Lições de viagem 7

 Espanha, um mergulho na história

 “Andar por terras e comunicar-se com pessoas diversas faz os homens discretos.”

Miguel de Cervantes

Em meu último artigo, em que fiz breves comentários dos livros que tive oportunidade de ler no início do recesso escolar de meio de ano, um dos mencionados foi Bilionários, de autoria de Ricardo Geromel. No referido artigo, mencionei uma afirmação do autor com a qual concordo plenamente: “não há melhor forma de aprender do que viajando”.

Com o objetivo de participar de um encontro ibero-americano de especialistas em criatividade, realizado em Santiago de Compostela, viajei à Espanha com minha esposa, indo alguns dias antes do evento para que ela tivesse a chance de conhecer a capital espanhola e algumas cidades da Grande Madri.

Para mim, foi a oportunidade de rever locais que eu havia conhecido em 1972, quando estive na Espanha como integrante da equipe de basquete do Continental Parque Clube, numa viagem inesquecível que me permitiu conhecer oito países da Europa. Com 17 anos completados durante a viagem, foi uma possibilidade inigualável de aprender muito, uma vez que passamos não apenas por países que costumam fazer parte dos roteiros turísticos tradicionais, como Itália, França, Espanha e Portugal, mas também por países raramente visitados na época, como Iugoslávia, Rússia, Finlândia e Suécia. Quarenta e dois anos depois, mantenho vivas na memória lições fantásticas aprendidas naquela viagem, principalmente da Rússia, então capital da União Soviética em plena época da guerra fria, e da Iugoslávia, governada pelo carismático Tito.

Da Espanha, última etapa da viagem, eu guardava boas lembranças de Madri, que já era uma cidade cheia de vida e de algumas localidades de suas vizinhanças. Embora tenha voltado a Madri em 2011, foi uma viagem muito corrida para participar de um seminário da FAES – Fundación para el Análisis y los Estudios Sociales, que é o think tank ligado ao Partido Popular da Espanha. Com atividades do seminário em tempo integral, não me restou tempo algum para passear pela cidade.

Assim, os dias que antecederam o evento de Santiago de Compostela foram muito agradáveis e intensos, uma vez que procurei aproveitá-los da melhor maneira possível, dada a curta duração da viagem. Foram apenas nove dias, mas uma quantidade enorme de novas experiências e novos conhecimentos de um país admirável.

Da capital, confirmei minha impressão de décadas atrás de que é uma cidade vibrante e cheia de vida, muito embora no quente calor do verão, muitos de seus residentes deixem a cidade em busca das praias da costa espanhola ou de outras partes da Europa. Em compensação, o elevadíssimo volume de turistas estrangeiros, vindos de todas as partes do mundo, compensa em parte a saída dos madrilenhos.

Mais maduro, evidentemente, pude aproveitar muita coisa da cidade, mas três em especial me marcaram: em primeiro lugar, a ampla oferta de atrações culturais, com destaque para os museus do Prado, Reina Sofia e Thyssen-Bornemisza. Além das coleções permanentes, em acervos que contém obras de artistas famosos de vários países, e das exposições temporárias espalhadas nestes e em outros espaços culturais, não há como deixar de reverenciar as riquezas dos grandes nomes da arte espanhola, tais como El Greco, Velázquez, Goya, Joan Miró, Salvador Dalí, Miquel Barceló e, sem dúvida o mais badalado de todos, Pablo Picasso (impressiona a quantidade de gente admirando sua obra magna, Guernica, na mais concorrida sala do museu Reina Sofia); em segundo, a quantidade de parques espalhados pela cidade, garantindo um equilíbrio ambiental que praticamente desapareceu em muitas outras metrópoles em decorrência do crescimento desordenado e da especulação imobiliária; por fim, chama a atenção em Madri a extensa e variada rede de bares e restaurantes que atendem a todos os paladares e bolsos, já que é composta por espaços populares dividindo espaço com sofisticados templos da gastronomia, graças à presença de chefs de renome internacional.

Guernica

Na Grande Madri, tive a chance de rever três lugares que haviam me impressionado muito em 1972, o Valle de los Caídos, a majestosa catedral de Toledo e o Monastério do Escorial. Em todos, confirmei a forte impressão anterior, no que fui acompanhado por minha esposa que também gostou muito do que viu, principalmente da Basílica do Valle de los Caídos, onde pudemos assistir à missa.

Ainda nas circunvizinhanças de Madri, estivemos em Segóvia, onde visitamos a bela catedral gótica, o encantador Castelo de Alcázar e pudemos apreciar o imponente aqueduto que se encontra na entrada da parte histórica da cidade, construído no século I d.C. pelos romanos e usado até o final do século XIX.

Já um pouco mais distante, no trajeto para Santiago de Compostela, detivemo-nos por dois dias em Salamanca, que certamente ficarão guardados em lugar especial em nossas memórias. Como ficamos hospedados nos arredores da parte histórica da cidade, a vista maravilhosa que tínhamos da mesma aguçava nossa curiosidade desde o momento em que nos instalamos no hotel num fim de tarde. Nossa expectativa positiva começou a se confirmar já nesta mesma noite com um magnífico jantar no restaurante El Alquimista, seguido de breve passeio por parte da cidade. O ápice, porém, ocorreu no dia seguinte, quando conhecemos as duas catedrais da cidade – a velha e a nova, bem como a entrada da Universidade de Salamanca, uma das mais antigas e importantes da Europa. Almoçamos na belíssima Plaza Mayor, uma das mais bonitas que já conheci.

Em Santiago de Compostela, grande parte do nosso tempo foi tomada pelas atividades do encontro, intitulado Visiones y Experiencias de Creatividad Iberoamericana – VECI 2015, que contou com participantes da Espanha, de Portugal, da Colômbia, da Argentina, do Chile, da Venezuela e do Brasil, e que ocorreu em comemoração aos vinte anos do Mestrado em Criatividade Aplicada Total, uma iniciativa pioneira da Universidade de Santiago de Compostela, que é referência numa das linhas de pesquisa em criatividade, tendo como foco principal o autoconhecimento e a autotransformação, Seu maior expoente, o Prof. David de Prado, sustenta a tese de que é impossível desenvolver a criatividade exteriormente, sem que a pessoa passe primeiro por uma etapa de autoconhecimento e de autotransformação.

VECI

Não por acaso, a data do encontro coincidiu com a da grande festa da cidade, quando ocorrem as celebrações em homenagem ao patrono da cidade e quando uma quantidade enorme de peregrinos conclui sua caminhada de 800 quilômetros, chegando finalmente à cidade. São cenas emocionantes de exemplos de superação e – para alguns – também de fé. Impossível não se impressionar com a catedral local, com as instalações da Praza do Obradoiro e com o clima de alto astral predominante no local e que contamina a todos: moradores, peregrinos e turistas.

No que se refere à situação atual da Espanha, fiquei com a sensação de que o país continua enfrentando um quadro complicado, com elevado nível de desemprego, principalmente entre os jovens. Porém, em comparação com minha ultima visita em 2011, a percepção é de que o pior já ficou para trás. Tanto nas ruas como no noticiário, não existe mais a incrível predominância de conversas e notícias pessimistas e desalentadoras de quatro anos atrás. Parece haver consciência generalizada sobre as dificuldades, mas o pessimismo de antes cedeu lugar à busca de saídas para os problemas. Entre estes, notam-se ainda tensões provocadas por grupos separatistas, alguns mais fortes (Catalunha e País Basco), outros mais moderados (Galícia). O noticiário realça também o crescimento da participação das mulheres na vida política espanhola, com destaque para as novas prefeitas de Madri, Manuela Carmena, e de Barcelona, Ada Colau, eleitas em maio último nas eleições regionais e municipais.

Por fim, três observações referentes ao verdadeiro mergulho na história representado por uma viagem à Espanha. As duas primeiras se relacionam com a Igreja Católica. Que poder extraordinário ela possuía na Idade Média, quando muitas das catedrais que se transformaram em patrimônios da humanidade começaram a ser construídas, nos séculos XI e XII. E que riqueza a Igreja acumulou, expressa não apenas nas impressionantes naves centrais, mas também nas capelas existentes no entorno de muitas delas, repletas de esculturas e quadros de artistas renomados. A última refere-se ao poder da própria Espanha, que chegou a deter a hegemonia mundial no século XVI, tendo importante papel na época da expansão da navegação e dos grandes descobrimentos, até ser superada pela Holanda (século XVII) e Inglaterra (século XVIII em diante). Não é por outra razão que, assim como outras nações hegemônicas, a Espanha deu e continua dando ao mundo artistas de grande expressão, como os já citados pintores e escritores, filósofos e pensadores da dimensão de Miguel de Cervantes, Ortega y Gasset e Miguel de Unamuno.

Em apenas nove dias, obviamente, foi possível ver apenas uma pequena parte deste país admirável. Razão mais do que suficiente para ficar com água na boca, pensando em nova visita, a fim de conhecer mais cidades e regiões não menos fascinantes, tais como Barcelona, San Sebastian, Oviedo, Sevilha, Valência e tantas outras.

 

Referências bibliográficas

BUCK, Tobias. Prefeita de Madri quer ser modelo de mudança. Valor Econômico, 21 de julho de 2015, p. A 9.

GEROMEL, Ricardo. Bilionários. São Paulo: LeYa, 2014.

Referência webgráfica

DUAS mulheres que podem mudar o mapa político da Espanha. Disponível em http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/05/150525_espanha_prefeitas_pai.