa, falada, televisada ou digital – não tenha entre seus destaques episódios aterradores, envolvendo diferentes formas de violência, praticadas por pessoas ou grupos isolados, ou de terrorismo, praticados por organizações constituídas formalmente para tal fim.

Como desgraça vende mais notícia do que boas ações, o espaço ocupado por fatos dessa natureza é muito maior e recebe muito mais destaque do que aquele destinado a eventuais notícias positivas.

A bibliografia a respeito é extensa e perpassa por diferentes especialidades, indo das diferentes áreas do direito, à sociologia, à psicologia, à antropologia, à economia, à ciência política, às relações internacionais e por aí afora. Em cada uma dessas áreas do conhecimento, as análises procuram explorar sua respectiva expertise. Neste texto, destaco a abordagem de Moisés Naím, editor da revista Foreign Policy, em razão de sua abordagem interdisciplinar.

1.1. Fatores potencializados pela globalização

  •  Pirataria
  • Lavagem de dinheiro
  • Tráfico

Moisés Naím chama a atenção para uma importante desigualdade: enquanto as pessoas e grupos envolvidos com esses três fatores atuam de forma sistêmica e organizada, com elevado grau de conexão, os países e as instituições responsáveis pelo seu enfrentamento costumam agir de forma isolada e pouco eficiente, não raras vezes com baixíssimo grau de conexão em suas ações.

1.2. Mapa das principais bases do terrorismo

Os mapas 1 e 2 revelam os principais focos do terror no mundo, considerados por duas das mais importantes instituições que se ocupam do tema, a CNN e o National Counterterrorism Center.

MAPA 1

AS PRINCIPAIS BASES DO TERRORISMO

Bases do terrorismo - CNN

Fonte: CNN

MAPA 2

AS PRINCIPAIS BASES DO TERRORISMO

Bases do terrorismo - NCC

Fonte: National Counterterrorism Center

Como se pode observar nesses mapas, os principais focos terroristas localizam-se na Ásia e na África, embora possuam tentáculos espalhados por outras regiões do mundo.

Na América Latina, a Colômbia apareceu em destaque por muitos anos em mapas dessa natureza, em função das ações das FARC. Recentemente, com as negociações envolvendo as FARC e o governo da Colômbia, além da significativa redução das ações realizadas no território colombiano, a região deixou de constar entre as consideradas mais ameaçadoras.

Outra região que também mereceu grande atenção dos analistas, embora em poucos momentos tenha integrado os mapas das regiões mais ameaçadoras, é a da tríplice fronteira, que envolve a Argentina, o Brasil e o Paraguai. Nesta região, além do volumoso contrabando, existem fortes suspeitas da existência de bases de treinamento de grupos terroristas importantes do cenário internacional.

Merece destaque especial na análise da questão do terrorismo o regresso da pirataria, “uma prática violenta tão velha como o mundo”, nas palavras de Luís Valença Pinto, general, professor convidado na Universidade Autônoma de Lisboa e na Universidade católica Portuguesa e conselheiro militar na delegação Portuguesa na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Como bem observa no artigo O regresso da pirataria e a violência sobre o indivíduo, a Odisseia de Homero narra atos de pirataria, que foi considerada pelo Direito Romano no século I a. C. Depois de longo período sem causar maior preocupação, o ressurgimento da pirataria ocorreu fundamentalmente na década de 1990 nos mares do Extremo Oriente, um dos palcos históricos deste tipo de ações.

Entretanto, foi a eclosão da pirataria ao largo da costa da Somália e no golfo de Adem, em meados da década passada, que verdadeiramente trouxe a pirataria para a atualidade, em particular no mundo ocidental. O estrondoso sucesso do filme Capitão Phillips, protagonizado por Tom Hanks, contribuiu decisivamente para a disseminação do tema.

Capitão Phillips

 Nuno Duarte Ramos, professor do Instituto de Estudos Superiores Militares (IESM), de Portugal, reforça a importância histórica da pirataria, dizendo que “desde os primórdios da navegação que o fenômeno da pirataria marítima existe, sendo uma real ameaça a todos os que utilizam o mar, havendo conhecimento de incidentes em quase todos os mares e oceanos e tendo acompanhado quase permanentemente os centro de poder que se forma criando ao longo da história”.

A exemplo de Luís Valença Pinto, entretanto, ele destaca o ressurgimento recente desta prática e chama a atenção para o alastramento da mesma, com destaque para o golfo da Guiné:

Os locais de maior incidência de pirataria marítima na atualidade são o mar do Sul da China, o golfo da Guiné, o mar Arábico, o oceano Índico e o estreito de Malaca. Contudo é de referir que a nível mundial o número de atos de pirataria em 2013 ascendeu a 264, verificando-se uma quebra de onze por cento relativamente a 2012 e cerca de metade em relação a 2011.

Outros fatores, seguramente, relacionam-se e contribuem para o recrudescimento da violência e do terrorismo, mas não podem ser incluídos em detalhes num artigo desta natureza. Entre eles faço questão de mencionar as migrações internacionais, as continuidades e mutações do mercado de armamentos, o aperfeiçoamento do crime organizado e a militarização do espaço urbano.

Antes de passar para a questão do avanço do islamismo, uma observação que considero pertinente, que diz respeito à estreita relação entre violência, terrorismo e crime organizado, e que vem sendo denominado pelos especialistas como “novas guerras”.

A Profª Rita Duarte, da Universidade Autônoma de Lisboa, também reconhece que há uma forte influência da globalização nos teatros locais, intensificando a interconectividade veloz em todas as áreas – política, econômica, militar, civil, tecnológica e cultural – e contribuindo para que as diferenças entre guerra, crime organizado e violação massiva de direitos humanos deixem de ser tão definidas.

Vale realçar, nesse sentido, o esclarecimento da Profª Rita Duarte no artigo Velhas ou novas guerras, eis a questão, em que se baseia na visão da Profª Mary Kaldor, da London School of Economics:

Em termos genéricos, Kaldor distingue as “novas guerras” das anteriores, porque as diferenças entre “guerra (geralmente definida como violência entre estados ou grupos organizados por motivos políticos), crime organizado (violência conduzida por grupos de organização privada, com objetivos privados, normalmente o lucro financeiro) e violação massiva de direitos humanos (geralmente por parte dos Estados ou por grupos politicamente organizados contra indivíduos), deixaram de ser tão definidas.

2. A islamização da agenda

O noticiário internacional tem dado grande destaque à escalada da violência perpetrada por grupos organizados, em especial, o Estado Islâmico. Com isso, a opinião pública acaba tomando conhecimento – às vezes até de forma sensacionalista – do avanço do islamismo. Impossível não se chocar com cenas de seres humanos sendo decapitados ou de recrutamento e treinamento de crianças. Tomei o título deste item de um artigo escrito pelo embaixador Rubens Ricupero em 2009. O referido artigo é tão atual que, com pequenas alterações, poderia ter sido escrito nos dias de hoje.

A tendência ao crescente predomínio na agenda mundial de conflitos de indisfarçável componente islâmico tornou-se o traço definidor que caracteriza a evolução das relações internacionais a partir de 2001 até hoje, em função do devastador impacto dos ataques terroristas do 11 de setembro e do tipo de reação que despertou no governo de George W. Bush.

A reação de Washington tomou a forma predominante de uma resposta militarizada, incapaz de lidar de modo eficaz com um desafio complexo que requer variedade de abordagens.

Esse tipo de reação deixou um legado que se estende até os dias de hoje, como assinala o embaixador Rubens Ricupero:

A militarização da diplomacia foi acompanhada de retórica política que utilizou no começo a imagem explícita de uma cruzada antimuçulmana. Manipulou-se, ao mesmo tempo, o medo da população à repetição dos atentados como instrumento de geração de poder dentro dos Estados Unidos, criando a impressão de que se havia desencadeado uma ‘nova Guerra Fria’ ou uma ‘longa guerra’ contra inimigos identificados como fundamentalistas islâmicos.

Decorrido todo esse tempo, e apesar dos esforços do presidente Back Obama desde o seu discurso de posse no sentido de afirmar reiteradamente que os Estados Unidos não se encontram em guerra com o Islã, o que se constata é que essa impressão errada se disseminou pelo mundo afora. Tal percepção foi mostrada de forma clara no filme Nova York sitiada, protagonizado por Denzel Washington, Annette Bening e Bruce Willis.

Nova York sitiada

Os efeitos dessa percepção não se restringiram à política externa norte-americana, afetando em grau maior ou menor um número considerável de países na Europa, Ásia e África, com notável exceção para a América Latina, onde o tema ocupa posição marginal e pouco significativa.

A multiplicação de episódios violentos em diversas partes do mundo serviu apenas para reforçar a percepção generalizada – e errônea – consubstanciada no fundamentalismo extremo do terrorismo globalizado de organizações como a Al Qaeda e similares.

Além dos problemas gerados por essa visão deturpada dos muçulmanos, observa-se um retrocesso em áreas antes consideradas como avanços irreversíveis da globalização, entre as quais podem ser destacados:

  • Restrições à livre circulação e ingresso de viajantes
  • Restrições ao despacho de contêineres de mercadorias

Os sucessivos erros cometidos pelos Estados Unidos e alguns de seus aliados na condução de uma estratégia militarizada de larga escala para fazer frente ao extremismo fundamentalista islâmico contaminou problemas antigos e locais, às vezes com mais de meio século de existência e que há muito tempo se desenvolviam de modo autônomo e isolado, com suas próprias causas e características e, hoje principiam, nesse caldo de cultura de exacerbação de confrontos, a vincularem-se e se alimentarem uns aos outros, agravando e complicando o panorama de regiões inteiras.

 

Referências e indicações bibliográficas

BALTAZAR, Ana. A militarização do espaço. Janus 2014 anuário de relações exteriores. Metamorfoses da violência (1914-2014). Observatório de Relações Exteriores da Universidade Autónoma de Lisboa, pp. 144-145.

DUARTE, Rita. Velhas ou novas guerras, eis a questão (I e II). Janus 2014 anuário de relações exteriores. Metamorfoses da violência (1914-2014). Observatório de Relações Exteriores da Universidade Autónoma de Lisboa, pp. 86-89.

LOURENÇO, Ana Paula. Os “senhores da guerra” e as crianças-soldado. Janus 2014 anuário de relações exteriores. Metamorfoses da violência (1914-2014). Observatório de Relações Exteriores da Universidade Autónoma de Lisboa, pp. 122-123.

MENDES, Maria Eduarda Canas. Crime organizado: um fenómeno em adaptação e crescimento. Janus 2014 anuário de relações exteriores. Metamorfoses da violência (1914-2014). Observatório de Relações Exteriores da Universidade Autónoma de Lisboa, pp. 124-125.

NAÍM, Moisés. Ilícito: o ataque da pirataria, da lavagem de dinheiro e do tráfico à economia global. Tradução de Sérgio Lopes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.

NASSER, Reginaldo Mattar. A militarização do espaço urbano. Janus 2014 anuário de relações exteriores. Metamorfoses da violência (1914-2014). Observatório de Relações Exteriores da Universidade Autónoma de Lisboa, pp. 140-141.

NEVES, Miguel Santos. Migrações internacionais, violência e direitos humanos. Janus 2014 anuário de relações exteriores. Metamorfoses da violência (1914-2014). Observatório de Relações Exteriores da Universidade Autónoma de Lisboa, pp. 104-105.

PINTO, Luís Valença. O regresso da pirataria e a violência sobre o indivíduo. Janus 2014 anuário de relações exteriores. Metamorfoses da violência (1914-2014). Observatório de Relações Exteriores da Universidade Autónoma de Lisboa, pp. 126-127.

RAMOS, Nuno Duarte. Golfo da Guiné: novo foco de pirataria marítima. Janus 2014 anuário de relações exteriores. Metamorfoses da violência (1914-2014). Observatório de Relações Exteriores da Universidade Autónoma de Lisboa, pp. 56-57.

RICUPERO, Rubens. A islamização da agenda. Política Externa, Vol. 18, Nº 2, Set/Out/Nov de 2009, pp. 11-25.

SOUZA, Francisco Xavier de. A evolução do conceito de violência armada. Janus 2014 anuário de relações exteriores. Metamorfoses da violência (1914-2014). Observatório de Relações Exteriores da Universidade Autónoma de Lisboa, pp. 96-97.

TOMÉ, Luis. Mercado de armamentos: continuidade e mutações. Janus 2014 anuário de relações exteriores. Metamorfoses da violência (1914-2014). Observatório de Relações Exteriores da Universidade Autónoma de Lisboa, pp. 110-111.

Referências e indicações webgráficas

MACHADO, Luiz Alberto. A Índia e suas contradições – Glória incerta. Disponível em http://www.souzaaranhamachado.com.br/2015/03/a-india-e-suas-contradicoes/.

_______________ Trajetórias invertidas – Índia e Brasil. Disponível em http://www.souzaaranhamachado.com.br/2015/03/trajetorias-invertidas/.

Referências cinematográficas

Título: Capitão Phillips

Direção: Paul Greengrass

Produção: Michael De Luca, Dana Brunetti e Scott Rudin

Roteiro: Billy Ray

Música: Henry Jackman

Elenco: Tom Hanks, Barkhad Abdi

Ano de produção: 2013

Duração: 134 minutos

 

Título: Nova York sitiada

Direção: Edward Zwick

Produção: Lynda Obst e Edward Zwick

Roteiro: Lawrence Wright, Menno Meyjes e Edward Zwick

Música: Graeme Revell

Elenco: Denzel Washington, Annette Bening, Bruce Willis, Tony Shalhoub

Ano de produção: 1998

Duração: 116 minutos