Descanse em paz Domenico De Masi

 

“Nos anos 1930, quando ainda não existiam a informática, a inteligência artificial, os novos materiais e as impressoras 3D, Bertrand Russell lamentava: ‘Continuamos a desperdiçar tempo e energia da mesma forma que fazíamos antes da invenção das máquinas; nisso fomos idiotas, mas não há motivo para que continuemos a ser.’ No entanto continuamos.”

Domenico De Masi

 

O ano de 1993 se constituiu num divisor de águas em minha vida. Pouco mais de quinze anos depois de me formar em economia e de me dedicar ao exercício desta profissão quer como controller financeiro quer como professor das disciplinas da área de história econômica, fui convidado a integrar um grupo de professores da FAAP que foi participar do maior evento mundial de solução criativa de problemas, realizado anualmente em Buffalo, nos Estados Unidos.

Sem que eu pudesse imaginar, estava se abrindo ali uma janela que foi fundamental para meu aperfeiçoamento futuro tanto na vida pessoal como na profissional. Foi a partir desse momento que passei a me interessar cada vez mais pelo universo da criatividade e, anos mais tarde, pelo da economia criativa.

Incorporei aos nomes consagrados da economia como Adam Smith, David Ricardo, Karl Marx, Alfred Marshall, John Maynard Keynes, Joseph Schumpeter, Friedrich Hayek e Milton Friedman os de expoentes da criatividade, uma área de conhecimento que, ao contrário do que muitos pensam, pode ser estudada e desenvolvida. Passei a ser um leitor voraz das obras de Alex Osborn, Edward de Bono, Paul Torrance, Sidney Parnes, Tony Buzan, Howard Gardner, Daniel Goleman, Teresa Amabile, David de Prado e Clotaire Rapaille. Com o passar do tempo, ao lecionar a disciplina de criatividade e a fazer palestras sobre o tema – afinal o número de especialistas era muito reduzido no Brasil – fui adicionando novos autores, entre os quais dois se destacaram: Roger von Oech, cujos livros Um “TOC” na cuca e Um chute na rotina caíam imediatamente no gosto de alunos e ouvintes das palestras; e o de um sociólogo italiano que se transformara rapidamente num dos mais requisitados conferencistas internacionais, Domenico De Masi.

Especializado em sociologia do trabalho e das organizações e com extraordinário poder de comunicação, De Masi encantava plateias com suas palestras e seus livros, sendo o mais conhecido deles O ócio criativo, publicado em forma de entrevista a Maria Serena Palieri. Perfeitamente sintonizado com seu tempo, chamado por ele de mundo pós-industrial, destacava três grandes fatores de transformação no mercado de trabalho: o impacto do uso da tecnologia, a participação crescente das mulheres na força de trabalho e o processo de globalização. Assumindo a defesa de duas bandeiras, a redução da jornada de trabalho e o trabalho remoto, teve a importância de suas ideias ainda mais reconhecidas por ocasião da pandemia da covid-19. Além disso, De Masi bateu sempre na tecla da necessidade de equilíbrio entre os planos pessoal e profissional, o que exige uma conciliação dos tempos destinados ao trabalho, aos estudos e ao lazer.

De Masi faleceu no dia 9 de setembro aos 85 anos, deixando uma legião de admiradores espalhados por todo o mundo e um enorme legado científico e intelectual.

Encerro este breve artigo reproduzindo uma citação de Domenico De Masi, com a qual concluí centenas de aulas, palestras e apresentações: “Vivemos a era pós-industrial. Neste mundo o trabalho físico é feito pelas máquinas e o mental, pelos computadores. Ao homem cabe uma tarefa na qual é insubstituível: ser criativo, ter ideias.” 

 

Referências e indicações bibliográficas 

DE MASI, Domenico. O ócio criativo. Tradução de Lea Manzi. São Paulo: Sextante, 2004.

_______________ O futuro chegou: modelos de vida para uma sociedade desorientada. Tradução de Marcelo Costa Sievers. Rio de Janeiro: Quitanda Editorial: Casa da Palavra, 2014.

_______________ O trabalho no século XXI: fadiga, ócio e criatividade na sociedade pós-industrial. Tradução de Aline Leal. Rio de Janeiro: Editora Sextante, 2022.

DE MASI, Domenico (organizador). A emoção e a regra: os grupos criativos na Europa de 1850 a 1950. Tradução de Elia Ferreira Edel. Rio de Janeiro: José Olympio, 2007.

OECH, Roger von. Um “TOC” na cuca. Tradução de Virgílio Freire. São Paulo: Livraria Cultura Editora, 1988.

______________ Um chute na rotina. Tradução de Cecília Prada. São Paulo: Cultura, 1994.