Trabalhabilidade, inteligência artificial e aprendizagem

 

“É preciso que a escola eduque os jovens para cultivar igualmente as esferas emotiva e racional. A sociedade pré-industrial dava importância excessiva à emotividade; a sociedade industrial decretou o triunfo da racionalidade. A sociedade pós-industrial deve incentivar a justa síntese dessas duas grandes forças que a natureza assegurou ao homem e que ele, sintetizando, pode transformar em criatividade.”

Domenico de Masi

 

Participei, dia 3 de agosto, do webinar intitulado Trabalhabilidade: desafios para a sustentabilidade pessoal, conduzido por Volney Faustini e com a participação da Profª Cristiane Cortez e do Prof. Victor Mirshawka, este último autor de uma trilogia recém-publicada sobre três aspectos da trabalhabilidade: adaptação, agilidade e aperfeiçoamento.

No decorrer da conversa, três temas se sobressaíram. O primeiro referiu-se à diferença entre trabalhabilidade e empregabilidade, explicada pelo Prof. Victor como a capacidade de uma pessoa gerar renda para si a partir de seus talentos e por toda a vida. Ela ocorre quando uma pessoa se preocupa com o trabalho que ela pode desenvolver, dependentemente ou não, do emprego. Assim, a trabalhabilidade está num patamar superior ao da empregabilidade, que continua sendo muito importante, mas está atrelada à capacidade de ter uma boa colocação durante a carreira profissional. Portanto, enquanto a empregabilidade limita-se ao emprego formal – que passa já há algum tempo por um processo de enfraquecimento -, a trabalhabilidade vai além, englobando também o trabalho informal, as prestações de serviços tipicamente individuais, atividades de consultoria, assessoria, mentoria e coaching, além dos empreendimentos individuais.

O segundo, como não poderia deixar de ser em razão da própria denominação do webinar, referiu-se à questão da sustentabilidade, cuja importância foi enfatizada pela Profª Cristiane Cortez tanto no aspecto macro da sustentabilidade do planeta e suas implicações na vida real, com maior preocupação com questões como mudança climática, energia renovável e novas tecnologias, como no aspecto micro, com a necessidade de novas abordagens na formação dos futuros profissionais, que devem estar preparados para enfrentar um mundo em constante mudança e com problemas cada vez mais complexos.

O terceiro, que ocupou boa parte da conversa, envolveu o impacto da inteligência artificial na trabalhabilidade, em especial o risco do desaparecimento de muitas ocupações que podem ser realizadas, com vantagem, por máquinas e robôs. Em minha opinião, este não é o principal problema, uma vez que ao longo da história esse temor sempre existiu. Na época da revolução industrial, surgiram os luditas, empregados sindicalizados que invadiram fábricas para destruir as máquinas com receio de que elas tomassem seus empregos. O mesmo ocorreu nas revoluções seguintes, tanto na caracterizada pelo surgimento da eletricidade, quanto na marcada pelo surgimento dos computadores e da informática. Em todas elas, confirmando a teoria da destruição criativa de Joseph Schumpeter, as novas oportunidades surgidas compensaram as perdas e o padrão de vida da humanidade não parou de evoluir. Minha maior preocupação refere-se a uma externalidade da inteligência artificial, em particular de ferramentas como o Chat GPT, que podem levar estudantes e profissionais a buscar atalhos que os afastem do esforço e da dedicação indispensáveis ao desenvolvimento das pesquisas, quer acadêmicas, quer voltadas à inovação.

Nesse aspecto, alinho-me à visão da jornalista Renata Cafardo, fundadora da Associação de Jornalistas de Educação. Em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo no dia 30 de julho, depois de mencionar o alerta da Unesco de que “essas ferramentas poderiam exercer um impacto negativo na motivação do estudante de conduzir pesquisas independentes e achar soluções”, ela concluiu da seguinte forma: “E nós, que não somos robôs, temos de ter um olhar atento para que a inteligência artificial não arruíne o processo mais brilhante da mente humana: a aprendizagem”.

 

Referências 

CAFARDO, Renata. IA, uma ameaça ao aprender a pensar. O Estado de S. Paulo, 30 de julho de 2023, p. A 19.

DE MASI, Domenico; FREI Betto. Diálogos criativos. Mediação e comentários de José Ernesto Bologna. São Paulo: DeLeitura Editora, 2002.

MIRSHAWKA, Victor. Trabalhabilidade: a obrigatoriedade da adaptação. São Paulo: DVS, 2022.

_______________ Trabalhabilidade: a necessidade da agilidade. São Paulo: DVS, 2023.

_______________ Trabalhabilidade: a essencialidade do aperfeiçoamento. São Paulo: DVS, 2023.

SCHUMPETER, Joseph A. A teoria do desenvolvimento econômico: uma investigação sobre lucros, capital, crédito, juro e o ciclo econômico. Introdução de Rubens Vaz da Costa. Tradução de Maria Sílvia Possas. São Paulo: Abril Cultural, 1982. (Os Economistas).