Para baixo e para cima
“Nenhum país no mundo atingiu um desenvolvimento humano muito alto sem colocar uma pressão enorme sobre o planeta, mas podemos ser a primeira geração a corrigir este erro. Esta é a próxima fronteira do desenvolvimento humano.”
Achim Steiner
(Administrador do PNUD)
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) da Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou no dia 15 de dezembro seu relatório anual do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)[1]. O referido relatório baseia-se em dados de 2019 e no ranking composto por 189 países o Brasil aparece no 84º lugar, com IDH de 0,765, caindo cinco posições na comparação com o ranking anterior, ainda que sua pontuação revele pequeno crescimento, uma vez que no documento anterior, que analisou os dados de 2018, o IDH brasileiro era de 0,761, o 79º da lista.
A tabela 1 apresenta alguns países selecionados e pretende dar uma boa noção da posição do Brasil em relação aos melhores e aos últimos classificados, bem como na comparação com países da América do Sul.
Tabela 1
Índice do Desenvolvimento Humano (IDH) em 2019
Posição | País | IDH 2019 |
1 | Noruega | 0,957 |
2 | Irlanda | 0,955 |
2 | Suíça | 0,955 |
4 | Hong Kong (China) | 0,949 |
4 | Islândia | 0,949 |
6 | Alemanha | 0,947 |
7 | Suécia | 0,945 |
8 | Austrália | 0,944 |
8 | Holanda | 0,944 |
10 | Dinamarca | 0,940 |
43 | Chile | 0,851 |
46 | Argentina | 0,845 |
55 | Uruguai | 0,817 |
79 | Peru | 0,777 |
83 | Colômbia | 0,767 |
84 | Brasil | 0,765 |
86 | Equador | 0,759 |
97 | Suriname | 0,738 |
103 | Paraguai | 0,728 |
107 | Bolívia | 0,718 |
110 | Belize | 0,716 |
113 | Venezuela | 0,711 |
122 | Guiana | 0,682 |
184 | Mali | 0,434 |
185 | Burundi | 0,433 |
185 | Sudão do Sul | 0,433 |
187 | Chade | 0,398 |
188 | República Centro-Africana | 0,397 |
189 | Níger | 0,394 |
Fonte: PNUD – Elaboração do autor
O IDH foi criado em 1989 por Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 1998, e pelo economista paquistanês Mahbub ul Haq, passando imediatamente a ser aceito no mundo todo como a principal referência para definir o grau de desenvolvimento de um país. O IDH vai de 0 a 1 e é calculado todos os anos pelo PNUD com base em três critérios: (i) renda (padrão de vida medido pela Renda Nacional Bruta per capita; (ii) saúde/longevidade (vida saudável e longa, medida pela expectativa de vida); e (iii) educação (acesso ao conhecimento medido pela média de anos de educação de adultos e expectativa de anos de escolaridade para crianças na idade de iniciar a vida escolar).
Na classificação da organização, o Brasil é considerado um país de alto desenvolvimento humano numa escala que considera quatro categorias[2]: desenvolvimento muito alto; alto; médio e baixo.
O desempenho brasileiro (evolução de 0,003 em relação a 2018) foi avaliado pelo PNUD como sendo de “crescimento lento”. O Brasil não chegou a recuar nos três indicadores, mas acabou sendo ultrapassado por outros países que tiveram melhor desempenho, o que explica a perda de posições.
A principal causa da estagnação brasileira reside na falta de avanços na educação. O período de permanência das pessoas na escola ainda é o mesmo de 2016, de 15,4 anos. A média de anos de estudo teve uma pequena alta, de 7,8 anos em 2018 para 8 anos em 2019.
A expectativa de vida no país aumentou de 75,7 anos para 75,9, o que representa um aumento significativo se comparado com a avaliação de 2015, que era de 75 anos.
Novidade
A novidade contida no relatório do PNUD deste ano foi a divulgação, pela primeira vez, dos números do IDH também com um novo indicador, ajustado a partir da pressão que cada país exerce sobre o meio ambiente.
O resultado indica que os países de mais alto desenvolvimento humano são os que mais pressionam o meio ambiente.
O novo indicador, batizado de IDHP (Índice de Desenvolvimento Humano Ajustado às Pressões Planetárias), é calculado a partir do IDH do país, ponderado com duas variáveis: as emissões de gases causadores do efeito estufa e a quantidade de recursos naturais utilizados pelas cadeias de produção de cada país, proporcionalmente à sua população.
Com o resultado do IDH recalibrado pelo novo indicador, o Brasil sobe dez posições no ranking e fica em 74º entre os países do mundo.
O contrário pode ser constatado na maior parte dos países desenvolvidos, que perdem posições, pois padrões mais altos de renda e consumo costumam vir acompanhados por uma maior pressão ecológica sobre o meio ambiente.
Alguns exemplos: a Noruega, que lidera o ranking do IDH, cai 15 posições quando o indicador é ajustado a partir do índice de pressão ecológica sobre o planeta; já os Estados Unidos caem 45 posições, e a Alemanha, apenas uma.
De acordo Betina Barbosa, coordenadora da Unidade de Desenvolvimento Humano do PNUD no Brasil, “o resultado brasileiro representa um avanço lento do País no índice, mas mostra a consolidação do Brasil no grupo de países de alto IDH”, o que parece claro no gráfico 1.
Gráfico 1
Para Betina Barbosa, “se não fosse pela pandemia, a gente teria no próximo ano um melhor desempenho do IDH”. Porém, continua: “O IDH esperado para o próximo ano será um IDH que pela primeira vez no seu cálculo histórico ficará como sendo um IDH que sofreu um decréscimo”. Fechando sua avaliação, diz a pesquisadora do PNUD: “A pandemia vai ter um reflexo significativo sobre as três dimensões do desenvolvimento humano, que são as dimensões de saúde, educação e produto interno [PIB]”.
Competitividade digital
Antes de concluir este artigo, gostaria de comentar também os resultados de outro relatório, menos relevante do que o do PNUD, que foi divulgado em outubro, despertando pouca atenção dos analistas, preocupados prioritariamente com a volatilidade da economia e a proximidade das eleições municipais.
Trata-se do Ranking de Competitividade Digital, elaborado pelo Núcleo de Competitividade Global do IMD (International Institute for Management Development), em parceira com a Fundação Dom Cabral e com o apoio do Movimento Brasil Digital, no qual o Brasil subiu seis posições em relação ao ano anterior, ficando na 51ª posição entre 63 países.
O ranking leva em conta três pilares: (i) conhecimento (know how necessário para descobrir, compreender e construir novas tecnologias). (ii) tecnologia (as condições gerais que possibilitam o desenvolvimento de tecnologias digitais); e (iii) prontidão para o futuro (o nível de preparo para explorar as transformações digitais).
O Brasil avançou no primeiro deles, mas se manteve praticamente estável nos outros dois, como se vê na tabela 2.
Tabela 2
Desempenho geral e por fatores – 5 anos
2016 | 2017 | 2018 | 2019 | 2020 | |
Geral | 5,4 | 5,5 | 5,7 | 5,7 | 5,1 |
Conhecimento | 5,4 | 5,5 | 5,2 | 5,9 | 5,7 |
Tecnologia | 5,4 | 5,5 | 5,5 | 5,7 | 5,7 |
Prontidão futura | 4,9 | 4,4 | 4,7 | 4,3 | 4,3 |
Segundo o estudo, o Brasil se destacou em medidas como os ganhos em relação à concentração científica, estrutura regulatória, capital e agilidade para negócios. Esta última, em especial, apresentou avanços na maioria de seus componentes, entre eles a transferência de conhecimento entre universidades e setor privado e a agilidade das empresas. Ainda assim, para o professor Carlos Arruda, coordenador do Núcleo de Inovação e Empreendedorismo da Fundação Dom Cabral, há muito a ser feito para que o País mantenha avanços sustentáveis no cenário mundial e amplifique sua competitividade.
Já na avaliação de Vitor Cavalcanti, diretor executivo do Movimento Brasil Digital, “o estudo mostrou que uma das grandes dificuldades do Brasil ainda é sustentar o ritmo de avanço. A Covid-19 acelerou o processo de Transformação Digital de muitas empresas, sob o risco de deixar de fora do mercado aquelas que não se adequassem de maneira ágil e eficiente à situação. Longe de ser o ideal, já que estamos falando de um movimento forçado causado por uma pandemia, mas a expectativa é que essa aceleração se reflita em ganhos de competitividade”.
Costumo dizer que mais importante do que o retrato revelado por um relatório isoladamente é analisar a evolução de cada país em sucessivas edições dos mesmos. Nesse sentido, aguardemos os futuros relatórios.
Fontes
AMORIM, Felipe. Com avanço lento, Brasil cai 5 posições em ranking de qualidade de vida. Disponível em https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2020/12/15/com-avanco-lento-brasil-cai-5-posicoes-em-ranking-de-qualidade-de-vida.htm.
BRASIL cai cinco posições no ranking global de IDH. Disponível em https://www.dw.com/pt-br/brasil-cai-cinco-posi%C3%A7%C3%B5es-no-ranking-global-de-idh/a-55944829#:~:text=O%20IDH%20brasileiro%2C%20que%20%C3%A9,%C3%A9%20calculado%20para%20150%20pa%C3%ADses.
G1. Brasil perde cinco posições no ranking mundial de IDH, apesar de uma leve melhora do índice. Disponível em https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/12/15/brasil-perde-cinco-posicoes-no-ranking-mundial-de-idh.ghtml.
LIMA, Bruna. Brasil cai 5 posições e é o 84º no ranking global. Correio Braziliense, 15 de dezembro de 2020. Disponível em https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2020/12/4894929-idh-brasil-cai-5-posicoes-e-o-84-no-ranking-global.html.
MACHADO. Luiz Alberto. Viagem pela economia. São Paulo: Scriptum Editorial, 2019.
OSSAMU, Carlos. Brasil melhora no ranking de Competitividade Digital. Disponível em https://inforchannel.com.br/brasil-melhora-no-ranking-de-competitividade-digital/#:~:text=Compartilhar!&text=O%20Brasil%20subiu%20seis%20posi%C3%A7%C3%B5es,2018%2C%20onde%20permaneceu%20em%202019.
SATIE, Ana. Brasil cai cinco posições e agora é o 84º no ranking de IDH da ONU. CNN Brasil. Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/2020/12/15/brasil-cai-cinco-posicoes-e-agora-e-o-84-no-ranking-de-idh-da-onu.
[1] Human Development Report 2020 – The next frontier: Human development and the Anthropocene.
Disponível em http://hdr.undp.org/sites/default/files/hdr2020.pdf.
[2] Por muitos anos o PNUD considerava cinco faixas de IDH, como se vê na figura abaixo:
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