Outubro rosa e outubro cinzento
É preciso caprichar na lição de casa
“A boa política econômica nem sempre garante o crescimento, mas a má política econômica é garantia de retrocesso. O exemplo de alguns dos nossos vizinhos da América Latina não poderia ser mais eloquente.”
André Lara Resende
Enquanto o rosa toma conta de vários pontos das cidades brasileiras, em meritória campanha a favor da prevenção do câncer de mama, o cinza é a cor que melhor define a situação na economia e na política neste mês de outubro, com matizes que não raras vezes tornam o cinza tão carregado que se aproxima do negro.
Na política, as notícias de envolvimento de funcionários de empresas públicas e de políticos dos três poderes em ações mais do que questionáveis nos planos moral e ético dão o tom nos diferentes veículos de comunicação, ampliando dia após dia a desconfiança dos cidadãos naqueles que deveriam, supostamente, representá-los na proposição de políticas públicas, no acompanhamento e apresentação de novas leis ou mesmo no julgamento das ações de integrantes do Executivo e do Legislativo. Cada nova notícia nesse sentido é uma verdadeira ducha fria que reduz a esperança numa recuperação rápida e, acima de tudo, duradoura.
Na economia, por sua vez, o quadro é muito parecido. O mês de setembro foi repleto de notícias negativas, com seguidas revisões pelo mercado das previsões de crescimento (para baixo) e da inflação (para cima).
Além dessa piora nas expectativas – agora já admitida pelos próprios organismos do governo, como o Banco Central e o Ministério da Fazenda – duas notícias acerca do desempenho da economia brasileira foram especialmente ruins: o primeiro foi o rebaixamento da nota de crédito do País pela Standard & Poor’s, uma das três maiores agências internacionais de classificação de risco. Com o referido rebaixamento, que foi objeto de análise mais detalhada neste mesmo espaço (http://www.souzaaranhamachado.com.br/2015/09/rebaixamentos/), o Brasil deixa de ser classificado como “grau de investimento” e passa à categoria de “grau especulativo”, uma espécie de Série B no campeonato mundial das finanças.
A outra notícia preocupante diz respeito ao verdadeiro despencar do Brasil no ranking mundial da competitividade. No Relatório Global de Competitividade 2015-2016, elaborado pelo World Economic Forum, o Brasil foi o país que apresentou o pior resultado entre as 140 nações integrantes da amostra, perdendo 18 posições na edição de 2015 em relação à edição do ano anterior. Assim, caiu da 57ª para a 75ª posição, sendo superado por outras nações emergentes como México. Índia e Vietnã, além de vizinhos sul-americanos como Peru, Uruguai e Colômbia.
Vale destacar que este desempenho é resultante de uma deterioração praticamente generalizada dos nossos indicadores, uma vez que ao contrário de outros relatórios que levam em conta apenas aspectos específicos da economia, o Relatório Global de Competitividade é bastante abrangente, pois considera fatores macro e microeconômicos, mas também fatores extra econômicos, entre os quais educação superior e treinamento, qualidade das instituições, transparência e comportamento ético das empresas e desvio de recursos públicos, no qual o Brasil ficou em penúltimo lugar, à frente apenas da Venezuela.
Algumas considerações sobre este resultado mais do que preocupante. A busca por competitividade é um processo dinâmico, razão pela qual os indicadores devem ser interpretados também numa perspectiva dinâmica, à semelhança de um filme, e não de forma estática, como se fosse uma fotografia.
Nesse sentido, é importante observar o desempenho de outros países que possuem características que se parecem com as do Brasil, sendo, portanto, concorrentes diretos por investimentos. Entre os Brics, caso típico, o desempenho do Brasil é o pior: a China está estabilizada na 28ª posição; a Rússia melhorou sua classificação, indo do 53º para o 45º lugar; a Índia subiu 16 lugares, aparecendo no 55º posto; e a África do Sul subiu 7 posições, ficando no 49º lugar.
Focalizando o desempenho do Brasil nos últimos 10 anos, verifica-se uma melhora considerável de 2006, quando foi 66º lugar, a 2012, quando ocupou o 48º lugar. Desde então, nosso desempenho vem piorando ano a ano: 56º em 2013; 57º em 2014; e 75º em 2015.
Outro dado preocupante refere-se ao desempenho comparado do Brasil com os outros atores importantes da economia mundial. De acordo com estudos do Fundo Monetário Internacional, quer em termos de crescimento econômico, quer em termos de inflação anual, o Brasil á uma espécie de “patinho feio” ou, para usar uma expressão mais adequada para um artigo de economia, “um ponto fora da curva”.
Não bastassem as más notícias e decisões do passado, parece que continuamos a desafiar as boas práticas, comprometendo também o nosso futuro. Enquanto 12 países – incluindo Estados Unidos, Japão e os latino-americanos México, Peru e Chile – anunciaram nos primeiros dias de outubro a Parceria Transpacífico (um acordo que dá preferência comercial recíproca a um mercado conjunto equivalente a 40% do PIB mundial), o Brasil insiste em se manter atrelado ao Mercosul, em que seus parceiros conseguem apresentar desempenhos ainda piores que os nossos nos principais rankings internacionais.
Há um dito popular que diz que é errando que se aprende. Importantes teóricos da área da Administração, em particular aqueles voltados ao campo da Criatividade, que enfatizam a importância de entender o erro como parte essencial do processo de aprendizado e aperfeiçoamento. Sarah Lewis, crítica da Faculdade de Artes da respeitadíssima Universidade Yale, publicou recentemente um livro com o ilustrativo título O poder do fracasso, em que tece uma teoria a respeito do que de fato significa falhar e de como o fracasso pode ser essencial para o sucesso.
Parece, no entanto, que o Brasil está abusando do direito de fracassar. E o problema desse abuso é que há outro dito popular que afirma que “errar é humano, porém insistir no erro é…”.
Está mais do que na hora de capricharmos na lição de casa.
Recomendações e indicações bibliográficas e webgráficas
BARAT, Josef. Diplomacia pobre. O Estado de S. Paulo, 13 de outubro de 2015, p. B 2.
LEWIS, Sarah, O poder do fracasso. Tradução de Afonso Celso da Cunha. Rio de Janeiro: Sextante, 2015.
MACHADO, Luiz Alberto. Primeira divisão – Notícia auspiciosa. Disponível em http://www.cofecon.org.br/noticias/colunistas/luiz-machado/1361-primeira-divisao.
_______________ Rebaixamentos – Paralelo entre a economia e o futebol. Disponível em http://www.souzaaranhamachado.com.br/2015/09/rebaixamentos/.
MING, Celso. Síndrome de Peter Pan. O Estado de S. Paulo, 13 de outubro de 2015, p. B 2.
PEREIRA, Renée e CHADE, Jamil. País cai 18 posições no ranking mundial de competitividade. O Estado de S. Paulo, 30 de setembro de 2015, p. B 6.
RESENDE, André Lara. Devagar e simples. : economia, Estado e vida contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
WORLD Economic Forum. Relatório Global de Competitividade 2015-2016. Dipsonível (em inglês) em http://www.peprobe.com/pt-pt/document/relatorio-global-de-competitividade-2015-2016-em-ingles-weforum.
No Comment