Vida longa ao Real!

“A população percebe que é a obrigação de um governo e é um direito do cidadão a preservação do poder de compra da sua renda. E é um dever e uma obrigação do Estado.”
Pedro Malan

No dia 1° de julho de 1994, numa foto histórica, Itamar Franco, presidente da República, e Rubens Ricupero, que havia sucedido Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda, apresentavam ao Brasil as cédulas de reais após troca das notas de cruzeiros reais em agência da Caixa Econômica Federal do Palácio do Planalto, em Brasília.

A introdução da nova moeda significava a etapa decisiva de consolidação do Plano Real, que havia sido anunciado em 27 de fevereiro de 1994, quando o ministro da Fazenda ainda era Fernando Henrique Cardoso, trazendo como grande novidade a Unidade Real de Valor (URV), dotada de curso legal para servir exclusivamente como padrão de valor monetário.

Esta etapa se estendeu até a entrada em circulação da nova moeda, que ocorreu no dia 1º de julho de 1994. O período de vida da URV foi curto e profícuo. Foi, além disso, a grande sacada da equipe responsável pela concepção do Plano Real: combater a inércia inflacionária que se alimentava da indexação dos preços por meio da radicalização da correção monetária ou uma aceleração da indexação.

Nas palavras de Gustavo Franco, “uma vacina feita com o próprio veneno da inflação”.

Tinha início a mais longeva trajetória de uma moeda no Brasil, descontadas as duas primeiras: o real português ($), vigente de 1568 a 1833, correspondendo à etapa do Brasil-colônia; e ao real brasileiro (R), versão nacional da moeda portuguesa, vigente até 1942, quando foi substituído pelo cruzeiro (Cr$) durante o governo de Getulio Vargas.

Circulando até 1967, o cruzeiro havia sido a moeda de mais longa duração, com 25 anos, como se vê na tabela que se segue.

Histórico de alterações de moeda no Brasil 

Moeda Símbolo Período
Real Português $ 1568 a 1833
Real Brasileiro Rs 1833 a 1942
Cruzeiro Cr$ 1942 a 1967
Cruzeiro Novo NCr$ 1967 a 1970
Cruzeiro Cr$ 1970 a 1986
Cruzado Cz$ 28/02/1986 a 15/01/1989
Cruzado Novo NCz$ 16/01/1989 a 15/03/1990
Cruzeiro Cr$ 16/03/1990 a 31/07/1993
Cruzeiro Real CR$ 01/08/1993 a 30/06/1994
Real R$ 01/07/1994 até hoje
Fonte: BCB

Essa sucessão de padrões monetários observada até 1994 é apenas uma das nefastas consequências da elevada inflação que caracterizou a economia brasileira desde que o País encerrou, na década de 1980 − conhecida como “década perdida” − um ciclo auspicioso de crescimento. Nas décadas de 1980 e 1990, a taxa anualizada de inflação chegou várias vezes aos três dígitos e, em 1992 e 1993, aos quatro dígitos.

Para aqueles não viveram esse período, reproduzo um parágrafo de um artigo escrito em 1992 pelo economista Eduardo Giannetti, que ilustra à perfeição que era aquele descalabro:

A convivência com a inflação é uma escola de oportunismo, imediatismo e corrupção. A ausência de moeda estável encurta os horizontes do processo decisório, torna os ganhos e perdas aleatórios, acirra os conflitos pseudodistributivos, premia o aproveitador, desestimula a atividade produtiva, promove o individualismo selvagem, inviabiliza o cálculo econômico racional e torna os orçamentos do setor público peças de ficção contábil.

Considerando que o Plano Real foi concebido como um plano de estabilização, que tinha por objetivo pôr fim ao longo período inflacionário − com momentos de hiperinflação − prevalecente na economia brasileira, alinho-me àqueles que acreditam que ele foi muito bem sucedido. Esse ponto de vista foi reafirmado por Gustavo Franco: “O Plano Real não era um plano de crescimento, de desenvolvimento. Era um plano de saúde para a economia, de retirar o País da cracolândia monetária”.

Se o País passou a ter taxas pífias de crescimento desde a década de 1980, isso se deve à incapacidade de adotar políticas econômicas adequadas e à coragem de fazer as mudanças necessárias para tanto. Como afirma Persio Arida: “Várias reformas estruturais estão fora do radar. Privatização, abertura da economia, reforma administrativa. Tudo isso está fora do radar político”.

A estabilização monetária é apenas um pré-requisito e, seguramente, cria condições favoráveis para o crescimento. Seria muito pior se, além dos problemas que já enfrenta, sobretudo no plano fiscal, vivêssemos ainda com instabilidade monetária. Encerro reproduzindo uma afirmação do embaixador Rubens Ricupero, ex-ministro do governo Itamar Franco, ao jornal O Estado de S. Paulo: “Acho que se o País não tiver noção de que não pode indefinidamente aumentar a dívida pública, não vamos sair desse voo de galinha”.

 

Referências

ARIDA, Persio. ‘A agricultura é a nossa história de sucesso e mostra o caminho’. Entrevista a Luiz Guilherme Gerbelli e Ricardo Grinbaum. O Estado de S. Paulo, 30 de junho de 2024, p. B8.

FRANCO, Gustavo. A moeda e a lei: uma história monetária brasileira (1933-2013). Rio de Janeiro: Zahar, 2017.

_______________ ‘Fazer o Brasil ser um país de alto crescimento exige reformas’. Entrevista a Luiz Guilherme Gerbelli. O Estado de S. Paulo, 30 de junho de 2024, p. B7.

GIANNETTI, Eduardo. Ética e inflação. Em O Estado de S. Paulo, 14 de julho de 1992, p. 2.

MALAN, Pedro. ‘Uma atitude muito leniente com a inflação é punida nas urnas’. Entrevista a Daniela Amorim. O Estado de S. Paulo, 30 de junho de 2024, p. B9.

RICUPERO, Rubens. ‘Nosso desafio (hoje) é orçamentário, da responsabilidade fiscal’. Entrevista a Luiz Guilherme Gerbelli. O Estado de S. Paulo, 30 de junho de 2024, p. B9.