Brasil e Coreia do Sul: 60 anos de trajetórias distintas
Luiz Alberto Machado[1]
Paulo Galvão Júnior[2]
O Brasil comemorará no dia 7 de setembro próximo os 200 anos de sua independência. A Coreia do Sul, por sua vez, comemorou, no último dia 15 de agosto, 74 anos de sua independência, conquistada em 1948, poucos anos depois do encerramento da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Portanto, o Brasil é independente há bem mais tempo do que a Coreia do Sul.
Porém, se analisarmos as trajetórias de desenvolvimento dos dois países de 1960 a 2020, constataremos que a Coreia do Sul teve um desempenho muito superior ao do Brasil. Se em 1960, o Brasil possuía indicadores econômicos e sociais muito mais favoráveis, a situação se alterou profundamente a partir de 1980 como procuraremos destacar em seguida com base em importantes fontes internacionais.
A Guerra da Coreia, que se estendeu de junho de 1950 a julho de 1953, contribuiu para que a situação econômica da Coreia do Sul tenha se aproximado do caos.
Em 1960, com uma população de 25 milhões de habitantes, a Coreia do Sul tinha um Produto Interno Bruto (PIB) per capita de US$ 158, de acordo com o Banco Mundial. Possuía, então, uma das rendas per capita mais baixas do mundo, ao lado de Quênia, Cabo Verde, Bangladesh e Paquistão. Foi nessa época que o presidente Park Chung-hee iniciou a série de planos quinquenais (1962-1966, 1967-1971, 1972-1976 e 1977-1981) com o objetivo de acabar com a pobreza no país, modernizar a estrutura industrial e adotar uma agressiva política de exportações.
A partir de então, ainda de acordo com o Banco Mundial, a evolução foi extremamente acelerada, como se vê no quadro 1.
Quadro 1 – PIB, PIB per capita e exportações da Coreia do Sul entre 1960 e 2020
Ano | PIB | PIB per capita | Exportações |
1960 | US$ 3,9 bilhões | US$ 158 | US$ 0,1 bilhão |
1970 | US$ 9,0 bilhões | US$ 279 | US$ 1,0 bilhão |
1980 | US$ 65,4 bilhões | US$ 1.175 | US$ 18,6 bilhões |
1990 | US$ 283,4 bilhões | US$ 6.610 | US$ 70,8 bilhões |
2000 | US$ 576,2 bilhões | US$ 12.256 | US$ 195,5 bilhões |
2010 | US$ 1,1 trilhão | US$ 23.143 | US$ 538,9 bilhões |
2020 | US$ 1,6 trilhão | US$ 31.489 | US$ 654,0 bilhões |
Fonte: Banco Mundial
Daron Acemoglu e James Robinson, no notável livro Por que as nações fracassam, enfatizam a diferença entre instituições extrativistas e inclusivas para explicar o melhor ou pior desempenho das nações e, com base nisso, assim analisam o exemplo da Coreia do Sul:
O segundo tipo de crescimento sob instituições políticas extrativistas ocorre quando tais instituições permitem o desenvolvimento de instituições econômicas relativamente, ainda que não de todo, inclusivas. Muitas sociedades com instituições políticas extrativistas esquivam-se de instituições econômicas inclusivas, quando têm a relativa certeza de que isso não porá em risco seu poder político. Assim, o contexto histórico pode ser tal que um regime político altamente extrativista se veja dotado de instituições econômicas bastante inclusivas, que os detentores do poder optam por não bloquear – o que constitui a segunda maneira pela qual o crescimento pode se dar sob instituições políticas extrativistas.
A rápida industrialização da Coreia do Sul sob o General Parker é um bom exemplo. Park chegou ao poder por meio de um golpe militar em 1961, mas isso em uma sociedade que gozava de amplo apoio dos Estados Unidos e cujas instituições econômicas eram essencialmente inclusivas. Apesar do autoritarismo do regime de Park, era seguro o suficiente para fomentar o crecimento econômico, o que de fato fez, de forma bastante ativa – talvez, em parte, porque o regime não fosse diretamente sustentado por instituições econômicas extrativistas. Ao contrário da União Soviética e da maioria dos outros casos de crescimento sob instituições extrativistas, a Coreia do Sul efetuou a transição das instituições políticas extrativistas para as inclusivas na década de 1980. Seu êxito nessa operação deveu-se a uma confluência de fatores.
Na década de 1970, as instituições econômicas sul-coreanas já haviam se tornado inclusivas o bastante para esvaziar um dos mais fortes sustentáculos das instituições políticas extrativistas: a elite econômica tinha pouco a ganhar com seu próprio domínio, ou o dos militares, na política. A relativa igualdade de renda no país significava também que a elite tinha menos a perder com relação ao pluralismo e à democracia. A influência decisiva dos Estados Unidos, sobretudo em vista da ameaça representada pela Coreia do Norte, implicava também que o intenso movimento democrático que desafiava a ditadura militar não poderia continuar sendo reprimido por muito mais tempo. Assim, muito embora o assassinato do General Parker, em 1979, tenha sido seguido de um novo golpe militar, encabeçado por Chun Doo-hwan, o sucessor escolhido de Chun, Roh Tae-woo, deu início a um processo de reformas políticas que levou à consolidação de uma democracia pluralista a partir de 1992.
Aos que apressadamente afirmarem que o elevado crescimento só foi possível graças ao regime ditatorial vigente na Coreia do Sul de 1961 até 1998, quando o presidente Kim Dae-jung (Prêmio Nobel da Paz de 2000) decretou o fim da ditadura, cabe lembrar que no Brasil também tivemos um regime autoritário que se estendeu de 31 de março de 1964 a 15 de janeiro de 1985. Dentro desse período, o Brasil teve crescimento expressivo até 1980, quando se iniciaram as sucessivas décadas perdidas, como pode ser visto no quadro 2.
Quadro 2 – Variação anual do PIB no Brasil de 1961 a 2020
Ano | PIB | Ano | PIB | Ano | PIB | Ano | PIB | Ano | PIB | Ano | PIB |
1961 | 8,6% | 1971 | 11,3% | 1981 | -4,3% | 1991 | 1,0% | 2001 | 1,3% | 2011 | 3,9% |
1962 | 6,6% | 1972 | 11,9% | 1982 | 0,8% | 1992 | -0,5% | 2002 | 2,7% | 2012 | 1,9% |
1963 | 0,6% | 1973 | 14,0% | 1083 | -2,9% | 1993 | 4,7% | 2003 | 1,1% | 2013 | 3,0% |
1964 | 3,4% | 1974 | 8,2% | 1984 | 5,4% | 1994 | 5,3% | 2004 | 5,7% | 2014 | 0,5% |
1965 | 2,4% | 1975 | 5,2% | 1985 | 7,8% | 1995 | 4,4% | 2005 | 3,2% | 2015 | -3,5% |
1966 | 6,7% | 1976 | 10,3% | 1986 | 7,5% | 1996 | 2,2% | 2006 | 4,0% | 2016 | -3,3% |
1967 | 4,2% | 1977 | 4,9% | 1987 | 3,5% | 1997 | 3,4% | 2007 | 6,1% | 2017 | 1,3% |
1968 | 9,8% | 1978 | 5,0% | 1988 | -0,1% | 1998 | 0,0% | 2008 | 5,2% | 2018 | 1,7% |
1969 | 9,5% | 1979 | 6,8% | 1989 | 3,2% | 1999 | 0,3% | 2009 | -0,1% | 2019 | 1,2% |
1970 | 10,4% | 1980 | 9,2% | 1990 | -4,3% | 2000 | 4,3% | 2010 | 7,5% | 2020 | -3,9% |
Fonte: IBGE
Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que a taxa média de crescimento do PIB brasileiro no período 1961-1970 foi de 6,2% ao ano. Já entre 1971 e 1980, o crescimento econômico médio foi de 8,7% ao ano. No período de 1981 a 1990 (conhecido como década perdida), a taxa de crescimento real do PIB foi de 1,7% ao ano. Em seguida, na década compreendida entre 1991 e 2000, a média de crescimento econômico foi de 2,5% ao ano. No decênio 2001-2010, foi de 3,7% ao ano. Por fim, entre 2011 e 2020, a taxa média de crescimento anual foi de apenas 0,3%, levando alguns analistas a chamar de segunda década perdida.
Diante de tão flagrante disparidade, é natural que se pergunte: O que aconteceu para que a Coreia do Sul tenha tido um desempenho tão favorável, enquanto o Brasil tenha permanecido semi estagnado nos últimos 40 anos?
Em nossa opinião, cinco fatores foram responsáveis pela prosperidade econômica da Coreia do Sul nas últimas seis décadas: (i) a educação de qualidade; (ii) os chaebols[3]; (iii) o Estado empreendedor e inclusivo; (iv) a inovação tecnológica; e (v) as exportações de produtos com crescente valor agregado.
Dos fatores supra mencionados, cabe destaque absoluto para a educação de qualidade. Dois aspectos merecem realce especial a respeito: 1˚. A educação é tão prioritária que o ministro da Educação é indicado pelo presidente e aprovado na Câmara Legislativa e o secretário de Educação é eleito pelo povo sul-coreano; 2˚. A Coreia do Sul tem se mantido sempre em posições destacadas nas sucessivas edições do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA, na sigla em inglês), promovido trienalmente pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) entre alunos de 15 anos de idade. Na edição de 2018, a Coreia do Sul ficou na sétima colocação entre 79 países avaliados com 519,7 pontos. Com notas variando de 0 a 600 pontos, seus estudantes ficaram em sétimo lugar em Matemática (526 pontos), oitavo lugar em Ciências (519 pontos), e nono lugar em Leitura (514 pontos).
Para efeito de comparação, o Brasil ficou na 66ª colocação, com 400,3 pontos. Nossos estudantes ficaram em 70º lugar em Matemática (384 pontos), 66º lugar em Ciências (404 pontos), e 57º lugar em Leitura (514 pontos), conforme a OCDE.
Não é sem razão, portanto, que, atualmente, a Coreia do Sul integre o seleto grupo de 66 países com índice de desenvolvimento humano (IDH) muito elevado, ou seja, com um IDH superior a 0,800. O IDH da Coreia do Sul é de 0,916, de acordo com os dados de 2019 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) da Organização das Nações Unidas (ONU). Com isso, a Coreia do Sul possui o 23˚ IDH do planeta e o quinto melhor IDH da Ásia no ranking dos 189 países avaliados pelo PNUD.
No mesmo ranking, o Brasil integra o grupo de 53 países com alto desenvolvimento humano, ou seja, com um IDH entre 0,700 e 0,799. Com o IDH de 0,765, o Brasil ocupa o 84˚ lugar entre 189 países.
Aguardamos com ansiedade os novos IDHs da Coreia do Sul e do Brasil, que serão divulgados no Relatório do Desenvolvimento Humano 2021/22, em breve, pelo PNUD, com os severos impactos da pandemia da Covid-19 sobre a saúde, a renda e a educação no ano de 2020.
Evidentemente, não seria possível, num artigo dessa natureza, explorar todos os aspectos que tiveram influência em trajetórias tão diferenciadas como a desses dois países. Ainda assim, julgamos que seria oportuno, às vésperas da comemoração do bicentenário da nossa independência e poucos dias antes de eleições presidenciais, chamarmos a atenção para a relevância da educação, da inovação e das instituições no contexto socioeconômico contemporâneo.
Referências
ACEMOGLU, Daron; ROBINSON, James. Por que as nações fracassam: as origens do poder, da prosperidade e da pobreza. Rio de Janeiro, Elsevier, 2012.
OCDE. PISA 2018. Disponível em https://www.oecd/pisa/publications/pisa2018-results.htm. Acesso e, 29 de agosto de 2022.
PNUD. Relatório do Desenvolvimento Humano 2020: a próxima fronteira. O desenvolvimento humano e o Antropoceno. Disponível em file:///C:Users/Ykalo/Downloads/UNDP_AO_. Acesso em 30 de agosto de 2022.
[1] Economista, mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal) e assessor do Espaço Democrático. E-mail: lasam.machado@gmail.com.
[2] Economista, graduado em Ciências Econômicas pela UFPB, com especialização em Gestão em Recursos Humanos pela FATEC Internacional. Professor de Economia do Curso de Graduação em Ciências Contábeis e em Administração no UNIESP. E-mail: paulogalvaojunior@gmail.com.
[3] Chaebols são conglomerados empresariais controlados por famílias sul-coreanas mundialmente conhecidos, entre os quais podem ser citados Samsung, Hyundai, SK, LG, Posco, Kia, Hanjin e Lotte Group. Desde 1961, os chaebols recebem financiamentos, benefícios, subsídios e reservas de mercado do governo sul-coreano para gerar riquezas, emprego e renda e exportar bens de consumo duráveis para o resto do mundo.
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