Conhecendo a história do Brasil…

por meio dos que contaram a história

“A história é a justiça imparcial, mas tem a mania de chegar tarde.”

Roberto Campos[1]

 Em artigo intitulado Livros para entender o Brasil de hoje[2], Rubens Figueiredo mencionou os grandes clássicos da historiografia brasileira, de leitura imprescindível, para discorrer sobre três livros recentes que explicam como nosso país funciona. São eles: Os onze – O STF, seus bastidores e suas crises, de Felipe Recondo e Luiz Weber, sobre o Supremo Tribunal Federal; A organização: A Odebrechet e o esquema de corrupção que chocou o mundo, de Malu Gaspar; e Tchau, querida – O diário do impeachment, de Eduardo e Danielle Cunha. Os dois primeiros são excelentes e detalhadas reportagens, o terceiro é um depoimento de um ator importantíssimo no processo que apeou Dilma Rousseff do poder.

Meu artigo focaliza outro tipo de livros, igualmente excelentes fontes de compreensão dos caminhos que fizeram do Brasil aquilo que é hoje. São livros que focalizam a vida e a carreira de alguns dos mais importantes jornalistas que tiveram a responsabilidade de contar, por meio de suas reportagens e/ou de seus próprios veículos, momentos cruciais da nossa trajetória.

Embora existam outros livros sobre tais personagens, gostaria de me referir especificamente, a três deles: Depoimento, de Carlos Lacerda, Chatô: O rei do Brasil, de Fernando Morais, e Samuel Wainer: O homem que estava lá, de Karla Monteiro.

O primeiro é a autobiografia de um dos mais polêmicos jornalistas do País, elaborada em forma de entrevistas colhidas em 34 horas de gravação realizadas em quatro fins de semana. Trata-se da história de 40 anos de sua vida política: do que viu e do que participou. São, por isso mesmo, 40 anos da história do Brasil[3].

Os outros dois são resultado de intenso trabalho de pesquisa de jornalistas que acabaram se consagrando como escritores e biógrafos[4].

Um dos aspectos que chama atenção nesses livros diz respeito à capacidade que os jornalistas tinham de influenciar os políticos, capaz, não raras vezes, de lhes proporcionar algum tipo de vantagem.

São famosos, nesse sentido, alguns episódios que beneficiaram Assis Chateaubriand por conta de sua relação com Getúlio Vargas. Durante o Estado Novo, ele conseguiu de Getúlio Vargas a promulgação de um decreto que lhe dava direito à guarda de uma filha, após a separação da mulher. Nesse episódio, proferiu uma frase que se tornou célebre: “Se a lei é contra mim, vamos ter que mudar a lei”. Em 1952, foi eleito senador pela Paraíba e, em 1955, pelo Maranhão, dois estados em que não tinha domicílio eleitoral, em duas eleições escandalosamente fraudulentas.

Samuel Weiner, por sua vez, teve relação próxima com três presidentes da República, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart. Tal proximidade, a exemplo do que aconteceu com Chateaubriand, acabou propiciando algum tipo de vantagem ao jornalista, uma característica ainda hoje perceptível na relação entre políticos e jornalistas. A título de ilustração, reproduzo um relato de Samuel Wainer contido no livro da Karla Monteiro (2020, p. 317):

Eu próprio fui contemplado por algumas dessas providenciais gentilezas. Um desses acertos evitou, por exemplo, que eu acabasse condenado num dos inumeráveis processos movidos contra mim, […] Um dos juízes fez com que me chegasse a informação de que ficaria muito mais sensível a meus argumentos se fosse promovido a catedrático da faculdade de Direito  onde era professor. Passei o recado a JK, que atendeu prontamente à reivindicação do juiz. Fui absolvido, graças ao voto do novo catedrático.

Como professor que dedicou mais de três décadas lecionando disciplinas relacionadas à história econômica, procurei sempre identificar fontes de leitura que fossem complementares aos livros-texto tradicionalmente indicados pelas instituições de ensino, muitos deles incapazes de despertar o real interesse dos estudantes.

Indicando Depoimento e Chatô como leituras complementares, consegui atingir o objetivo de fazer com que alunos, normalmente refratários à leitura, se interessassem por essa prática, chegando muitos deles a se entusiasmarem e prosseguirem com o hábito da leitura. Nos dois livros mencionados, causaram vivo interesse as intrigas e contradições comuns às carreiras de jornalista e de político de Carlos Lacerda, assim como o pioneirismo de Chateaubriand como empresário das comunicações e algumas de suas peripécias, entre as quais a condecoração com a Ordem do Jagunço ao primeiro ministro Winston Churchill, quando de sua visita à Inglaterra, acompanhado de Pietro Maria Bardi, para a compra de obras-de-arte em leilão, visando a constituição do recém-criado acervo do Museu de Arte de São Paulo. No caso de desses dois livros, porém, o mais importante foi que os alunos tomaram conhecimento da história política do Brasil, marcada por enorme instabilidade institucional.

Mesmo afastado atividade docente, estou seguro que o livro sobre Samuel Wainer, publicado em 2020, também alcançaria o mesmo objetivo. Se considero esses três livros recomendados a estudantes avessos à leitura, considero-os ainda mais indicados a leitores contumazes ou a qualquer pessoa realmente interessada em conhecer a história do nosso país.

 

Referências

LACERDA, Carlos. Depoimento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978.

MONTEIRO, Karla: Samuel Wainer: O homem que estava lá. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.

MORAIS, Fernando. Chatô: O rei do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

 

[1] Em LOZARDO, Ernesto. OK, Roberto. Você venceu!: o pensamento econômico de Roberto Campos. Rio de Janeiro: Topbooks, 2018, p. 25.

[2] Disponivel em https://espacodemocratico.org.br/artigos/livros-para-entender-o-brasil-de-hoje/.

[3] Há muitos outros livros de Carlos Lacerda e sobre Carlos Lacerda. Aos interessados em conhecer melhor a vida desse controvertido jornalista e político eu recomendaria: LACERDA, Carlos. Discursos Parlamentares. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982; MENDONÇA, Marina Gusmão de. O Demolidor de Presidentes. São Paulo: Nobel, 2002; e BERLANZA, Lucas. Lacerda: A Virtude da Polêmica. São Paulo: LVM Editora, 2019.

[4] Além da biografia de Samuel Wainer de autoria de Karla Monteiro, não posso deixar de recomendar sua autobiografia: WAINER, Samuel. Minha razão de viver: Memórias de um repórter. São Paulo: Planeta do Brasil, 2005.