Porque a economia brasileira vai sofrer os efeitos da crise
mais do que o resto do mundo
Eiiti Sato[1]
A derrubada do veto presidencial referente ao BPC é mais um ato típico da irresponsabilidade do Congresso Nacional. O presidente e seu ministro da economia podem ter errado, por falta ou por excesso, em muitas outras coisas, mas no caso do veto ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) estava absolutamente correto. Seja quanto à legalidade da proposta da criação do benefício, que não prevê fonte de recursos para custear o benefício, mas, principalmente, em razão das circunstâncias da crise internacional em que a proposta foi tramitada e aprovada. Em termos muito simples o BPC é um benefício de assistência social equivalente a um salário mínimo/mês a ser pago a idosos e a deficientes físicos de qualquer idade, desde que comprovem baixa renda. Em termos orçamentários significa adicionar às contas públicas uma “fatura” de cerca de R$ 20 bilhões/ano. Embora em valores seja diferente, em termos de significado para a economia, anula o efeito benéfico trazido pela aprovação da reforma da previdência social no ano passado.
A crise desencadeada pelo aparecimento do corona vírus e reforçada pela disputa entre Arábia Saudita e Rússia em torno do mercado do petróleo, produziu uma crise econômica internacional cujas dimensões somente começarão a ser visíveis em cifras quando começarem a ser divulgados os primeiros dados do primeiro trimestre de 2020. Mesmo sem os dados, é possível inferir que a crise pode atingir proporções similares ou até maiores do que o desastre financeiro de 2008. O virtual fechamento por semanas da cidade de Wuhan, um dos centros industriais e financeiros mais importantes da China foi a parte mais visível do grande impacto sobre toda a economia chinesa. A crise se estendeu para outros países na Ásia e atingiu em cheio a Itália, mostrando que a Europa e o mundo não estão isentos da contaminação pelo corona vírus. Os sintomas econômicos da crise são bem visíveis: voos na Ásia e na Europa praticamente vazios, restrição de voos vindos da Europa para aeroportos americanos, cancelamento de eventos esportivos e culturais que movimentam US$ bilhões. Hotéis, restaurantes, teatros e pontos turísticos importantes estão fechados significando enormes prejuízos. Enfim, os sinais são muitos e bem visíveis, e qual a resposta brasileira? Repete-se o mesmo equívoco de subestimar as dimensões da crise. Conforme o presidente Bolsonaro e de seu ministro da economia, a crise internacional passará ao largo, enquanto o Brasil, ao contrário, estará dando início a um novo ciclo de crescimento… Ou seja, uma leitura completamente equivocada da crise internacional e das suas consequências.
No passado, do mesmo modo que Bolsonaro, subestimou-se as dimensões da crise internacional e adotou-se políticas inadequadas trazendo como resultado para a economia brasileira a estagnação que se estendeu por muito mais tempo do que em outras economias. Quando a crise do petróleo se abateu sobre a economia mundial nos fins de 1973, o presidente Ernesto Geisel preparava-se para assumir o poder. O governo, ufanista em razão dos anos do “milagre econômico” dos anos anteriores, ao invés de ajustar-se à crise tomando medidas de contenção, reduzindo ao máximo o consumo de petróleo, como faziam as principais economias da época, preferiu o caminho de endividamento. Preferiu manter os níveis de consumo tomando pesados empréstimos junto a bancos privados internacionais que, devido ao ambiente de recessão, praticavam juros bastante baixos. O resultado foi que a década de 1980 ficou conhecida como a década perdida para o Brasil e para outros países que, como o Brasil, praticaram políticas de endividamento.
Mais tarde, o governo Lula repetiu a mesma fórmula em relação à crise financeira de 2008. “Lá nos EUA, ela (a crise) é um tsunami; aqui, se ela chegar, vai chegar uma marolinha que não dá nem para esquiar”, foi a frase utilizada pelo presidente para dizer que o Brasil não precisava se preocupar em ajustar sua economia diante da crise financeira que derrubava as atividades econômicas nos principais centros econômicos mundiais. A resposta brasileira foi aumentar o isolamento da economia brasileira. O fato é que há mais de uma década, na média, o crescimento da economia brasileira tem ficado em torno da metade das taxas de crescimento da economia mundial.
O fato é que países como o Brasil, ao invés de subestimar as dimensões das crises internacionais, deveriam levar em conta que suas economias são mais frágeis do que os tradicionais centros dinâmicos da economia mundial. O governo e, mais ainda o Congresso, deveriam estar mais atentos e saber que os efeitos das crises internacionais se abatem com mais severidade sobre as economias mais frágeis e vulneráveis. Eventuais afinidades entre os presidentes americano e brasileiro seriam pouco eficazes em tempos sem turbulência; diante de uma crise internacional grave, prevalecem os interesses econômicos mais primários.[2] Agora só falta o Banco Central brasileiro baixar as taxas de juros como medida anticíclica, mesmo diante da saída maciça de dólares ocorrida nos últimos meses.
[1] Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília
[2] Basta lembrar que o projeto mais caro ao presidente Woodrow Wilson não foi aprovado pelo Congresso e os EUA jamais fizeram parte da Liga das Nações.
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