Confronto

 O basquete de ontem e de hoje

 

Por três domingos consecutivos, simultaneamente ao início da série final do campeonato da NBA entre Golden State Warriors e Cleveland Cavaliers, a Rede Globo apresentou, no programa Esporte Espetacular, três reportagens sobre os 70 anos da NBA. Acompanhando atentamente as referidas reportagens, aconteceu comigo um fenômeno que se assemelha a um programa conhecido por aqueles que têm o hábito de escutar a Rádio Jovem Pan. Durante um bom tempo, a Jovem Pan transmitiu o programa Confronto, apresentado pela jornalista Paula Carvalho cujo bordão era “comparação do passado com o presente”. Foi pensando nesse programa que me veio a ideia de escrever este artigo comparando a evolução da NBA com a forma pela qual fui percebendo o basquete, quer como torcedor, quer como jogador, mas sempre como um ardoroso amante da modalidade.

A primeira reportagem mostrou a fase inicial da NBA, que se estende de 1947 até a década de 70. Nascido em 1955, evidentemente não acompanhei os primeiros anos dessa incrível trajetória. Passei a fazê-lo a partir de 1963, meu primeiro ano de federado no então pré-mirim do Pinheiros, e com muito mais intensidade na segunda metade dessa década, quando consegui duas conquistas que foram muito importantes na minha vida: a eleição de jogador do ano em 1966, ainda pelo pré-mirim do Pinheiros; e a convocação para a seleção brasileira de biddy basketball em 1968, para disputar o campeonato mundial da categoria em Porto Rico, quando já jogava no mirim do Sírio. Foi a primeira vez que uma seleção com garotos dessa idade (até 13 anos), comandada pelo experiente técnico João Francisco Brás, viajou ao exterior para representar o País em uma competição oficial.

Seleção Brasileira de Biddy-Basket

Chegar à seleção brasileira, aliás, era o grande objetivo da carreira de qualquer atleta, aspecto enfatizado num quadro inesquecível, pendurado na parede do ginásio do Sírio.

Quadro no ginásio do Sírio representando

a evolução na carreira de um atleta

Na primeira reportagem do Esporte Espetacular, em que o grande protagonista foi o pivô Bill Russell, do Boston Celtics, que conquistou 8 títulos consecutivos (da temporada de 1958-59 até a de 1965-66), minhas referências eram outras e minhas atenções estavam voltadas quase integralmente para o basquete brasileiro, que havia conquistado o bicampeonato mundial em 1959, no Chile, e em 1963, no Rio de Janeiro, além da medalha de bronze nas Olimpíadas de Roma (1960) e Tóquio (1964).

Bill Russel

Meus ídolos eram os integrantes daquela fantástica geração, entre os quais Wlamir, Amauri, Mosquito, Sucar, Rosa Branca, Jatyr, Victor, Edson Bispo, Waldemar, Pecente, Ubiratan, Menon, Edvard e Helio Rubens. São Paulo era o grande centro do basquete brasileiro. Apesar da força de alguns clubes do interior como o XV de Piracicaba e o Clube dos Bagres de Franca, a maior parte dos títulos era disputada pelo trio Corinthians, Sírio e Palmeiras. Embora os clubes paulistas cedessem quase todos os integrantes da seleção brasileira, o técnico que conquistou a maior parte dos títulos era do Rio de Janeiro, o inesquecível Togo Renan Soares, o Kanela.

Seleção Brasileira bicampeã mundial em 1963

O Brasil era um país extremamente fechado e isolado, de tal forma que as informações que tínhamos da NBA eram muito reduzidas, limitando-se a algumas revistas que chegavam às nossas mãos trazidas por turistas brasileiros que tinham o privilégio – naquela época restrito a poucos – de viajar ao exterior. As capas e principais matérias dessas revistas apresentavam invariavelmente os nomes e fotos dos grandes ídolos do período: além do já mencionado Bill Russell, costumavam aparecer nas capas jogadores excepcionais como Oscar Robertson, Bob Cousy, Elgin Baylor, Jerry Lucas, John Havlicek, Walt Frazier, Pete Maravich, Willis Reed, Jo Jo White, Wilt Chamberlain e Julius Erving, conhecido e consagrado como Dr. J.

Na década de 1970, mesmo com a seleção brasileira deixando de subir ao pódio nas competições mais importantes, meu foco ainda era essencialmente local e/ou regional, surgindo novos ídolos para se juntar ou substituir os já citados. Ganharam destaque Marquinhos, Adilson, Dodi, Zé Geraldo, Fausto e Carioquinha, além de jogadores estrangeiros que se destacavam nas competições internacionais, como os mexicanos Guerrero e Manuel Raga, o italiano Meneghin, os russos Sergei Belov, Alexander Belov e Sabonis, os iugoslavos Cosic, Slavinic, Kikanovic, Dalipagic e Delibasic, e outros que passaram a ser contratados pelas principais equipes brasileiras, como os argentinos Gherman e Gonzales, o peruano Raul Duarte, os primeiros americanos, Curtiss e Hill e, logo em seguida, Rocky Smith. O grande destaque desse período foi do Sírio, que conquistou o título mundial de clubes em 1979, após memorável vitória sobre o Bosnia Sarajevo, da Iugoslávia, por 100 a 98, no Ibirapuera completamente abarrotado.

Equipe do Sírio, campeã mundial interclubes em 1979, dirigida por Claudio Mortari

A NBA passava por uma fase relativamente morna, perdendo seguidores, até viver, na década de 1980, uma acentuada recuperação, motivada em grande parte pela rivalidade entre Boston Celtics, liderado por Larry Bird, e Los Angeles Lakers, liderado por Magic Johnson e Kareem Abdul-Jabbar.

Essa recuperação, puxada pela rivalidade entre Lakers e Celtics, que dividiram vários títulos consecutivos, foi o foco da segunda das três reportagens do Esporte Espetacular. Logo em seguida, após duas conquistas dos “Bad Boys” do Detroit Pistons, liderados por Isiah Thomas e Dennis Rodman, veio a longa hegemonia do Chicago Bulls, graças ao protagonismo de Michael Jordan, que teve a companhia de vários bons jogadores, com destaque para Scottie Pippen e Horace Grant.

No Brasil, foi a geração de Oscar, Marcel, Gilson, Israel, Gerson, Pipoca, Cadum, Marcelo Vido, Paulinho Vilas Boas, Guerrinha e Maury, muitos deles integrantes da equipe que conseguiu a memorável vitória sobre a seleção norte-americana, na final dos Jogos Pan-Americanos de 1987, realizados em Indianápolis, fator que contribuiu para que os Estados Unidos passassem a enviar jogadores profissionais para as competições internacionais mais relevantes a partir dos Jogos Olímpicos de Barcelona, em 1992, ideia que já vinha sendo amadurecida desde a derrota para a URSS na polêmica final dos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972. A esse respeito, recomendo a leitura do livro Jogada política no esporte, do jornalista Fabio Piperno[1].

O processo de globalização se intensificava e, em decorrência disso, os jogos da NBA passaram a ser transmitidos para um número crescente de países. Ao mesmo tempo, começa a se observar a contratação de alguns jogadores estrangeiros pelas equipes da NBA.

A participação do Dream Team, que reuniu Michael Jordan, Magic Johnson, Larry Bird, Charles Barkley, Clyde Drexler, Karl Malone, Pat Ewing, Chris Mullins, John Stockton, Scottie Pippen e David Robinson (que fazia parte da equipe derrotada pela seleção brasileira em Indianapolis), foi um marco divisório e deu início a uma nova realidade, na qual a NBA passa a ser o centro das atenções de torcedores do basquete espalhados por todo o mundo. Somando-se a isso a contratação de um número crescente de jogadores estrangeiros pelas equipes da NBA, o foco mudou completamente, de tal forma que os jogadores da NBA se tornaram os maiores ídolos da juventude mundial, sendo muito mais conhecidos do que os próprios jogadores locais.

O lendário Dream Team

Sendo assim, nos anos finais da década de 1990 e no início do novo século as atenções dos admiradores do basquete estiveram voltadas aos grandes protagonistas desse período, tais como Kobe Bryant e Shaquille O’Neal, líderes da nova geração vitoriosa do Los Angeles Lakers ou Tin Duncan, Manu Ginobii e Tony Parker do San Antonio Spurs.

Paralelamente, o basquete brasileiro mergulhava num processo de decadência do qual, de certa forma, não conseguiu sair até os dias de hoje. Enquanto isso, o voleibol brasileiro se firmava como a grande força mundial da modalidade, atraindo um volume crescente de público, com suas principais competições merecendo amplo espaço na mídia, com frequentes transmissões pelas principais redes da TV aberta.

As maiores conquistas do período vieram do basquete feminino. Lideradas por duas das maiores jogadoras da história do esporte, Hortência e Paula, a seleção brasileira conquistou o título mundial na Austrália em 1994, derrotando a China na partida final por 96 a 87. Essa mesma geração conquistou a medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996, perdendo na final para a seleção norte-americana, e a medalha de bronze em Sidney, em 2000, vencendo a Coreia do Sul na disputa pelo terceiro lugar, com uma equipe renovada, sem contar mais com Hortência e Paula e tendo a liderança de Janeth.

Hortência, Magic Paula e Janeth

Com suas principais estrelas, Nenê, Anderson Varejão, Tiago Splitter e Leandrinho jogando na NBA, onde alternaram boas e más temporadas, ou na Europa, Marcelinho Huertas, os campeonatos locais passaram a despertar cada vez menos interesse. Nossa seleção não conseguiu resultados expressivos nas competições internacionais mais importantes como os Jogos Olímpicos ou Campeonatos Mundiais, limitando-se a títulos sul-americanos ou nos Jogos Pan-Americanos, nos quais nem sempre os países enviavam seus melhores jogadores. A fraca participação nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro frustrou a expectativa de torcedores que acreditavam na possibilidade de conquista de alguma medalha. Os maus resultados refletiam a péssima governança, que chegou ao fundo do poço em 2016, com a suspensão, por parte da FIBA, de nossas equipes e seleções dos torneios internacionais.

A par da extraordinária evolução técnica, foi possível testemunhar, com o passar do tempo, a crescente influência do vigor físico, com raros destaques de jogadores de baixa estatura. Dificilmente será encontrada alguma grande equipe nesse período sem um pivô típico, conhecido como o Nº 5, desempenhando papel fundamental no resultado final alcançado por essa equipe. Apesar de já ter mencionado Shaquille O’Neal e Tin Duncan, vários outros jogadores com essas características tiveram papel destacado em suas respectivas equipes, entre eles Bill Walton, Hakeem Olajuwon, Moses Malone, David Robinson, Robert Parish, Alonzo Mourning, Vlade Divac, Kevin Garnett, Dikembe Mutombo, Yao Ming e, mais recentemente, Pau Gasol e Dwight Howard.

A terceira e última reportagem do Esporte Espetacular focalizou, como não poderia deixar de ser,  a mais recente rivalidade capaz de polarizar as atenções gerais, opondo, de um lado, o Cleveland Cavaliers, liderado pelo fantástico LeBron James, e de outro, o Golden State Warriors, liderado pelo não menos fantástico Stephen Curry, reforçado, nesta última temporada, por Kevin Durant. Duas equipes brilhantes, com sistemas profundamente diferentes, embora tendo em comum uma preocupação preponderante com a parte ofensiva, razão pela qual a maior parte das partidas da série final alcançou resultados elevadíssimos.

Stephen Curry e LeBron James

Interessante observar que as duas equipes que disputaram a série final, vencida pelo Golden State Warriors por 4 a 1, não possuíam um pivô típico – Nº 5 – de destaque, optando, em muitos momentos por mais velocidade e habilidade e abrindo mão de um especialista.

Aliás, habilidade e técnica foram abundantes ao longo de toda a temporada, com acirrada disputa pela escolha do MVP (most valuable player) entre James Harden, do Houston Rockets, Kawhi Leonard, do San Antonio Spurs, e Russel Westbrook, do Oklahoma City Thunder, que acabou sendo o escolhido. Além deles, tiveram ótimo desempenho pela combinação de técnica e habilidade Kyrie Irving, do Cleveland Cavaliers, Stephen Curry, do Golden State Warriors, MVP nas duas temporadas anteriores, e o extraordinário Isaiah Thomas, que com seu 1,78m só faltou fazer chover em alguns jogos, sendo decisivo para que o Boston Celtics chegasse à disputa da final da conferência.

Simultaneamente, a nona edição do Novo Basquete Brasil (NBB), teve uma final inédita, entre Paulistano e Bauru, que levou a melhor, vencendo a série por 3 a 2. Apesar do equilíbrio e da boa organização do campeonato, os jogos raramente chegaram a empolgar os admiradores da modalidade, muito mais interessados nos jogos da NBA.

Resta torcer para que com os novos dirigentes – João Fernando Rossi no NBB e Gui Peixoto na CBB – e com o retorno da transmissão de jogos pela TV aberta, o basquete brasileiro dê início à dura jornada que terá pela frente se quiser voltar a figurar entre as principais forças mundiais da modalidade.

 

[1] São Paulo: Editora do SESI, 2016.