Descasamento entre política e economia
“A história dos últimos dois séculos pode ser lida como um processo de tensão permanente entre, de um lado, o mercado tentando subordinar a sociedade à sua lógica e, do outro, uma reação da sociedade lutando para domar o ‘touro em investida'”.
Genauto Carvalho de França
Filho e Jean-Louis Laville
Analistas especializados costumam esperar uma correlação entre o desempenho da economia e o resultado político eleitoral. Nesse sentido, quando um país registra taxas positivas de crescimento econômico, inflação sob controle e baixo nível de desemprego, a chance do grupo que está no poder conseguir se reeleger é muito grande.
Essa histórica ligação entre resultado eleitoral e desempenho econômico ganhou ainda mais destaque nas eleições presidenciais dos Estados Unidos em 1992, quando um marqueteiro da campanha de Bill Clinton repetiu exaustivamente o bordão “é a economia, estúpido”, sempre que alguém sugeria um novo eixo de campanha para o candidato.
Alguns episódios recentes, no entanto, demonstram que o resultado de uma eleição presidencial vai muito além do bom desempenho econômico, evidenciando um descasamento entre os dois fatores.
Exemplo disso, tivemos em nosso próprio país, onde a combinação de desempenho positivo da economia, que deve fechar o ano com crescimento superior a 3%, inflação inferior a 6% e melhoras consecutivas na taxa de desemprego, não foi suficiente para garantir a reeleição de Jair Bolsonaro, derrotado por Luiz Inácio Lula da Silva.
O caso mais claro de descasamento entre desempenho econômico e estabilidade política ocorre no Peru, que testemunhou na semana passada mais um impeachment presidencial, dando prosseguimento a uma interminável crise política, que, de certa forma, se estende desde que o país conseguiu superar as dificuldades decorrentes das ações do grupo terrorista Sendero Luminoso.
Esperava-se que com isso, a normalidade política seria a tônica, o que favoreceria o crescimento da economia.
Ledo engano.
Enquanto a economia peruana apresentava bom desempenho, ostentando por diversos anos as maiores taxas de crescimento no continente, com baixa inflação e aumento da renda real (apesar da grande disparidade de renda e da enorme participação da economia informal), na política a realidade era bem diferente.
Primeiro houve a experiência traumática com Alberto Fujimori, eleito em 1990, permanecendo no poder por dez anos, mediante mudança constitucional, que não permite reeleição. Apeado do poder e depois de um período de transição, sucederam-se na presidência, Alejandro Toledo, Alan Garcia (pela segunda vez) e Ollanta Humala. Foram anos de crescimento econômico acima da média da América Latina e alguma melhora dos indicadores sociais. Apesar do crescimento favorável, nenhum desses presidentes conseguiu eleger seu sucessor.
A situação se deteriorou a partir de 2018, com a renúncia de Pedro Pablo Kuczynski, que ficou apenas dois anos no poder, por suposto envolvimento em casos de corrupção. Sucessivas marchas e contra-marchas fizeram com que o Peru tenha passado por três presidentes em nove dias no final de 2020. Eleito em abril e empossado em julho de 2021, Pedro Castillo governou o país por pouco mais de um ano, tendo sua destituição votada pelo Congresso no dia 7 de novembro, depois da frustrada tentativa de impor um governo de exceção. Foi substituído pela vice-presidente Dina Boluarte, que já propôs eleições antecipadas depois de protestos que deixaram pelo menos sete mortos.
Organismos internacionais, assim como a agência Fitch, acreditam que a partir de agora não será mais possível tratar separadamente a política e a economia no Peru.
Aguardemos!
Referências bibliográficas e webgráficas
CARMO, Marcia. O que faz a economia do Peru crescer forte mesmo após escândalo da Odebrecht arrastar 4 ex-presidentes. Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-47956367.
FRANÇA FILHO, Genauto Carvalho e LAVILLE, Jean-Louis. Repensar a relação entre economia e sociedade. Disponível em https://diplomatique.org.br/repensar-a-relacao-entre-economia-e-sociedade/#:~:text=Somente%20o%20equil%C3%ADbrio%20na%20rela%C3%A7%C3%A3o,em%20termos%20de%20solidariedade%20democr%C3%A1tica.
MACHADO, Luiz Alberto. A montanha-russa peruana. Comentário para o Podcast da Fundação Espaço Democrático. Disponível em https://espacodemocratico.org.br/?s=a+montanha-russa+peruana&_wpnonce=641f5af267&_wp_http_referer=%2F.
ROCHABRUN, Marcelo. Economia do Peru passa por momento crítico após anos de crises políticas. Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/business/economia-do-peru-passa-por-momento-critico-apos-anos-de-crises-politicas/.
WEBER, Max. Economía y sociedad. Tradução de Manuel Sánchez Sarto. México: Fondo de Cultura Económica, 1984.
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