De celebração religiosa a um dos maiores espetáculos da Terra
A partir deste final de semana, os olhos do mundo inteiro estarão voltados para Paris, onde estará sendo realizada a 33ª edição dos Jogos Olímpicos da era moderna. Ex-atleta e apaixonado por esportes, confesso que passarei a maior parte do tempo nas próximas duas semanas em frente à TV assistindo ao maior número possível de competições. Admito que sou um fanático, daqueles que além de acompanhar os jogos, assiste também os programas de comentários, mesmo sabendo que muita bobagem vai ser falada. Afinal, sou daqueles que passava o domingo todo vendo o Show do Esporte, comandado pelo inesquecível Luciano do Vale e, durante a semana, não perdia sequer um programa É hora do esporte, na TV Cultura, com o trio Luiz Noriega, Orlando Duarte e José Carlos Cicarelli, cujo bordão era “Esporte é cultura: um grande país também se forja nos campos esportivos”.
Embora a abertura dos Jogos de Paris se realize no dia 26 de julho, num evento diferenciado nas águas do rio Sena, as competições de algumas modalidades − futebol, handebol, rúgbi de 7 e tiro com arco − tiveram início um ou dois dias antes, por questões de adequação de calendário.
Neste artigo, farei um breve relato histórico das Olimpíadas para, posteriormente, abordar aspectos de sua evolução, bem como fatores políticos e econômicos a elas relacionados e, finalmente, focalizar detalhes relacionados ao desenvolvimento físico e técnico dos atletas.
1. Breve histórico
As Olimpíadas surgiram na Grécia Antiga, por volta de 776 a. C., na cidade de Olímpia. Os Jogos Olímpicos da Antiguidade estavam associados a rituais religiosos e prestavam homenagens a deuses gregos, como Zeus. Após o fim das Olimpíadas antigas, em 393 d.C., os jogos voltariam a ocorrer somente 1503 anos depois.
Os Jogos Olímpicos da Era Moderna foram criados por Pierre de Coubertin (1863-1937), um historiador e pedagogo francês. Sua ideia de retomar os Jogos Olímpicos na era moderna era buscar a paz entre as nações, unindo todos em uma celebração esportiva. Acreditando nessa possibilidade, ele apelou a vários países que aderissem ao evento e fundou o Comitê Olímpico Internacional (COI), em 1894.
Em 1896, aconteceu a primeira edição dos Jogos Olímpicos em Atenas, como forma de homenagear os Jogos Olímpicos da Antiguidade. Com a finalidade de estimular a competição saudável entre os povos, diversos países começaram a participar das Olimpíadas, que se tornou um dos principais eventos esportivos do mundo. Desde então, apenas três edições dos Jogos Olímpicos não foram realizadas. A primeira, em 1916, em razão da Primeira Guerra Mundial. As outras duas em 1940 e 1944, em decorrência da Segunda Guerra Mundial.
As Olimpíadas de Paris, que serão realizadas em julho e agosto de 2024, serão a 33ª edição dos Jogos Olímpicos de Verão.
A tabela 1 mostra os locais de realização de todas as edições dos Jogos Olímpicos de Verão.
Tabela 1 – Histórico dos Jogos Olímpicos de Verão
Ano | Cidade | Ano | Cidade | Ano | Cidade |
1896 | Atenas | 1948 | Londres | 1988 | Seul |
1900 | Paris | 1952 | Helsinque | 1992 | Barcelona |
1904 | Saint Louis | 1956 | Melbourne | 1996 | Atlanta |
1908 | Londres | 1960 | Roma | 2000 | Sidney |
1912 | Estocolmo | 1964 | Tóquio | 2004 | Atenas |
1920 | Antuérpia | 1968 | México | 2008 | Pequim |
1924 | Paris | 1972 | Munique | 2012 | Londres |
1928 | Amsterdã | 1976 | Montreal | 2016 | Rio de Janeiro |
1932 | Los Angeles | 1980 | Moscou | 2021 | Tóquio |
1936 | Berlim | 1984 | Los Angeles | 2024 | Paris |
Desde 1924, são realizados também os Jogos Olímpicos de Inverno, também de quatro em quatro anos, intercalados com os Jogos de Verão. Em 2022, foi realizada a 24ª edição na cidade de Pequim − a primeira a sediar tanto os Jogos de Verão (em 2008), como de Inverno.
Desde 1960 são realizadas também as Paralimpíadas destinadas a atletas com deficiência. A primeira edição foi realizada em Roma, mesma cidade que sediou os Jogos Olímpicos daquele ano. Posteriormente, algumas edições foram realizadas em cidades diferentes das sedes dos Jogos Olímpicos, mas desde 1988 voltaram a ser realizadas na mesma sede dos Jogos Olímpicos.
Durante muito tempo o espírito olímpico permitia apenas a participação de atletas amadores[1], havendo casos de atletas punidos com a perda de suas medalhas em razão da descoberta de que haviam recebido algum tipo de remuneração.
Com o tempo, essa exigência foi se tornando cada vez menos rigorosa, quer porque nos países socialistas muitos atletas eram funcionários do governo, sendo remunerados por seu trabalho, quer pela prática cada vez mais frequente do amadorismo marrom, por meio do qual atletas recebiam diferentes formas de remuneração.
Atualmente, os melhores atletas podem participar dos Jogos Olímpicos[2], havendo restrições apenas em algumas modalidades, como o futebol masculino, cujas equipes podem ter apenas jogadores com no máximo 23 anos, admitidas três exceções.
2. Modalidades
Da Grécia Antiga a Paris, observa-se um expressivo aumento das modalidades que fazem parte dos Jogos Olímpicos.
Na Grécia Antiga, a atividade física esteve presente em modalidades como o atletismo, nos diversos jogos olímpicos como salto, corrida, arremesso do disco, lançamento de dardo, na luta, o pentatlo, o pugilismo, o pancrácio[3] e modalidades equestres.
Na primeira edição dos Jogos Olímpicos da era moderna, realizada em Atenas, de 25 de março a 3 de abril de 1896, participaram 241 atletas de 14 países em nove modalidades: atletismo, ciclismo, esgrima, ginástica, halterofilismo, luta, natação, tênis e tiro.
À medida que o tempo foi passando, novas modalidades foram incorporadas. A cada edição, o país que sedia o evento pode escolher duas modalidades, podendo, algumas delas, permanecer nas edições seguintes.
Os Jogos de Paris, em 2024, terão a participação total de 10.500 atletas de 204 países, além de uma equipe de atletas refugiados. Eles competirão em 48 modalidades e 32 esportes. Comparando com a edição anterior, as novidades serão o breaking dance e a canoagem slalom extremo. Por sua vez, não haverá competições de beisebol, softbol e caratê.
Além disso, haverá competições de novas categorias em modalidades como escalada esportiva (velocidade), skate (park), vela (kiteboarding) e tiro esportivo (tiro misto por equipes).
A inclusão de modalidades como surfe, skate, breakdance, beach tenis, võlei de praia, triatlo e escalada reflete claramente a intenção do Comitê Olímpico Internacional de acompanhar as tendências que vão surgindo com o passar do tempo, com o objetivo de atrair o interesse de uma quantidade cada vez maior de jovens.
3. Custos elevados
Os custos de grandes eventos esportivos como os Jogos Olímpicos e as Copas do Mundo de Futebol tornaram-se tão elevados que praticamente impedem sua organização por países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento.
Há exemplos de cidades ou países que sediaram eventos dessa natureza deixando, com herança, uma tremenda dívida que levou anos ou décadas para ser paga. Montreal, Atlanta, Atenas e Rio de Janeiro são cidades olímpicas que se enquadram nessa situação, assim como as copas do mundo da África do Sul e do Brasil. O prejuízo nem sempre é monetário, pois pode incluir despesas com instalações que não são aproveitadas após o encerramento das competições, como vilas olímpicas, complexos esportivos ou estádios que se transformam em verdadeiros elefantes brancos, consumindo recursos que poderiam ser investidos em obras ou serviços de maior alcance social.
Por essa razão, vai ser cada vez mais comum a repetição de cidades-sedes no caso dos Jogos Olímpicos e de organização conjunta de países na Copa do Mundo.
4. Influência política
Ao contrário de edições passadas em que ocorreram boicotes motivados por questões políticas, como em Moscou, Los Angeles e Seul, provocando certo esvaziamento das competições, em razão da ausência de atletas dos países que aderiam ao boicote, além de um grave atentado contra atletas judeus em Munique, a situação parece mais tranquila em Paris.
Nos Jogos Olímpicos de 2024, a maior interferência política se verifica no banimento da participação de atletas da Rússia em razão da invasão da Ucrânia, que se estende a Belarus, país que é aliado direto de Moscou no conflito. Apenas atletas de esportes individuais deste países puderam se qualificar para participar dos Jogos. A Rússia terá representantes em apenas cinco modalidades: sete atletas no tênis, três no caiaque e canoagem, três no ciclismo, um nas competições de natação e um no trampolim De Belarus, só 16 atletas vão competir em Paris. Nos dois casos, os atletas deverão competir com uniformes, bandeira e hino neutros, definidos pelo Comitê Olímpico Internacional.
A rigor, desde 2018, os atletas russos não podem competir usando sua bandeira, tendo sido punidos inicialmente em razão do escândalo de doping envolvendo a participação comprovada de dirigentes do país.
5. Participação do Brasil
A performance dos atletas brasileiros evoluiu sensivelmente nas últimas décadas. Até a década de 1970, a conquista de qualquer medalha por parte de atletas brasileiros era motivo de enorme comemoração.
Atualmente, se não chega a ser uma potência − como ocorre nas Paralimpíadas − o Brasil é uma força intermediária, devendo ficar em Paris entre o 10° e o 20° lugar em número de medalhas. A profissionalização da gestão em algumas confederações, a obtenção de patrocínios e o apoio das Forças Armadas, às quais diversos atletas se encontram vinculados, são alguns fatores que contribuíram para a melhora. A tabela 2 reflete essa evolução.
Tabela 2 – Medalhas conquistadas pelo Brasil em Jogos Olímpicos
País/Ano | O | P | B | Total | País/Ano | O | P | B | Total |
Antuérpia 1920 | 1 | 1 | 1 | 3 | Los Angeles 1984 | 1 | 5 | 2 | 8 |
Londres 1948 | 1 | 1 | Seul 1988 | 1 | 2 | 3 | 6 | ||
Helsinque 1952 | 1 | 2 | 3 | Barcelona 1992 | 2 | 1 | 3 | ||
Melbourne 1956 | 1 | 1 | Atlanta 1996 | 3 | 3 | 9 | 15 | ||
Roma 1960 | 2 | 2 | Sidney 2000 | 6 | 6 | 12 | |||
Tóquio 1964 | 1 | 1 | Atenas 2004 | 5 | 2 | 3 | 10 | ||
México 1968 | 1 | 2 | 3 | Pequim 2008 | 3 | 4 | 10 | 17 | |
Munique 1972 | 2 | 2 | Londres 2012 | 3 | 5 | 9 | 17 | ||
Montreal 1976 | 2 | 2 | Rio de Janeiro 2016 | 7 | 6 | 6 | 19 | ||
Moscou 1980 | 2 | 2 | 4 | Tóquio 2021 | 7 | 6 | 8 | 21 |
O = Ouro; P = Prata; B = Bronze
Entre os fatores que podem ser apontados para justificar essa posição ainda secundária do Brasil, acredito que dois se sobressaem:
1°) A baixíssima participação das escolas na formação de atletas. Se houve um avanço significativo no Brasil nos últimos 30 anos, foi na universalização do acesso ao ensino básico. Se a qualidade do ensino está longe de ser a ideal, é inegável que em termos quantitativos o Brasil se aproxima atualmente dos números encontrados nos países considerados campeões em educação. Se houvesse algum incentivo à prática de esportes nas escolas, a chance de se descobrir algum aluno vocacionado que poderia de tornar um atleta de alto rendimento seria muito maior do que ocorre atualmente, quando os clubes esportivos, cujo acesso é muito mais restrito, são os responsáveis por essa formação.
2°) As insuficientes condições financeiras da esmagadora maioria de nossos atletas, em comparação com as que são desfrutadas pelos atletas de países tradicionalmente ganhadores do maior número de medalhas. Fabio Gallo, professor de finanças da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, escreveu excelente artigo a respeito no jornal O Estado de S. Paulo baseado no pesquisa “Esporte para todos? O impacto do dinheiro na formação de atletas no Brasil”, realizada pela Serasa em parceria com o instituto de pesquisa Opinion Box. A conclusão da pesquisa é que muitas vezes a corrida de nossos atletas acaba antes da chegada.
6. Observações pontuais
1ª) Em diversas modalidades, é possível observar o notável aperfeiçoamento dos atletas que, a cada dia, atingem novos limites de excelência e apuro técnico.
2ª) A globalização, que no caso dos esportes gerou incontáveis oportunidades para que atletas de um determinado país passassem a atuar em campeonatos de outros países com maior tradição, reduziu a diferença existente em outros tempos, tornando as disputas mais acirradas e impedindo, em várias modalidades, a indicação de favoritos absolutos, dada a paridade de forças.
3ª) É notório também o avanço na preparação física dos atletas, que nos permite continuar vendo em ação expressiva quantidade de jogadores e jogadoras que seguem atuando em altíssimo rendimento com idades próximas e até superiores a 40 anos. Tal fenômeno ocorre tanto em esportes individuais como coletivos e, para ilustrar, cito alguns exemplos: o norte-americano LeBron James, o brasileiro Marcelinho Huertas, e o australiano Joe Ingles, no basquete; a brasileira Marta, no futebol; o sérvio Novak Djokovic e o espanhol Rafael Nadal, no tênis; a norte-americana Jordan Larson, os brasileiros Bruninho e Lucão, o argentino De Cecco e o alemão Grozer no vôlei.
7. Considerações finais
Eduardo Galeano, historiador uruguaio que se tornou célebre por ter escrito As veias abertas da América Latina, era fanático por futebol. Tem um livro delicioso chamado Futebol ao sol e à sombra, cuja leitura recomendo a qualquer pessoa minimamente interessada no esporte bretão. Escreveu também um livro menos conhecido que tem o sugestivo título de Fechado por motivo de futebol. A razão do título é que a cada mundial, ele colocava na porta de sua casa um pequeno cartaz escrito à mão, coberto com plástico para proteger da chuva com as palavras do título do livro, deixando-o lá pelo tempo de duração da Copa do Mundo.
Encerro o artigo pedindo licença para duas semanas de total e absoluta imersão esportiva. A exemplo de Eduardo Galeano, “estarei fechado para as Olimpíadas de Paris”.
Referências
CARDOSO, Maurício. Os arquivos das Olimpíadas. São Paulo: Panda Books, 2000.
DUARTE, Orlando. Olimpíadas: a história completa dos Jogos de 1896 a 2014. São Paulo: Abook, 2014
GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. São Paulo: Paz e Terra, 1984.
_______________ Futebol ao sol e à sombra. Tradução de Maria do Carmo Brito e Eric Nepomuceno. Porto Alegre: L&PM, 2014.
_______________ Fechado por motivo de futebol. Porto Alegre: L&PM, 2018
GALLO, Fabio. Como é a vida financeira dos atletas brasileiros? O Estado de S. Paulo, 20 de julho de 2024, p. B16. Disponível em https://www.estadao.com.br/economia/fabio-gallo/impacto-financeiro-vida-atleta/.
[1] Chama atenção nesse aspecto o caso do jogador de basquete brasileiro Oscar Schmidt, detentor do recorde de pontos anotados em Jogos Olímpicos, que rejeitou proposta para jogar na NBA, a badalada liga profissional de basquete dos Estados Unidos, porque, na época em que foi convidado, aceitar o convite significaria não poder mais defender a seleção brasileira nos campeonatos internacionais.
[2] Merece especial destaque a participação dos profissionais da NBA nos Jogos Olímpicos de Barcelona, em 1992. Reunindo astros como Michael Jordan, Magic Johnson, Larry Bird, Karl Malone, Charles Barkley, Patrick Ewing, Scottie Pippen e outros, o Dream Team, como foi chamado, derrotou todos os adversários por uma diferença média de mais de 40 pontos, constituindo-se numa atração à parte daquela edição das Olimpíadas.
[3] O pancrácio era uma arte marcial da Grécia antiga e esporte gladiatório. Constituía-se numa fusão de técnicas de luta que incluíam a luta grega, boxe, estrangulamento, chutes, golpes e técnicas de travamento das articulações.
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