Prato da Boa Lembrança: economia criativa na veia
Passei uns bons anos de minha vida viajando com frequência para todos os cantos do Brasil ministrando aulas e palestras ou participando de eventos representando as diversas entidades às quais estive vinculado profissional ou associativamente.
Como apreciador assumido da boa gastronomia, não raras vezes deparava-me com um problema: o desconhecimento dos bons restaurantes das localidades que visitava. Nem sempre havia alguém da própria cidade para me acompanhar ou mesmo indicar onde comer.
Nessas situações fui socorrido frequentemente por uma confraria que qualquer pessoa que viaja com certa regularidade deve conhecer, a do “Prato da Boa Lembrança”.
Inspirado na Unione Ristoranti del Buon Ricordo, nascida na Itália em 1964, o italiano Dânio Braga foi o fundador da Associação dos Restaurantes da Boa Lembrança. Ele trouxe o conceito de levar uma lembrança depois de uma boa refeição do seu país de origem e decidiu estimular esse hábito no Brasil. Assim, em 28 de fevereiro de 1994, nasceu a Associação dos Restaurantes da Boa Lembrança, em Petrópolis, cidade do Rio de Janeiro.
De acordo com Pedro Hoffmann, atual presidente da confraria, “Dânio entendia que a cozinha brasileira era muito rica, mas não era reconhecida pelos brasileiros. Preocupado com essa situação, reuniu um grupo de donos de restaurantes a fim de criar um manifesto em defesa da gastronomia autoral brasileira, focada nos ingredientes. Assim nasceu a ARBL, a primeira entidade brasileira a colocar o ingrediente à frente do Chef”.
Desde então, cada momento de criação de um “Prato da Boa Lembrança” é pensado com muito cuidado para que os apreciadores da boa gastronomia sejam surpreendidos e guardem na memória toda experiência que viveram. Personalizada com cada receita, pintada à mão e produzida para ser exposta como uma peça de arte, a cerâmica simboliza essa experiência vivida nos restaurantes integrantes da confraria.
A cada ano, novas pinturas são elaboradas, somando hoje aproximadamente 1,5 milhão de peças que cumprem a função da confraria de deixar registrada na memória de cada consumidor uma experiência gastronômica por meio de uma representação figurativa e especial.
Contando hoje, às vésperas de completar 40 anos, com 80 restaurantes nas cinco regiões do País, a confraria do “Prato de Boa Lembrança” é um excepcional exemplo de economia criativa, também conhecida como economia da experiência, pois além de estar diretamente relacionada a um de seus segmentos, o da gastronomia, permite o diálogo do mesmo com outros segmentos, entre os quais o artesanato e a pintura, além, dependendo do restaurante, com o folclore, o design, a moda e a música. Dessa forma, atende a recomendação da rede de cidades criativas da UNESCO: buscar a transversalidade, fazendo projetos que dialoguem com os outros segmentos da economia criativa.
A esse respeito, vale a pena conhecer os relatos feitos por Ignácio de Loyola Brandão, no livro O mel de Ocara: ler, viajar, comer sobre as inúmeras experiências por ele vividas nas feiras e festivais literários de que participou em várias partes do mundo, nos quais teve possibilidade de praticar o diálogo da leitura com outros segmentos da economia criativa, tais como arquitetura, artesanato, design, folclore, gastronomia, moda e música.
Sendo testemunha por muitos anos da preocupação dos responsáveis pela confraria com a manutenção da elevada qualidade dos pratos, recomendo a todos, principalmente aos que viajam com frequência, que experimentem os restaurantes afiliados, peçam o prato selecionado e levem como recordação o “Prato da Boa Lembrança”.
Referências
ASSOCIAÇÃO dos Restaurantes da Boa Lembrança. Disponível em https://boalembranca.com.br/.
BRANDÃO, Ignácio de Loyola. O mel de Ocara: ler, viajar, comer. São Paulo: Global, 2013.
No Comment