A pandemia e a crise econômica: o que não estamos enxergando?
Eduardo José Monteiro da Costa[1]
Todos os dias, por dever de formação, assisto aos noticiários as avaliações dos comentaristas a respeito da crise econômica advinda da pandemia do COVID-19. Há claramente alguns consensos que vem se formando, como a impossibilidade, no momento, de uma estimativa da real dimensão da crise e a necessidade de o governo federal adotar políticas macroeconômicas expansionistas ao lado de medidas que preservem empresas e empregos e minimizem os impactos econômicos e sociais nos autônomos e informais, bem como naqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade social.
De acordo com dados recentes do IBGE, o Brasil encontra-se com cerca de 12,3 milhões de desempregados. Um montante que tende a aumentar nos próximos meses dado o cenário de desaquecimento da economia. Porém, as projeções sobre 2020 ainda são inconclusivas e variam entre um PIB zero ou uma queda, no pior cenário, de cerca de 4% da atividade econômica. Acredito que não devemos chegar no pior cenário, mas claramente há uma tendência de queda do nível de produção, emprego e renda.
Apesar do governo federal, através do ministro da economia Paulo Guedes, ter anunciado até o momento um pacote econômico superior a R$ 700 bilhões de reais, mobilizando cerca de 2,5% do PIB, em diversas ações, alguns ainda acham que as medidas adotadas são insatisfatórias. Sem entrar na análise das medidas e nem no mérito de sua dimensão, que não é o foco que pretendo abordar, três temas curiosamente vêm sendo omitidos pelos analistas e meios de comunicação.
O primeiro é a “herança maldita” recebida pelo atual governo na forma de: (i) um déficit público crônico das contas públicas; (ii) um engessamento orçamentário nos gastos obrigatórios e, consequentemente, uma baixa capacidade discricionária na gestão do orçamentária; e, (iii) uma limitada capacidade de investimento. Mesmo que a decretação da situação de calamidade na saúde pública possa legalmente permitir o remanejamento orçamentário ou a criação de despesas desvinculadas de fontes de receitas (o que numa situação normal poderia ser visto como uma “pedalada fiscal”), a deterioração pretérita das contas públicas – causada pelo populismo fiscal e pelo simulacro keynesiano adotado pelos governos Lula e Dilma, sobretudo o primeiro – limita drasticamente a capacidade atual de alavancagem que o governo tem.
Some-se a isso: (i) a má gestão; (ii) o favorecimento explícito de grupos financeiros e econômicos (empreiteiras), por meio de políticas persistentes de juros altos e do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC); (iii) as decisões polêmicas sobre as prioridades de investimento (como a decisão política de construir e financiar estádios de futebol ao invés da infraestrutura econômica, escolas e hospitais); e, (iv) a corrupção sistêmica que invadiu diversas áreas do governo e empresas públicas, desviando bilhões de reais.
Isso traz à baila um aprendizado, o populismo, ao lado da irresponsabilidade fiscal e da corrupção – além de ter jogado o Brasil na mais grave crise econômica de sua história, com dois anos de queda do PIB, em 2015 (3,5%) e 2016 (3,2%), propiciando a terceira década perdida em 40 anos e mais de 12 milhões de desempregados – mata silenciosa e diariamente milhões de brasileiros, seja pela fome advinda do desalento econômico ou por doenças, quando faltam leitos hospitalares (ou respiradores para aqueles que eventualmente possam desenvolver o estágio crônico do COVID-19). Em síntese, a baixa capacidade de alavancagem atual, para além da análise de mérito, ainda é um legado do que vivemos recentemente e não pode ser minorado ou esquecido, como estão a fazer os nossos meios de comunicação e analistas.
O segundo ponto, derivado do primeiro, mas curiosamente, também, omitido pelos debates econômicos, é a elevada probabilidade de no Brasil termos três ondas de impacto social e econômico. Duas ondas são claramente perceptíveis. A primeira é a crise sanitária com a possibilidade de colapso nos sistemas públicos e privados de saúde, a exemplo do que está acontecendo em outros países. A segunda é o colapso econômico por meio da recessão em decorrência do lockdown, mesmo que parcial produzido pela estratégia, no meu entender correta, de isolamento social. Porém, a terceira onda ainda não foi até o momento percebida pelos analistas econômicos, e tende a agravar, ou melhor, alongar a crise econômica no Brasil. Mas qual é essa onda? É o agravamento do desequilíbrio das contas públicas, não somente do governo federal, mas de todos os entes (União, estados e municípios).
Sem entrar no mérito do debate se a reação do governo é tímida ou adequada (volto a dizer que não há espaço neste ensaio para essa querela), o montante de recursos públicos até o momento mobilizados, anteriormente já mencionado, produziu como efeito a revisão da projeção do déficit público primário de 2020 dos anteriores R$ 124 bilhões para algo próximo de R$ 300 bilhões. Porém, já há estimativas que aproximem esse montante de algo em torno de R$ 400 bilhões. Infelizmente essa terceira onda custará muito caro para a sociedade brasileira, pois levará no day after o governo federal a ter de compatibilizar a difícil agenda de estimular a sustentabilidade do crescimento econômico com um amplo programa de reajuste fiscal.
Em síntese, a singularidade dessa terceira onda imporá enormes desafios à sociedade brasileira, o que exigirá a abertura de um debate público responsável, sem demagogia ou populismo, capaz de colocar os interesses maiores da sociedade acima dos interesses eleitoreiros de curto prazo.
[1] Doutor em Economia pela Unicamp e professor da UFPA. Correio eletrônico: ejmcosta@gmail.com
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