Kenneth Arrow

 

1921 – 2017

 

“Kenneth Arrow foi o mais importante economista teórico do século XX.”

Paul Samuelson

 

Kenneth Arrow nasceu em Nova York, EUA, em 1921. Estudou sempre em sua cidade, formou-se em ciências sociais na City College e fez mestrado em matemática na Columbia University. Adotou a economia, mas com a Segunda Guerra Mundial ele foi para a Força Aérea do Exército como oficial meteorologista, para pesquisar os usos do vento. Após a guerra, Arrow casou-se com Selma Schweitzer, e tiveram dois filhos. Ele lecionou na Columbia a partir de 1948 e assumiu a cadeira de economia em Stanford e depois Harvard. Em 1979 voltou a Stanford, até se aposentar em 1991. É mais conhecido pela obra sobre equilíbrio geral e escolha social e ganhou o Prêmio Nobel em 1972 por suas contribuições pioneiras à economia.

Obras-chave

1951 Social choice and individual values

1971 Essays in the theory of risk-bearing

1971 General competitive analysis (com Frank Hahn)

O Livro da Economia

Editora Globo, 2013

P.209

 

Num texto que se tornou referência entre professores brasileiros de História do Pensamento Econômico, e que foi originalmente proposto como texto de discussão aos estudantes de pós-graduação da PUC-RJ, Pérsio Arida identifica e examina prós e contras de dois modelos distintos de estudar a disciplina: modelo hard science e modelo soft science.

O modelo hard science (que ele chamou de “americano” na primeira versão do texto) tem por principal característica explorar a fronteira do conhecimento. Nesse sentido, limita-se à análise da produção teórica recente, com textos elaborados nos últimos 5 a 10 anos. O argumento central dos defensores da noção de fronteira do conhecimento – muito usada nas ciências exatas – é que “um físico”, por exemplo, “no processo de aprendizado, não tem necessidade de aprender a história da física; basta-lhe aprender o estado atual de sua disciplina para contribuir efetivamente ao conhecimento”. A partir dessa ótica, “a história passada da ciência que resultou no seu estado atual não precisa ser revisitada; suas contribuições positivas já estão incorporadas ao estado atual da ciência”. No modelo hard science teoria e história não se misturam. A consequência natural deste modelo é que ele se caracteriza por elevada taxa de obsolescência intelectual, exigindo de seus adeptos constante atualização e reciclagem.

O modelo soft science (chamado de “europeu” na primeira versão) admite uma estreita relação entre teoria e história e defende o estudo por meio do conhecimento das matrizes teóricas, exigindo de seus adeptos a leitura dos textos clássicos, preferencialmente através dos originais, uma vez que Arida afirma haver uma “irremediável perda do vigor original” se o estudo for feito a partir de transcrições das matrizes básicas. É o que ocorre com o uso de traduções ou, principalmente, com o uso de manuais, cujos autores são sempre intérpretes do autor de cada obra.

Em realidade, embora muito criticada, a prática adotada por muitos professores, em razão das condições da maior parte dos estudantes brasileiros de graduação, que não raras vezes são obrigados a conciliar trabalho e estudos, é o da indicação de livros-texto, também conhecidos como manuais. E, nesse sentido, a História do Pensamento Econômico é privilegiada, com um volume considerável de obras disponíveis, quer de autores estrangeiros (com boas e más traduções), quer de autores brasileiros.

Dentre os manuais de HPE, um dos que mais me agrada é o de Stanley Brue, que assume ser continuador da obra de Jacob Oser e William Blanchfield, professores da Utica College of Syracuse University, que escreveram um importante manual de HPE no início da década de 1970. Brue utiliza o mesmo método de análise de Oser e Blanchfield utilizando as Escolas de Pensamento Econômico (EPE) como âncora e examinando-as por meio de cinco questões básicas: 1) Qual o cenário histórico  à época do surgimento de cada EPE? 2) Quais eram os principais dogmas (principais ideias e proposições) de cada EPE? 3) Quem cada EPE beneficiou ou tentou beneficiar? 4) Como cada EPE era válida, útil ou correta em sua época? 5) Qual a influência posterior de cada EPE? (ou Quais dogmas de cada EPE se tornaram contribuições permanentes?)

Com tal método, o livro de Brue, a exemplo do de Oser e Blanchfield, se enquadra claramente no modelo soft science identificado por Pérsio Arida, admitindo forte relação entre teoria e história. O mesmo acontece com o livro Pensamento Econômico em Perspectiva: uma história crítica, de John K. Galbraith, que afirma “ver a economia como um reflexo do mundo no qual ideias econômicas específicas se desenvolveram”. Portanto, a partir desse ponto de vista, “as ideias de Adam Smith devem ser analisadas no contexto do trauma inicial da Revolução Industrial, as de David Ricardo em seus estágios posteriores mais maduros, as de Karl Marx na era do poderio capitalista desenfreado, as de John Maynard Keynes como uma reação ao implacável cataclismo da Grande Depressão”.

Brue, Oser e Blanchfield, ao explicarem os motivos da quarta questão de seu método, chegam a sugerir aos leitores que evitem cometer dois erros muito comuns: “um é a ideia errônea de que os pensadores do passado eram ingênuos, ignorantes ou tolos, e de que nós, como somos mais sábios, descobrimos a verdade final”. […] “O outro extremo consiste em considerar cada ideia dominante no passado correta, justa e boa para sua época. A possível validade de ideias econômicas deve naturalmente estar relacionada com sua época e seu local, mas podem ter sido erradas e sem sentido mesmo para aquela época”.

Efetivamente, é comum depararmo-nos com críticas a autores de épocas passadas pelo fato de suas ideias ou proposições não serem aplicáveis na atualidade.

Fiz essa longa digressão para me referir – e prestar minha homenagem – a Kenneth Arrow, que faleceu no dia 21 de fevereiro aos 95 anos de idade. Suas contribuições à teoria econômica evidenciam a influência recebida de economistas anteriores, como Léon Walras, bem como exercerão enorme influência na produção teórica de economistas do presente, posteriores, portanto, a ele, como, por exemplo, William Sharpe, Joseph Stiglitz e Franklin Fisher.

Arrow foi o mais jovem ganhador do Nobel de Economia, em 1972, aos 51 anos, juntamente com o economista britânico John Hicks. Antes disso, havia sido laureado, em 1957, com a medalha John Bates Clarke, conferida pela American Economic Association a economistas com menos de 40 anos de idade.

Graduado originalmente em Ciências Sociais e com mestrado em Matemática, Arrow atribuía a essa improvável combinação o êxito obtido em sua carreira de economista, na qual atuou como pesquisador, escritor, professor (lecturer) e consultor.

Elencar todas as contribuições de Arrow à teoria econômica iria muito além das pretensões de um artigo dessa natureza. Por essa razão, limito-me a mencionar apenas algumas delas, cuja validade se estende até os dias de hoje:

  • Arrow foi um dos economistas com maior domínio da matemática e foi marcante a sua contribuição decorrente da utilização de métodos quantitativos na elaboração de sofisticados e complexos modelos de análise. Sua influência ainda é enorme na área de gestão de investimentos, na qual suas ideias abriram espaço para a criação de complicados instrumentos financeiros, os chamados derivativos, a exemplo de contratos de opções, que conferem ao detentor o direito, mas não a obrigação, de comprar ou vender um determinado ativo a um determinado preço, até uma data específica.
  • Ainda considerando os conceitos matemáticos criados por Arrow, outra contribuição decisiva – e atualíssima – encontra-se na área de análise de riscos. William Sharpe, laureado com o Nobel em 1990 por sua análise da relação entre risco financeiro e retorno, creditou a ele a ajuda para formular a base das modernas teorias de investimento financeiro e financiamento empresarial.
  • Outra área em que Arrow demonstrou incrível capacidade de antecipação foi no que hoje chamamos de mercados com informação assimétrica, ou seja, a análise de mercados nos quais compradores e vendedores não compartilham as mesmas informações. Com essa abordagem, Joseph Stiglitz foi um dos ganhadores do Nobel de Economia de 2001.
  • O trabalho de Arrow pode ser apontado como gerador do tratamento moderno de “risco moral”, amplamente utilizado no setor de seguros.
  • Suas ideias foram – e continuam sendo – usadas também na área da saúde, tanto no que se refere a cuidados médicos como à prescrição de testes de medicamentos.
  • Outra contribuição de Arrow, que recebeu grande divulgação na década de 50, é conhecida como “teorema da impossibilidade”, segundo o qual nenhum sistema de eleição reflete perfeitamente a vontade dos eleitores quando estão concorrendo mais de dois candidatos.
  • Mas a maior de suas contribuições, e que foi fundamental para a conquista do Nobel de Economia, refere-se à teoria geral do equilíbrio econômico, em que seu objetivo maior foi o de perceber de que forma a incerteza afeta o equilíbrio geral.

A matéria do The New York Times publicada no dia seguinte ao do falecimento de Kenneth Arrow, refletindo sobre sua relevante contribuição, conclui: “O teórico que, nos anos 50, provou que mercados perfeitamente competitivos podiam existir, em termos de lógica matemática, passou o resto de sua carreira demonstrando o quanto os mercados reais ficam aquém da perfeição”.

 

 

Referências e indicações bibliográficas e webgráficas

ARIDA, Pérsio. A História do Pensamento Econômico como Teoria e Retórica. Em REGO, José Marcio (organizador). Retórica na economia. São Paulo: Editora 34, 1996, pp. 11-46.

BRUE, Stanley L. História do pensamento econômico. Tradução de Luciana Penteado Miquelino. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005.

GALBRAITH, John Kenneth. O pensamento econômico em perspectiva: uma história crítica. Tradução de Carlos Afonso Malferrari. São Paulo: Pioneira: Editora da Universidade de São Paulo, 1999.

KENNETH Arrow definiu condições para o funcionamento da ‘mão invisível’. The New York Times. Disponível em http://m.folha.uol.com.br/mercado/2017/02/1860961-kenneth-arrow-definiu-condicoes-para-o-funcionamento-da-mao-invisivel.shtml?mobile

KISHTAINY, Niall (editor consultor). O livro da economia. Tradução de Carlos S. Mendes Rosa. São Paulo: Globo, 2013.

OSER, Jacob e BLANCHFIELD, William C. História do pensamento econômico. Tradução de Carmem Terezinha Santoro dos Santos. Revisão técnica de José Paschoal Rossetti. São Paulo: Atlas, 1983.

 Prêmio Nobel de Economia. Disponível em http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/RolNobE2.html.