O ministro da Educação e o efeito rebote: uma reflexão necessária

Eduardo José Monteiro da Costa[1]

Este breve artigo tem por objetivo alertar que, na tentativa de combater o aparelhamento político-ideológico das universidades, a única coisa que o atual ministro da Educação, Abraham Weintraub, está deixando como legado de sua gestão é justamente o efeito rebote ao pretendido, o desgaste político do governo federal e a reaglutinação da militância ideológica de “esquerda”.

Sem o objetivo de ser extenso e nem exaustivo, antes de entrar no ponto central, é preciso colocar dois apontamentos iniciais?

  1. É impossível pensar no desenvolvimento de uma nação sem uma séria e ousada política educacional. Investimentos na formação de capital humano e em ciência, tecnologia e inovação são pré-requisitos para a superação do subdesenvolvimento. A história é pródiga em exemplos (Estados Unidos, Japão, China, Coréia do Sul, Alemanha, Israel…). Assim, destruir, ou sabotar, o sistema educacional brasileiro e as universidades públicas não é uma alternativa sensata ou plausível;
  2. Apesar de o Brasil ter logrado um inquestionável movimento de expansão universitária nas últimas décadas, esta expansão não veio acompanhada de um avanço na qualidade do ensino e na transferência adequada de conhecimento das universidades para a sociedade. É lógico que sempre se pode citar um exemplo bem sucedido daqui ou de acolá, mas, perto da potencialidade existente, as universidades brasileiras não dão o retorno que tanto a sociedade espera como indutoras do desenvolvimento regional ou mesmo nacional. Algumas tornaram-se, em grande parte, enclaves que pouco dialogam com o seu entorno, ou com a sociedade – apesar de que para alguns professores, seja pelo seu corporativismo, ou pela incapacidade de olhar para além dos muros institucionais, essa questão não deve nem de longe ser objeto de debate ou indagação. Levantar essa questão é motivo de insulto! Ou algo ilógico. Um paradoxo que só a academia pode explicar.

Por que digo isso? Porque parece que, para alguns, o problema da educação no Brasil se restringiu a um único fator, o aparelhamento político-ideológico, expresso na “pedagogia do oprimido” de Paulo Freire, no marxismo cultural ou no gramscimo. Não nego essa questão! É fato que existe hoje nas universidades públicas pouca pluralidade, algumas vezes beirando à dominância de um pensamento único, hegemônico, que transformou as instituições quase que num protótipo de sindicato ou partido político. É bem verdade que isso ocorre mais em algumas do que noutras, e mais em alguns cursos do que noutros, mas é público e notório que essa militância ideológica existe, é atuante e articulada, ocupando espaços institucionais, de centros acadêmicos até reitorias, algumas vezes com interesses partidários. Faço questão de enfatizar que, no meu ponto de vista, o problema, até certo ponto,  não é a militância em si – o problema é quando os interesses do(s) partido(s) se sobrepõem aos da academia –, mas a ausência de pluralidade (contraponto), de respeito às opiniões divergentes, ou mesmo o resultado social que essa hegemonia produz: antagonismos de classes com a crença de que o empresário (“burguês” ou “capitalista”) é um mal para a sociedade; perseguições ideológicas ou religiosas; baixo nível de produtividade; baixo nível de inovação, empreendedorismo e criatividade; baixa transferência de tecnologia das universidades para a sociedade; baixo sentimento de autorresponsabilidade; e, elevada dependência do Estado com hipertrofia da cultura do “emprego público” (talvez aborde esses assuntos com detalhe noutro artigo).

Estratégias para propiciar maior pluralidade ao debate acadêmico, que inclua a salvaguarda ao direito da discordância, precisam sim ser discutidas. Isso é benéfico para a academia e para a sociedade. Todos crescemos com a dialética de ideias. Esse é o verdadeiro conceito de universidade. Esse é o ponto!

Contudo, ao invés de fomentar esse debate, ao lado da propositura de um plano de ação para o avanço da educação superior brasileira, inclusive como elemento estratégico de desenvolvimento nacional, me parece que o atual ministro da Educação vem promovendo ações, muitas delas equivocadas, de caráter monocórdico, para apenas combater o aparelhamento político-ideológico das universidades. Ou seja, o sentimento corrente é o de que o único objetivo atualmente posto pela pasta da educação é a “aniquilação da militância de esquerda”, esquecendo-se de todo o resto, sendo que, talvez, o resto, neste caso, seja o mais relevante e estratégico, até mesmo para o fim perseguido.

Essa “hipocondria” ideológica manifesta vem produzindo dois efeitos colaterais:

  1. Aqueles professores, pesquisadores, servidores e alunos que não tem afinidade ideológica com nenhuma corrente partidária, ou até mesmo os que são simpáticos às ideias liberais ou conservadoras, estão sendo colocados no mesmo “cesto” dos desafetos ideológicos do ministro, tratados com isonomia. Assim, na tentativa de matar a “formiga” com um tiro de “canhão”, o ministro está aniquilando com todos, indistintamente do viés ideológico. Em outras palavras, para acabar com a militância ideológica de esquerda nas universidades a alternativa encontrada parece ser acabar, implodir, com as universidades. Usando-se um jargão bastante conhecido, joga-se fora o “bebê” juntamente com a “água suja”;
  2. As insinuações de corte de recursos, as galhofas públicas, as ameaças à carreira docente, vem produzindo como efeito, ante o aumento da insatisfação latente, a reaglutinação da militância de esquerda, que até então estava dispersa, desorganizada, desestabilizada, baratinada – principalmente em decorrência do fato de não ter até o momento compreendido o real motivo da sua perda de hegemonia política, ao lado da sua incapacidade de realizar uma autocritica e reconhecer erros e excessos. As ações do ministro da Educação estão fornecendo o elemento necessário para reaglutinação política deste espectro ideológico, que já passa inclusive a seduzir uma parcela crescente de professores, alunos e servidores, que apesar de não terem identidade político-ideológica com eles (e alguns até mesmo aversão), por sentirem-se ameaçados, veem no ajuntamento político a única possibilidade de “resistência” as ameaças latentes.

Em síntese – e peço perdão, pois o texto ficou muito mais longo do que eu inicialmente pretendia –, ou ocorre uma ampla e profunda mudança no paradigma de gestão do Ministério da Educação, estabelecendo uma agenda para a educação superior, com propostas concretas, incluindo a qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão, ou a atual política monocórdica de ação empregada irá produzir apenas um efeito rebote, bem diversos daquele inicialmente pretendido, qual seja, o desgaste político do governo federal e a reaglutinação das forças políticas contrárias.

[1] Doutor em Economia pela Unicamp e professor da UFPA. Correio eletrônico: ejmcostaa@gmail.com